Por Osvaldo Bertolino
A onda de indignação e protestos quando surge um caso de estupro é sempre justa. Mas é preciso ver o caso além dos muros da falsa moralidade da mídia, que fez o seu show à custa de tragédias como essas. Ela, a mídia, é a grande promotora do que, justamente, foi cunhado de “cultura do estupro”. Subtraindo o direito da sociedade de ser informada e formada com base em realidades concretas (não fictícias) e valores (verdadeiros, não hipócritas) por uma imprensa digna de ser chamada de imprensa como conquista da civilização, a mídia, somente por interesses econômicos, filtra os comportamentos sociais para forjar ideias imbecilizadas como regras, entre elas o machismo no sentido mais agressivo, a origem da “cultura do estupro”.
O que se vê na programação da televisão, sobretudo nos comerciais, é nada mais do que essa cultura, o sexo machista mostrado de forma subliminar de manhã, de tarde e de noite, 24 horas por dia. A mulher aparece sempre na posição de subjugada, de serviçal do homem, inclusive sexual. As formas mais acintosas de promoção dessa cultura são as propagandas das cervejas, nas quais, até hoje não entendo por que, tem sempre mulheres artificialmente “gostosas” servindo marmanjos folgados, boçais e vulgares. E, não raro, se utilizando de palavras e gestos torpes para se referir à “gostosa” que desfila para lá e para cá. Uma bobagem, uma cena deplorável, lamentável.
Esses são, a meu ver, exemplos dos mais explícitos. Mas há outros, igualmente abjetos, que mostram a mulher como objeto decorativo. Não vejo muito a programação da televisão, mas sei que é comum em programas de auditório ter aquele conjunto de mulheres seminuas rebolando e fazendo caras e bocas. E nos programas pretensamente humorísticos ter mulheres usadas, literalmente, como peças decorativas, como se fossem iguarias sexuais. Sem falar nos estádios de futebol, que de uns tempos para cá, antes e nos intervalos dos jogos, têm moças em trajes minúsculos dançando o que se considera dança sensual e fazendo coreografias com o único propósito de passar a ideia de que insinuam posições sexuais.
Racionalmente, qual o sentido disso tudo? O resultado é que nas rodas de amigos, nas ruas, praças e transporte coletivo a mulher é vista como a encarnação daquelas moças que rebolam na televisão e nos estádios. Com a diferença de que nessas ocasiões eles podem falar e, eventualmente, fazer o que gostariam de fazer com aquelas mulheres – e o fazem à força -, induzidos pela mensagem subliminar da lógica da exposição da mulher como objeto sexual, uma coisa deles por direito natural. Cria-se, dessa forma, a ideia generalizada de que a relação homem-mulher tem de ser assim naturalmente. E esses homens, moldados desde a infância (inclusive em casa, no convívio familiar, quando o homem não é incentivado a sequer lavar as suas cuecas), viram animais quando se deparam com uma mulher real que desperta seu desejo sexual. Essa é, a meu ver, a essência da cultura do estupro.