Por Osvaldo Bertolino
O plano de “estabilização da inflação” de Fernando Henrique Cardoso (FHC), o Plano Real, era o “esboço prático” de um projeto global, definiu o então vice-presidente Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Renato Rabelo. “Significa que esse novo governo das elites não será diferente dos precedentes.” A tentativa de juntar duas correntes dos setores dominantes – o “liberalismo” e a “social-democracia” – era um jogo de palavras, demagogia para salvar as aparências e tinha o mesmo efeito “de apresentar um círculo como se fosse um quadrado”.
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Era a expressão da aliança do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) com o Partido da Frente Liberal (PFL), surgido das entranhas da estrutura partidária que apoiou a ditadura militar. Estava no cerne dessa configuração partidária a semente da “reforma política”, o controle autoritário do debate político, tese que ficaria conhecida como “Plano Real na política” para confinar a representação dos votos em poucos partidos, alijando a participação do povo, restringindo a democracia. Seria o fortalecimento de partidos sem cor e com programa descartável, conformado para eleições, a serviço dos donos do poder e do dinheiro.
A reunião do Comitê Central do PCdoB nos dias 12 e 13 de novembro de 1993 avaliou que a conjuntura das eleições presidenciais de 1994 exigia candidatura única do campo democrático e progressista para enfrentar mais uma dura ofensiva do neoliberalismo. O PCdoB procurava a unidade em torno de uma plataforma comum. Seria a maneira mais eficaz para enfrentar as classes dominantes e levar uma candidatura popular à vitória.
Ataques indiscriminados
FHC, nomeado ministro das Relações Exteriores pelo presidente Itamar Franco, assumiu o Ministério da Fazenda em maio de 1993 e unificava quase toda a direita, condição que afastou definitivamente o PCdoB do governo, do qual havia se aproximado diante das promessas de que o projeto neoliberal ostentado por Fernando Collor de Mello, deposto pelo impeachment de 1992, não teria continuidade. A relação vinha abalada desde a venda da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em 2 de abril de 1993, inaugurando o ciclo das privatizações selvagens do projeto neoliberal, justificada por Itamar como inevitável por já estar programada.
Em nota, o PCdoB afirmou que o presidente dependia do Congresso, de maioria conservadora, devido à situação especial em que chegou ao Planalto, mas não concordava com as concessões à antiga política de Collor. Rejeitava ataques indiscriminados a Itamar, sem ceder na exigência de soluções dos problemas que afligiam o povo, da necessidade de união a fim de enfrentar a crise e conduzir o país no rumo da retomada do desenvolvimento, da soberania, da superação da miséria, da garantia das liberdades democráticas e da independência nacional.
Estava em curso um astuto jogo midiático que ocupou o espaço do debate político para derrubar o favoritismo de Lula, que vinha bem à frente nas pesquisas de intenções de votos. O PCdoB, que havia lançado um manifesto conclamando os partidos de esquerda e progressistas a se unificarem em torno de uma candidatura, passou a ser duramente atacado. FHC puxou o coro para se defender das consequências da aliança com o PFL, acusando os comunistas – com quem se aliara nas eleições para senador em 1978 e prefeito de São Paulo em 1985 – de “totalitários”.
As articulações oposicionistas resultaram na Frente Popular, Democrática e Nacional, lançada em 21 de abril de 1994, um passo para a ampliação da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva. Tratava-se de um processo eleitoral que refletia o quadro de crise multilateral que o Brasil atravessava e as dificuldades das classes dominantes para aplicar o projeto neoliberal.
Núcleo forte de esquerda
Segundo Renato, o susto que tomaram em 1989, quando Lula chegou perto da vitória, não se repetia em 1994, com o candidato da esquerda consolidado na liderança das pesquisas. “Atualmente, eles vão encontrando Fernando Henrique como alternativa para enfrentar a candidatura popular. Se utilizam dos tais predicados do Fernando Henrique, homem honesto, que veio da esquerda, um tipo ideal para as classes dominantes.”
Apesar do favoritismo de Lula, Renato entendia que a disputa seria muito difícil. “A candidatura popular vai encontrar dificuldades muito grandes, porque as elites vão fazer de tudo para barrar seu avanço. Não podemos pensar que será fácil a vitória ou que iremos facilmente ao segundo turno, conseguindo derrotar o candidato das forças reacionárias. Achamos que vai ser uma campanha muito dura. Eles vão investir pesado”, alertou.
