– A “ditabranda” da Folha vista com lupa.

“Estamos vivendo até hoje os efeitos do golpe de 64, que era desejado pela elite mais feroz, ignorante e vulgar do mundo, que é a brasileira. Ela é a responsável, e os militares executaram esse projeto. Aliás, o golpe é um divisor de água. Depois do golpe

O famoso orador romano Marco Túlio Cícero ensinou que uma boa história precisa responder as perguntas “quem?” (quis/persona), “o quê?” (quid/factum), “onde?” (ubi/locus), “como?” (quem admodum/modus), “quando?” (quando/tempus), “com que meios ou instrumentos?” (quibus adminiculis/facultas) e “por quê?” (cur/causa). Isso posto, quero diz que o editorial golpista do jornal Folha de S. Paulo não é algo sem maiores conseqüências. Não é mais um mero episódio dos devotos daquilo que o cineasta Billy Wilder chamou de “Big Carnival” (Grande Carnaval) — filme que no Brasil recebeu o nome de “A Montanha dos Sete Abutres” e que retrata o caso de um repórter especialista na arte da trapaça.

A “ditabranda” pode ser definida como a síntese da índole golpista da chamada “grande imprensa”, da qual a Folha é um dos veículos mais salientes. Desde 2002, sintomaticamente o jornal define a sua pauta pelas previsões tétricas. Não procede, portanto, a análise de Igor Ribeiro, editor-executivo da revista Imprensa — em um excelente texto, registre-se —, de que o jornal, após defender o golpe de 1964 e sofrer duras conseqüências dessa posição — desde ataques de grupos de esquerda até a censura rígida durante os anos de chumbo —, procurou se redimir apoiando incisivamente o movimento das “Diretas Já!”.

“Acertadas as contas com a sociedade, o Grupo Folha se notabilizou pelo projeto inspirado no jornalismo estadunidense moderno que, por um lado, ditava uma rigorosa assepsia ideológica e forte comprometimento democrático e, por outro, deixava o jornal à mercê do liberalismo econômico e das leis de mercado”, escreve ele. “O passado nem sempre glorioso ficou na história e, dentro da nova realidade, o jornal deu voz à pluralidade e ao bom senso. O debate democrático ganhou corpo com a participação recorrente de personalidades dos mais variados matizes ideológicos, fosse enquanto pauta, fosse enquanto colaborador”, afirma.

Jornalismo rarefeito

Diz o axioma que dois erros nunca se anulam. Aliás, geralmente somam-se para dar um resultado ainda pior. A “ditabranda” não está dissociada da denunciamania golpista recente, quando não faltaram teorias sem fatos — matéria-prima indispensável a qualquer acusação que se preze —, no particular palco da mídia, onde uma combinação quase macabra entre interesses de certas corrente político-ideológicas e dos grupos que controlam a circulação de informações com mão de ferro gosta de encenar seus atos.

Esse jornalismo rarefeito, de baixa intensidade moral, é bem conhecido no Brasil. Ele chegou aqui nos anos 40, vindo dos Estados Unidos, num processo de “modernização” deflagrado por Pompeu de Souza, do Diário Carioca. Vocações literárias e evocações filosóficas foram substituídas por uma narrativa simples e linguagem empobrecida. Pompeu de Souza recebeu, apropriadamente, o título, concedido por Nelson Rodrigues, de “pai dos idiotas da objetividade”.

Como resultado, o que se vê é que o cidadão brasileiro presencia regularmente, com seus próprios olhos e ouvidos, a publicação de insultos, ataques pessoais, intrigas, falsidades, invenções, erros de fato e mentiras puras e simples. A “ditabranda” da Folha, vista com lupa, insere-se aí. São óbvios os laços que unem o ódio da direita na América Latina diante da franca ascensão da democracia progressista na região. O neologismo apenas expressou uma plataforma política latente, sempre recorrente quando os caminhos democráticos começam a ser pavimentados. Mais uma vez, a legião de “economistas”, “comentaristas”, politicólogos, provocadores e demagogos em geral que vive à sombra das oligarquias cumpre o seu papel histórico de erguer barricadas contra o progresso.

Apoio da Folha ao golpe

Mas a democracia está contra eles. O progresso está contra eles. A verdade está contra eles. Suas má-criações os fazem figuras subqualificadas e desmascaram o título de escolhidos para restaurar a ordem e a moralidade públicas. Na verdade, em nome dessas bandeiras o que se vê é o mesmo histórico amontoado de asneiras, meias-verdades e mentiras pela boca de pessoas que se julgam mais sábias do que todos.

