Por Osvaldo Bertolino – Portal Vermelho, 31/07/2002
O primeiro debate na Rede Bandeirantes de televisão no próximo dia quatro representará uma queda-de-braço prévia entre os programas dos candidatos à Presidência da República. Estarão em discussão, com várias nuances, as duas concepções possíveis hoje para um projeto de governo. Do ponto de vista macroeconômico, a pauta é a de sempre: estabilidade da moeda, abertura do mercado e equilíbrio das contas nacionais. Do ponto de vista administrativo, os temas devem ser o espectro de reformas – ou, por outra, o papel do Estado – e do ponto de vista social, a melhoria dos serviços públicos básicos e a geração de empregos.
A análise desses temas revela que o país vai muito mal. Mesmo que tenhamos muito em comum com as mazelas de países tão subdesenvolvidos como Paraguai e Bolívia, vários dos desafios que os próximos anos reservam ao Brasil são semelhantes aos enfrentados por Argentina e México para administrar suas opções econômicas.
Temos, portanto, problemas gigantescos a serem enfrentados nos campos social e macroeconômico. Se optarmos por atacá-los de frente, com nossa importância histórica, nossa diversidade continental e nosso papel geopolítico, a América Latina tende a seguir por outro caminho. Entraremos para o clube dos países que lutam por sua soberania. Se a opção for por manter o rumo atual, lançaremos toda a região no olho do furacão neoliberal.
Esse é um esquadro que aparece muito bem desenhado pela conjuntura latino-americana. Existem apenas dois caminhos: o atual e o proposto pela esquerda. Outubro representará uma encruzilhada decisiva para o Brasil. Não há como o centro político ser o esteio de um projeto de governo. É uma impossibilidade física. Então, o que de substancial aconteceu para que o índice de intenções de voto em Ciro Gomes subisse vertiginosamente?
Supunha-se até bem pouco tempo que Lula imporia margens folgadas sobre seus adversários no primeiro turno. No começo de julho, Serra, segundo o “Datafolha”, aparecia em segundo lugar com 20% e Lula em primeiro com 38%. Ciro Gomes, que oscilava entre 12% e 14%, caiu para 11% no começo de junho e na primeira pesquisa de julho já aparecia com 18%. Agora se isola no segundo lugar, ameaçando o favoritismo de Lula no segundo turno. Mas nada de sólido aconteceu para essa mudança. Nenhum dos escândalos da gestão FHC veio à tona novamente com força suficiente para abalar as estruturas da candidatura Serra. As manipulações do episódio de Santo André e da crise na segurança do Rio de Janeiro para atingir Lula não conseguiram arrastar o debate eleitoral para os subníveis da histeria.
Esses índices das pesquisas, portanto, não refletem o ápice do que pode fazer eleitoralmente as candidaturas de Lula e Serra. O ponto, aqui, é que o salto de Ciro Gomes encerra uma verdade: o eleitorado está muito interessado no debate dos programas de governo em disputa. Conclusão: Ciro Gomes está crescendo pelos motivos errados. Seu palavreado estridente e oco, cativa pela incisão e tende a se desmanchar pela inconsistência. Ele tenta encarnar o Joãozinho do Passo Certo para encobrir sua tortuosidade política à frente de uma coligação que vai se configurando como de direita. Sua candidatura pode até ocupar esse espaço que originalmente é de Serra, mas a tendência é a de ela se espatifar ante os embates de peso no debate eleitoral. Sua coloração de esquerda, por outro lado, vai ficando cada vez mais desbotada.
Ciro Gomes tenta repetir a tática de Collor de pautar as intervenções pela frase de efeito e pelo que seu público-alvo quer ouvir – não por seu projeto para o país. Mas nessas eleições, o eleitor quer saber como serão tratadas as questões sociais e macroeconômicas. Nesse terreno, Ciro Gomes derrapa. Não faz tempo, ele teorizou sobre a dívida interna, propondo redução dos juros para os papéis de curto prazo e aumento para os de longo prazo, e diante da reação não teve como levar o debate adiante. Preferiu o silêncio. Mas o povo quer saber. E ele terá de dizer o que pretende fazer com essa e outras questões. No campo social, suas propostas também são pífias.
As candidaturas de Serra e Lula têm propostas claras para esses temas. O governista pretende, obviamente, levar adiante o projeto neoliberal. O desafio para ele é neutralizar a dicotomia entre inflação baixa, represada pelos juros altos, e crescimento econômico sem mexer nos fundamentos do modelo. Ele diz que é possível. O povo não acredita. Por isso, não decola. Como não dá para servir a dois senhores, ele está claramente a serviço do capital financeiro e terá de deixar isso claro no curso do debate eleitoral. Não há explicação plausível para a conciliação entre juros altos, uma bola de chumbo atada ao tornozelo da produção, e a geração de empregos. FHC prometeu conciliar esses conceitos opostos e não cumpriu. Nem tentou – o que demonstra sua demagogia eleitoreira. Por que o povo acreditaria em Serra?
Lula, por seu turno, leva vantagem por ser o candidato que diz claramente o que pretende fazer na Presidência da República. E por isso contraria alguns e agrada muitos. Seu programa não deixa margem para dúvidas sobre qual rumo o governo irá seguir. O crescimento econômico e a geração de empregos, prioridades do governo Lula, não aparecem como algo estrambótico – como nas propostas de Serra. Esses itens do programa estão solidamente amarrados pelas propostas de boa administração macroeconômica e vigor na ação social. E esse escopo abarca as aspirações de camadas da população nas quais se encontram desde o sujeito socialmente excluído até uma sólida fatia do empresariado nacional produtivo.
Serra não passa verdade em seu olhar. Mas tem as costas quentes. É o candidato do sistema, do dinheiro, da mídia. A candidatura inflada de Ciro Gomes tende a perder gás. Lula, portanto, segue firme em sua trajetória de levar o país ao encontro de sua vocação histórica de independência e progresso. A conjuntura nunca esteve tão propícia para tanto. Mas sua candidatura é o alvo preferencial do poder econômico. É previsível, portanto, que o debate eleitoral, num determinado estágio, deixará a esfera das propostas de gestão para o país e entrará no terreno do espetáculo circense. Mas o circo pode pegar fogo. Resta saber como o eleitor irá reagir.