Cabia às esquerdas e às forças progressistas se unirem, segundo Renato. “Nós pensamos que a candidatura popular deve ter um núcleo forte de esquerda, mas também audácia para ampliar e construir alianças com outras forças. Não temos a visão de que a candidatura popular deva ficar só nos marcos da candidatura de esquerda. Pelo contrário. Com base nesse núcleo, devemos buscar outras forças políticas e sociais. Não só partidos, mas também personalidades políticas de expressão.” A conclamação do PCdoB por candidatura única foi bem aceita. Apenas o PDT não deu resposta positiva, preferindo lançar Leonel Brizola.
Exclusão e marginalização
Renato chamou a atenção para o papel dos Estados Unidos como superpotência unipolar, centro do projeto neoliberal representado pela candidatura FHC. A reestruturação e o ajuste que o capitalismo procurava fazer determinavam a relação entre países dependentes e ricos como contradição mais importante.
Ele alertou para as consequências da política neoliberal, que trazia em seu bojo exclusão e marginalização de parcelas cada vez maiores da sociedade, como mostravam os exemplos do México e da Argentina, países que atravessavam graves crises econômicas e sociais. O Brasil também já vivia uma realidade social grave, com uma crescente parcela de desempregados e marginalizados, e teria uma situação explosiva caso o projeto neoliberal vencesse, alertou. O cerco e as pressões do imperialismo para enquadrar o Brasil em seus planos eram crescentes.
Aquele objetivo motivava a busca incessante da classe dominante brasileira por um novo “engate” internacional e chegava às submissões mais vergonhosas. “Tais reformas seguem receituário semelhante ao da Argentina, do México, do Chile etc. Em resumo, são assim definidas: diminuição do Estado, privatização das empresas estatais, liberalização e flexibilização das relações trabalho-capital (ou seja, a negação de importantes conquistas sociais), rápida liberalização do comércio exterior e ‘parcerias’ internacionais ou nova associação com o capital estrangeiro.”
O “ajuste” perseguido, continuou Renato, mantinha a trilha das deformações do capitalismo brasileiro, elevando e aprofundando a dependência do país. “Este tipo de ajuste gera um cenário de maior desigualdade social, com o aumento das camadas excluídas do processo econômico e a concentração ainda maior do poder de consumo. A fim de garantir os compromissos de uma dívida externa impagável, o país se submete às exigências de enormes reservas de moedas fortes (à custa de quem?) impostas pelo capital financeiro internacional, para dar garantias aos credores e lastro que possa estabilizar uma nova moeda.”
Grande susto
A formação de um bloco de forças que atualizasse as bandeiras democráticas, em defesa dos direitos das grandes massas, seria a resposta àquela situação, a continuidade do projeto de cunho popular, agora assentado em base social mais ampla e numerosa, prosseguiu Renato. Após o declínio do regime militar, boa parte dessas forças, antes amordaçadas e reprimidas violentamente, colocou-se em movimento, participando do processo de democratização política, da vitória da anistia, da convocação da Constituinte, dos êxitos na elaboração da Constituição de 1988, da grande mobilização pelas Diretas já! e da vitória da luta pelo impeachment de Collor.
Na sucessão presidencial de 1989, contando com um programa que começou a articular as bandeiras do campo popular e progressista, por meio da Frente Brasil Popular, as forças populares quase obtiveram a vitória, registrou. “As classes dirigentes foram tomadas de grande susto. Não esperavam tal desfecho e tiveram de convergir todo seu poder à candidatura Collor.”
Com aquele histórico, disse Renato, a sucessão presidencial de 1994 só podia ser compreendida a partir das raízes e características da evolução histórica do Brasil. Ela não estava desligada do processo de contradições políticas e econômico-sociais em curso, sobretudo após a Nova República. Havia uma nova crise conjuntural, marcada pelas particularidades daquele momento eleitoral. “A polarização político-econômica resulta de um processo de concentração de rendas cada vez maior”, analisou.