Lembre-se que eles tentaram manter o presidente Luis Inácio Lula da Silva “sub judice” a fim de criar as condições para dar o bote. Esse poderoso braço do tráfico de informações da direita sonha em reviver cenas que predominavam no início da década de 60. Os métodos da direita magnetizada pela coesão que emana de clãs minúsculos estão de volta. São as mesmas faces, tangendo velhíssimos ideais. Recorde que o título do editorial do jornal Correio da Manhã que circulou no dia 31 de março de 1964 sintetizou numa palavra o desejo da elite brasileira naquele dia: ”Basta!”. No dia seguinte, 1º de abril, o jornal repetiu a dose: ”Fora!”.

A “grande imprensa” vinha entoando um coro muito bem afinado contra o governo do presidente João Goulart e incitando o golpe. A Folha do dia 27 de março de 1964, em editorial intitulado ”Até quando?”, indagou: ”Até quando as forças responsáveis deste país, as que encarnam os ideais e os princípios da democracia, assistirão passivamente ao sistemático, obstinado e agora já claramente declarado empenho capitaneado pelo presidente da República de destruir as instituições democráticas?”

Interesses terrenos

O jornal O Estado de S. Paulo do dia 14 de março de 1964 disse: ”(…) Depois do que se passou na Praça Cristiano Ottoni (…), após a leitura dos decretos presidenciais que violam a lei, não tem mais sentido falar-se em legalidade democrática, como coisa existente.” No dia anterior, cerca de duzentas mil pessoas participaram do famoso comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no qual foi anunciado que o presidente acabara de assinar, no Palácio das Laranjeiras, o Decreto da Supra (Superintendência da Política Agrária), que propunha um plano de desapropriação dos latifúndios improdutivos acima de 500 hectares, por interesse social. O presidente mexeu num vespeiro.

No dia 19 de março de 1964 — dia de São José, padroeiro da família — mulheres ricas paulistas lideraram a ”Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, incitando o golpe militar. Em nome da família, de Deus e da liberdade o movimento estava defendendo os interesses terrenos dos latifundiários, banqueiros e industriais. No dia seguinte, o jornal O Globo comentou: ”Sirva o acontecimento para mostrar aos que pensam em desviar o Brasil de seu caminho normal, apresentando-lhe soluções contrárias ao ideal democrático e ensejando a tomada do poder pelos comunistas, que o povo brasileiro jamais concordará em perder a liberdade, nem assistirá de braços cruzados aos sacrifícios das instituições.”

Qual a diferença dos editoriais de hoje em dia? A “ditabranda” da Folha tem como fio condutor, que perpassa e une esses tempos históricos, e um dos pontos de partida de sua pauta ideológica os ideais do Partido Republicano Paulista (PRP), que representava os fazendeiros de São Paulo após a proclamação da República. Apesar da distância no tempo, e da forma diferente de apresentação das propostas, as idéias do PRP não são estranhas às da Folha.

O fator humano

A marca da mídia à brasileira é exatamente a ojeriza ao pensamento avançado, humanista. A cada dia ela nos apresenta exemplos dos mais edificantes, como o desse neologismo infeliz. Sempre há uma teoria. Mas são teorias do que seria-se-fosse, baseadas em características e fenômenos de um país que eles imaginam, muito diverso do país real. Equacionar, operar, extirpar e outros vocábulos os embalam em seus cálculos frios. São fantasias e fantasmagorias que não se destinam a descobrir, orientar, provar, mas… Se destinam a que precisamente? A sofismar, a mistificar e mitificar, a ludibriar.

Qualquer que seja o problema, por mais complexo e multiforme, não lhes faltam engenho e arte para transformá-lo em gráficos e diagramas para dar-lhe denominação própria e original. Mas não lhe dão especificidade, ou não querem lembrar que informar e analisar requer arte e ciência, essencialmente ligadas ao homem. Nenhum resultado se pode esperar de informações e análises que eliminam o fator humano.

Pastel de vento

Nessa pregação golpista, o delírio teorizante atinge o auge. Como a presunção é o traço mais evidente, eles insistem no diagramar, no cronogramar, no organogramar, no topogramar para ver se com o inusitado da linguagem obtêm crédito. Pensam que podem vencer pelo choque, pelo cansaço do prolixo. Pode-se dizer que é uma mídia nominalista. Se a realidade — onde coisas e fenômenos estão há muito nominados — não corresponde às análises, muda-se o nome das coisas e fenômenos.

Pois saibam os que não sabiam que esse gosto pelo nome dos senhores de sua semântica esvazia o conteúdo das informações para pôr no lugar palavras ocas como esse neologismo da Folha. Ditadura vira “ditabranda”. Como alguém lembrou, vazio igual só o daqueles pastéis que a velhinha vendia na feira, apregoando: “Pastéis de camarão!”.

O comprador se aproxima, pega um, paga. Na hora de comer, diz: “Mas, minha senhora, não achei camarão nenhum!” Ela responde: “O senhor sabe como é, uns gostam, outros não gostam, uns podem, outros não, por isso não ponho.” São pastéis de vento, ou vento de pastéis. E como eles inventam nomes com facilidade, suas explicações se encaixam naquele tipo de resposta que se dá às crianças de certa idade que não perguntam para saber, mas pelo perguntar.

Desabafo do leitor

Muitas vezes essas falsificações são imposições a jornalistas, massacrados pela ditadura dos donos do poder, que sequer têm tempo de estudar as leis e meditar sobre os problemas nacionais, de auscultar o coração do povo, de ler e entender os processos sociais. Muitos nem foram formados neste espírito e, em terra de batráquio, precisam se agachar para não ser atingido pela língua do sapo. Desrespeitam abertamente a Constituição e outras cartas — esquecendo-se que Ruy Barbosa deixou escrito que a Constituição não é roupa que se recorte para ajustá-la às medidas deste ou daquele interesse.

A conseqüência, na vida real, é, para muitos, a perda de rumo, de oportunidades e eventualmente da própria perspectiva. Há algum tempo, a Folha publicou uma sugestiva carta de um leitor. “Desculpe, mas acabou a minha capacidade de absorver só notícias negativas. A Folha há muito deixou de praticar um jornalismo investigativo e entrou firme no jornalismo denunciativo, que não leva a nada”, disse ele. O leitor estava comunicando a perda da paciência com um determinado tipo de jornalismo. Ele não é o único nem a Folha a única publicação a colocar como prioridade de sua estratégia editorial a busca do pior em tudo.

O caráter do jornalista

Topar tudo para conseguir uma “notícia” impactante tem um perverso efeito colateral: a corrosão do caráter do jornalista. Um jovem que chegue a uma redação e seja confrontado com a realidade cotidiana de trapaças de variadas espécies para a obtenção de notícias — mentiras sobre a natureza da reportagem para conseguir entrevistas e gravadores escondidos para colher flagrantes, para ficar apenas em dois exemplos — é rápida e inevitavelmente engolfado pela frouxidão dos valores.

Vemos, por exemplo, no jornalismo da “grande imprensa” gente como Diogo Mainardi — é rigorasamente apenas um exemplo, visto que muita gente como ele faz o mesmo em outros veículos —, que em sua coluna na revista Veja insulta o presidente Lula com a mesma virulência de David Nasser, na antiga revista O Cruzeiro, contra João Goulart e Leonel Brizola. Pela falta de educação e respeito, Nasser acabou levando dois bons socos do então governador gaúcho no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.

Como diria Nelson Rodrigues, “um paralelepípedo analfabeto, uma cabra vadia ou um bode de charrete” saberia que isso não é bom jornalismo. Nelson Rodrigues usou essas palavras para ironizar, em 1968, um debate que se estabeleceu na mídia sobre o seguinte tema: era melhor ou pior a introdução da TV em cores no Brasil? Como se vê, há toda uma tradição brasileira quanto a esse gênero de coisas. Os grupos de mídia no Brasil ganharam o poder e o status de hoje no submundo da ditadura militar.

Sermão da Sexagenária

Tudo isso prova um fato: o Brasil de mentira é o que se paralisa nas crises apocalípticas anunciadas por velhos coveiros e propaladas nas manchetes e editoriais dos jornais. O Brasil de verdade é o que, a despeito de seus imensos problemas, deixou de ser uma piada. Podemos, nesse vazio de inteligência da mídia, nos consolar com as palavras do Padre Vieira, no Sermão da Sexagésima, onde se vê a causa de o povo não acreditar nessa pregação recheada de ameaças, uma discurseira que põe palavras onde faltam idéias.