Era uma lógica do capitalismo, própria de sua essência, porque a globalização da economia só avançava com uma centralização financeira. “A grande oligarquia capitalista no Brasil acabou se enquadrando na nova fase e busca outras formas de associação, tornando-se, assim, centralizadora do capital, dos meios de comunicação, do poder. Nesta realidade interna, não se projetam mais os tempos da Guerra Fria, a contradição Leste-Oeste. Nela se reflete outra contradição, a Norte-Sul, como consequência das imposições reestruturantes fixadas pelos países centrais, imperialistas, aos países periféricos, dependentes, que têm de se submeter a relações cada vez mais desiguais.”
Credo neoliberal
Segundo Renato, o acirramento da polarização desencadeou o impasse. Havia uma encruzilhada, que se revelava, em termos gerais, na contraposição de dois projetos: ou prevalecia o caminho neoliberal, “que deteriora intensamente a grave situação social e submete o país à nova ordem mundial imperialista, ou a resistência na busca de um novo caminho, de base nacional, democrática e popular, que concretize, no plano interno, ampla coalizão de forças política e sociais, e, no plano externo, a formação de uma frente dos países e povos dependentes, pela retomada do desenvolvimento com independência e progresso social”.
Aquele quadro de crise e confronto de dois projetos definiria a sucessão presidencial, disse Renato. Depois do susto de 1989, as classes dominantes tudo faziam para amainar suas próprias desavenças políticas e regionais. “Articulam-se nervosamente na busca de um personagem contra Lula, esforçando-se para chegar a um candidato único, no qual pretendem concentrar todo o seu poderio”, afirmou.
As oligarquias mais poderosas encontraram seu escolhido na pessoa de FHC, que, convertido ao credo neoliberal, agia como um “cristão novo”, resumiu. “Tem de aprovar seu plano atual, que já encampa o artifício da dolarização, a última palavra em matéria de planos encomendados ao FMI para países da América Latina.”
Renato alertou que a candidatura de FHC, apresentada como de centro-esquerda pelas elites, moldada com a ênfase no seu passado de intelectual de prestígio e de esquerda, não deixava de ser burlesca. “Acabam admitindo o prestígio da esquerda, apesar da manipulação pela permanente propaganda em contrário. Dessa maneira, a fina flor dos setores mais ricos de nossa sociedade, em parceria com seus cupinchas externos (segundo o jornal Financial Times, FHC é o favorito dos ‘mercados’), monta um perfil farsante”, enfatizou.
Além de uma exclusão social sem precedente, continuou Renato, a propalada “modernidade” resumia-se à competição na era dos oligopólios, dos conglomerados gigantes. “A disputa está situada nessa escala”, disse. “A mídia internacional, porta-voz do capital, não esconde sua preferência por Fernando Henrique. E as viúvas da ditadura e os setores reacionários falam abertamente da necessidade de usar todos os meios para impedir ou ‘prevenir’ o êxito da esquerda”, disse.
A candidatura popular refletia o nível da polarização política e sintetizava a fisionomia da corrente histórica democrático-popular que vinha se construindo, principalmente após 1930. “A proposta defendida pelo Partido Comunista do Brasil de forjar uma ampla frente nacionalista, democrática e popular, que garanta e, ao mesmo tempo, vá além da vitória eleitoral, é justa e responde às necessidades atuais”, defendeu Renato. “Para alcançar o resultado favorável, é preciso ir além dos marcos de uma única força partidária. Precisamos aprender com a história”, concluiu.
Ameaça à democracia
O PCdoB avaliou a vitória de FHC como ameaça à democracia. A Resolução política do IX Congresso, de 1997, alertou para esse risco. As políticas neoliberais estavam no centro do diagnóstico da realidade mundial e brasileira. “Estas constituem flagrante ameaça à democracia, aos direitos dos trabalhadores e dos povos e à soberania nacional da grande maioria dos países, conformando um período histórico de regressão de todas as conquistas democráticas, sociais e culturais da civilização”, disse Renato
Segundo ele, o neoliberalismo tem nos Estados Unidos, precursores e principais beneficiários da política de flutuação da moeda desde 1973, o centro da liberalização e da desregulamentação financeira e cambial. “A política monetária estadunidense passou a ser, em última instância, a reguladora do mercado financeiro mundial instável e descontrolado, liquidando a possibilidade de uma política econômica e financeira autônoma para a maioria dos países do mundo.”