Lá se diz: “As razões não hão de ser enxertadas, hão de ser nascidas. O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento. (…) O que sai da boca, pára nos ouvidos, o que nasce do juízo, penetra e convence o entendimento.”
Aspectos da China contemporânea
Osvaldo Bertolino *

A passagem dos 30 anos de reforma e abertura da China foi muito pouco comentada no Brasil. Meu entendimento é que isso se deve ao cerco que a mídia promove sobre qualquer assunto afeito ao progresso social. A China, com suas complexidades e peculiaridades

Foi assim que um seminário sobre o assunto, promovido pelo Instituto Brasileiro da China e Ásia-Pacífico no Rio de Janeiro, praticamente não apareceu no noticiário. Dada a importância do evento e o significado destes 30 anos de reforma e abertura da China, resgato alguns aspectos da China contemporânea — com a inestimável fonte informações que é a China Rádio Internacional.

Os participantes do seminário avaliaram que a política de reforma e abertura criada por Deng Xiaoping não só trouxe desenvolvimento rápido para a China, mas também deu uma contribuição significativa ao desenvolvimento da humanidade e do mundo. O diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, afirmou que o conceito de construção do socialismo com características chinesas apresentado por Deng Xiaoping indicou o caminho correto de desenvolvimento do país, trazendo para a China êxitos notáveis em um período curto de 30 anos. Ele acrescentou que, desde o início da prática de reforma e abertura, 250 milhões de chineses se livraram da pobreza, ocupando 2/3 da população que saiu da pobreza no mundo, o que foi uma grande contribuição para toda a humanidade.

O diretor do Instituto Brasileiro da China e Ásia-Pacífico, Severino Bezerra Cabral Filho, disse que a política de reforma e abertura dirigida por Deng Xiaoping foi a reforma política, econômica e social mais importante do mundo nos últimos 30 anos. Cabral Filho também destacou que, neste processo, a China tomou uma atitude programática e não imitou o modelo de desenvolvimento dos Estados Unidos e de países do Leste Europeu, mas explorou um caminho que atendia à sua própria situação — mantendo o rápido desenvolvimento econômico e a estabilidade social. Segundo ele, estudar este ”fenômeno chinês” tem um importante significado para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil e de outros países “em desenvolvimento”.

Um aspecto que merece observação especial é a acelerando do ritmo de urbanização chinês. De acordo com os dados oficiais, a superfície urbanizada da China subiu de 17,9% para 50% do território nacional. Durante este processo, as metrópoles que mais brilharam foram Beijing, Shanghai e Shenzhen. Xi´na — esta última a cidade com maior dificuldade na industrialização por causa do seu grande número de patrimônios culturais, conseguiu encontrar seu próprio modelo industrialização. A China possui oito famosas capitais antigas.

 

Princípios de política externa

Outro fenômeno chinês de grande relevância é a definição dos princípios de sua política externa. ”A China persistirá na via de desenvolvimento pacífico. Esta é uma opção estratégica feita pelo governo e pelo povo da China, de acordo com a tendência de desenvolvimento da nossa era e os próprios interesses fundamentais. A China é uma nação amante da paz e uma força sempre firme na defesa da paz mundial”, disse o presidente chinês, Hu Jintao, no 17º Congresso Nacional do Partido Comunista da China realizado em 2007.

Ele reiterou que a persistência na via de desenvolvimento pacífico constitui uma política inabalável para a China. Segundo Hu Jintao, trata-se de um compromisso fundamentado nos interesses da nação chinesa e do mundo. Trata-se uma definição decorrente do contexto da segunda metade do século passado, quando o mundo estava no período da Guerra Fria e a China não podia evitar as suas influências.

 

Cooperações com o exterior

A falta de um ambiente pacífico, tanto dentro como fora das fronteiras, impossibilitava o desenvolvimento nacional. A China de então era um país de economia atrasada, debilitado e empobrecido, que enfrentava grandes desafios à sua subsistência e ao seu progresso. Foi assim que o país começou a revisar suas políticas e reavaliar as relações com o mundo, além de considerar o futuro do país e tomar uma decisão histórica — 3ª Sessão Plenária do 11º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês realizada em 1978 definiu o modelo de crescimento e o desenvolvimento pacífico tornou-se parte da estratégia nacional.

O desenvolvimento pacífico significa buscar um ambiente internacional de paz em benefício do próprio desenvolvimento e defender a paz mundial com o desenvolvimento nacional. Durante este período, a China dedicou-se à construção econômica nacional, ao estabelecimento das cooperações com o exterior e ao melhoramento do ambiente externo. Como exemplo disso, a China vem promovendo as relações com os principais países e regiões, aprofundando o conhecimento e os intercâmbios com o Ocidente e mantendo a estabilidade do vínculo com as grandes nações.