Cabia ao Partido, disse Renato, trabalhar por uma plataforma contra o neoliberalismo. “Lutamos, sim, pela definição de uma plataforma ampla e consequente. Neste momento, o esforço que empreendem os quatro partidos de esquerda (PCdoB, PT, PDT, PSB) na elaboração de uma plataforma comum antineoliberal é a justa conduta a trilhar”, afirmou. A ideia, segundo Renato, era formar uma frente que unisse os partidos de esquerda, intensificasse a luta política de massas e isolasse ao máximo os blocos aliados a FHC.
Denúncias de corrupção
Renato tomou a frente de um processo político que teria decisiva consequência nas eleições presidenciais de 1998 e de 2002. O PCdoB vinha conversando com os partidos de oposição para transformar os protestos que se levantaram contra o neoliberalismo num movimento unitário. Foi quando surgiu a ideia de formação da chapa com Lula candidato a presidente e Brizola, vice. “Eu e o Amazonas (João Amazonas, então presidente do PCdoB) conversamos com o Brizola, essa questão de ser o vice”, recorda Renato.
A chapa Lula-Brizola era uma opção real de poder, “um novo modelo para a sociedade e a economia brasileiras”. “Modelo que privilegia os trabalhadores, os setores produtivos e a ampla maioria da população. Modelo constituído por um governo pluripartidário, de base popular, apoiado pelos mais diversos segmentos da nação e na democratização crescente da vida nacional”, disse. “Devem ser consequentes nas denúncias e indignação com o entreguismo deslavado do governo FHC e a grave crise social por ele gerada. Desmascarar as falsidades divulgadas pela propaganda chapa branca do pensamento único.”
Enquanto a oposição se organizava, a direita se movimentava para manter FHC no poder. Num processo marcado por denúncias de corrupção, o Congresso Nacional aprovou a emenda constitucional que instituiu a reeleição para presidente da República e governador. Mas o agravamento da crise mundial jogava contra as ambições de FHC. A economia, dominada pela agenda neoliberal, enfrentava verdadeiros dramas na Ásia e na América Latina.
Em meados de 1998, depois de meses a fio em que se dava por certo que não haveria segundo turno, o quadro começou a mudar. Na pesquisa do instituto Datafolha de 8 e 9 de junho, as diferenças atingiram patamar mínimo: FHC teria 35% das intenções de voto no primeiro turno e Lula, 30%. No segundo turno, FHC ficaria com 45% e Lula, 44%. Ou seja: empate técnico. A mídia entrou em cena com ataques a Lula num ponto sensível: a política econômica. FHC seria reeleito no primeiro turno.
Logo depois, o governo fechou o primeiro acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), mergulhando o país numa era de incertezas, inclusive institucional. Segundo Renato, as eleições tiveram uma característica forte de tentativa de despolitização e desideologização, feita pelas classes dominantes. “Contra essa tendência, houve um grande esforço de politização por parte do PCdoB, em especial das campanhas de nossos candidatos a deputado federal. Esse nosso esforço teve um resultado bastante favorável.”
FHC queria uma eleição silenciosa, sem mobilização e comícios, sem povo nas ruas, de acordo com Renato. Não houve sequer um debate nacional. “Foi uma eleição que decorreu em período extremamente curto, com um pequeno período de utilização de rádio e TV. Essa orientação governista nacional refletiu-se nas eleições estaduais, que também foram despolitizadas, abordando mais problemas localizados em cada área da Federação.”
Conto de duas cidades
Foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos. Renato lembrou a frase do romancista Charles Dickens, no livro Um conto de duas cidades, publicado em 1859 narrando uma história que se passa entre Londres e Paris no período da Revolução Francesa, para dizer que os resultados das urnas configuravam o “melhor” e o “pior” dos mundos para as distintas forças envolvidas. Ele avaliou que o resultado das urnas não fora de todo favorável ao governo.
Segundo Renato, as oposições registraram avanços no segundo turno para o governo de estados. “Um ‘terceiro turno’ vai mostrando seus contornos, com o aprofundamento da crise econômico-financeira, o início de um esgarçamento da base de apoio governista, gerando instabilidade que leva a um quadro de crise política, o ressurgimento das forças centristas com um discurso crítico ao governo FHC e as possibilidades de ampliação da frente oposicionista.”
Renato fez um minucioso relato do resultado geral das eleições e concluiu que a oposição tendia a se fortalecer. Era preciso localizar tendências e resultantes naquele quadro contraditório, observou. Tendo em conta a evolução da crise econômico-financeira, constatava-se o surgimento de um novo quadro político. “O segundo mandato de FHC já estará prenhe de ingrediente demolidor do primeiro, que se encerra. O cenário atual parece ser o de final de governo”, diagnosticou.
No fundo, delineava-se o crescimento da crise do sistema capitalista “globalizado” e seu impacto na crise em curso no Brasil, que já atingia a maioria da nação. “Esta realidade se reflete numa crise da própria concepção neoliberal, neste final de década”, avaliou Renato. “O resultado imediato será um processo depressivo de difícil reversão.”
Politicagem rasteira
Naquele cenário de rápida degradação econômica e social, FHC entregava-se à politicagem rasteira, desconsiderando a fronteira entre o público e o privado, segundo Renato. “Sobre ele se avolumam as suspeições acerca do processo de privatização, feito a toque de caixa. O governo usa todas as artimanhas para impedir que a sociedade comece a tomar conhecimento do que realmente acontece por trás dos rumorosos negócios das privatizações.”
Segundo Renato, o governo estava cada vez mais refém dos grandes magnatas financeiros e, mais uma vez, do FMI. “A sua lógica é pagar com presteza e em tempo aos investidores financeiros. Subsidiar banqueiros e, até mesmo, o capital especulativo”, falou. E mais: “Fernando Henrique rasgou a Constituição e torna-se cada vez mais autoritário. O presidente da República perde a credibilidade e vai predominando uma situação de ingovernabilidade.”
Colocava-se na ordem do dia a necessidade de fortalecer a unidade da frente oposicionista democrática e popular, consolidando “um amplo movimento em defesa do Brasil, da democracia e do trabalho”. “Defendemos a substituição de FHC por um novo governo, de base democrática, patriótica e popular”, afirmou. “Vai ganhando convicção entre círculos cada vez maiores do povo de que é preciso Fernando Henrique estar fora do governo. Impõe-se a luta pelo fim mais rápido deste governo. Assim, é necessário mobilizar e conscientizar o povo para a denúncia contra o presidente da República por crime de responsabilidade, abrindo assim caminho para a vacância da Presidência e convocação de novas eleições através de medida constitucional.”
Regime ditatorial
Segundo Renato, para tornar realidade seu projeto antinacional e antipopular, o governo estava revogando, sucessivamente, em sua linha geral, a Constituição de 1988, como havia denunciado o renomado jurista Celso Antônio Bandeira de Melo. “Toda Constituição tem, implícita ou explicitamente, uma linha geral. Na opinião de Bandeira de Melo, esse projeto neoliberal que foi adotado no Brasil é uma antítese dessa linha que constitui a espinha dorsal de nossa Constituição”, denunciou.
Além disso, prosseguiu Renato, FHC governava com medidas provisórias anticonstitucionais, “na opinião de parte dos juristas”. “Na realidade, o governo de Fernando Henrique vai edificando, progressivamente, o que vem sendo denominado por inúmeros juristas independentes de um regime ditatorial ‘constitucional’. As emendas constitucionais de FHC também são anticonstitucionais por ferirem o âmago da concepção de Estado subjacente à nossa Constituição de 1988.”
Com o aprofundamento da crise em todos os terrenos, FHC iniciou, na opinião de Renato, seu “novo” governo já envelhecido, numa situação de descrédito crescente diante da população e começo de erosão de sua base de sustentação política. “Não somente a crise desse modelo governista precipita as divergências entre os componentes de sua base, como também os objetivos próprios de cada setor que apoia o governo, por conquista de melhores posições e espaços políticos hoje, visando melhores condições de disputa nas eleições de 2002.”
A posição mais justa seria considerar que o governo tomara um rumo sem retorno, avaliou. “A política atual aprofunda o modelo neoliberal. A recessão imposta só vai agravar a crise social em curso, com o problema do desemprego, diminuição dos salários, aumento significativo da pobreza, falências de empresas. É preciso alertar a maioria do povo sobre a responsabilidade do governo federal por ter levado o Brasil à situação atual de retrocesso e de depressão econômico-social”, disse. “Hoje, FHC já não tem mais base de sustentação. Seu governo já nasceu morto. A base política dele entrou em erosão.”
Chantagem e intimidação
O Brasil precisava de novo rumo, de uma ruptura com aquela orientação política, de um projeto de mudanças que fosse capaz de promover a reconstrução nacional, a transformação social e a mais ampla liberdade política, indicou. “O país não aguentará mais uma metade de década de crescimento estancado e pode se tornar neocolonizado. Não se pode subestimar tamanho risco ao destino de nossa pátria. Agora, o governo FHC e seus cúmplices, apoiados em vastos recursos, sustentados por grandes interesses internos e externos, compram a cumplicidade e o apoio político, visando a manter sua base de sustentação, a retomar a iniciativa e a isolar a oposição.”
A subida de Lula nas pesquisas provocava verdadeiro sobressalto na seara do Planalto e dos grandes círculos financeiros internacionais. Começava a repetição da chantagem e da intimidação, a falácia de que a vitória da oposição traria o caos, afetando seriamente o investidor estrangeiro. “Tudo isso conduzido com grande estardalhaço pela mídia brasileira. As agências financeiras a serviço do grande capital transnacional decretaram que o Brasil aumentou de risco, rebaixaram a recomendação dos títulos brasileiros, pressionando assim para a retomada da alta dos juros já extremamente elevados”, denunciou Renato.
Eram as vozes do continuísmo, que passaram a pregar a surrada prédica do despreparo de Lula. “Porém, a verdade é que os dois governos de Fernando Henrique, com o acúmulo de seus desastres econômico e social, já não convencem a grande maioria do povo das ‘virtudes’ de sua estabilidade. Desta feita, o governo não conseguiu nem mesmo manter sua base política para o embate eleitoral de 2002. A candidatura Serra (José Serra, do PSDB) derrapa, vive uma crise de identidade, não sabendo como se apresentar: ou é continuidade ou é mudança.”
Carta entregue a FHC
O país enfrentava mais uma ameaça de crise cambial. “Essa orquestração continuou no mesmo diapasão num segundo momento, com o convite de FHC aos candidatos à Presidência da República para tentar comprometê-los com o acordo (com o FMI) e demonstrar que ainda governa”, disse.
No encontro, dia 19 de agosto, Lula entregou a FHC uma carta na qual dizia ser urgente “gerar um elevado superávit comercial, fundado no aumento expressivo das exportações, de modo a diminuir a vulnerabilidade do país com relação à volátil liquidez internacional”. “Isso requer, de imediato, uma ampla ofensiva diplomática, que mobilize todas as embaixadas e consulados brasileiros para apoiar o esforço exportador do Brasil. Exige, além do mais, uma ação decidida nas frentes de negociação internacionais, como a Organização Mundial do Comércio (OMC), contra o protecionismo injustificado e os subsídios indevidos dos países ricos que prejudicam as vendas de nossos produtos, como o suco de laranja, o açúcar, a soja e o aço, entre outros”, dizia a carta.
Renato denunciou que a mídia, como sempre comprometida com os grandes círculos financeiros, deitava loas sobre a “iniciativa democrática” do encontro dos presidenciáveis com FHC, afirmando que “a democracia está de parabéns”, que o evento foi uma demonstração de “maturidade política” e que o 19 de agosto foi um “dia histórico na vida republicana”, dentre outras coisas do gênero.
Segundo ele, a encenação, na prática, ficou restrita ao seguinte roteiro: FHC disse que todos os candidatos aceitaram o acordo; e todos os candidatos – evidentemente com a exceção do governista, José Serra – disseram que a responsabilidade pela situação atual é do governo e que é preciso outra política econômica. “Até mesmo Fernando Henrique confessou que mudaria também alguma coisa”, ironizou.
Por que aquele festival de fanfarronadas sobre “maturidade política”?, indagou Renato. “Na realidade, a crise que atravessa o país é muito, muito grave. FHC, com sua política neoliberal e seu profundo comprometimento com os grandes círculos financeiros internacionais e nacionais, levou o país a um grande impasse. O Brasil passou a viver uma situação de enorme vulnerabilidade externa, agravada com o quadro de crise financeira mundial, cujo centro hoje não é mais a periferia, mas a principal praça da economia e finanças mundial: os Estados Unidos.” A luta primordial era “pela busca de novo rumo para o Brasil”, resumiu.