O desenvolvimento melhora a vida dos chineses, aumenta o poderio e a importância internacional da China e traz oportunidades para o mundo. A China em desenvolvimento está dando suas contribuições para a paz mundial. Em assuntos como o Iraque, os conflitos palestino-israelenses, Kosovo, a questão nuclear da Península Coreana e o problema energético iraniano, entre outras importantes questões internacionais, a China desempenha um elevado papel de intermediação.

 

Enormes benefícios internos

Todo esse arcabouço teórico trouxe enormes benefícios internos. Um deles foi um deles é o salto educacional. Ao enumerar os principais eventos que afetaram a China nas últimas três décadas, a maioria dos chineses colocou o Exame Nacional para Entrada na Faculdade (Gaokao, em chinês) em primeiro lugar da lista. Em dezembro de 1977, 5,7 milhões de chineses participaram do exame nacional, o primeiro do tipo desde o começo da catastrófica Revolução Cultural (1966-1976).

Nos últimos 30 anos, milhões de estudantes graduaram-se de instituições de ensino superior de vários tipos, para formar uma força de trabalho de alta qualidade. De acordo com dados oficiais, as instituições de ensino superior chineses inscreveram cerca de 53,86 milhões de estudantes nas últimas três décadas, dos 128 milhões de participantes do Gaokao. Ao mesmo tempo, o governo fez grande esforços para desenvolver a educação obrigatória e a ocupacional, com a finalidade de melhorar a qualidade de todos os cidadãos.

 

Educação nas áreas rurais

Nos últimos 30 anos, mais de 100 milhões de estudantes formaram-se nas escolas ocupacionais de diferentes tipos. Em 2007, as escolas profissionais contavam com 80 milhões de estudantes. Até 2000, a China alcançou sua meta de garantir a educação obrigatória para as crianças e eliminar o analfabetismo entre os jovens e cidadãos de média idade. O grande sucesso nas reformas econômicas ajudou o desenvolvimento da educação no país.

Com recursos financeiros suficientes, o governo chinês passou a aumentar o investimento na educação e adotar políticas mais favoráveis, com a maior importância dada à educação nas áreas rurais. Em 2003, um programa de ensino à distância foi lançado para cobrir 360 mil escolas primárias e secundárias rurais, beneficiando mais de 100 milhões de estudantes. Em 2004, o governo central investiu 10 bilhões de yuans (US$ 1,45 bilhão) para construir mais de 8,3 mil internatos nas áreas rurais.

Em 2006, a China emendou sua Lei de Educação Obrigatória para isentar os estudantes primários e os estudantes nos primeiros três anos do ensino secundário de taxa de matrícula e outras taxas administrativas. A medida foi adotada primeiro nas áreais rurais do oeste do país, região menos desenvolvida, em 2006, e ampliado para o país inteiro em 2007.

 

A meta de “Educação par Todos”

Além de fazer grandes esforços para alcançar sua meta de ”Educação para Todos”, o governo chinês também tem encorajado estudantes chineses a estudar no exterior. O número subiu de 860 em 1978 para 144,5 mil em 2007. Até o momento, 319,7 mil estudantes chineses voltaram ao país após terem terminado o estudo em outros países.

A China também abriu suas portas a estudantes de fora. Nos últimos 30 anos, 1,23 milhões de mais de 180 países e regiões estudaram em instituições de ensino chinesas.

Até o momento, a China assinou acordos de cooperação e intercâmbio educacionais com 188 países e regiões. O país asiático e 33 países e regiões firmaram acordos de reconhecimento mútuo de diplomas. Com o sucesso da reforma e um maior prestígio internacional do país, o chinês tornou-se um idioma atrativo e útil para os estrangeiros. Até agora, o número de estrangeiros que estudam chinês ultrapassou 30 milhões.

No campo, o país também passa por uma revolução. Entre a população chinesa de 1,3 bilhão, mais de 800 milhões vivem no campo rural. Sendo assim, o governo chinês prioriza a produção agrícola e a elevação do nível de vida dos camponeses. A informatização no campo rural chinês prioriza que os camponeses dominem a tecnologia e informações, a fim de melhorar a produção e administração. Nos próximos cinco anos, a China investirá um bilhão de yuans (cerca de 250 milhões de reais) ao campo rural, destinado à infra-estrutura de informações e formação de técnicos.

A construção da indústria básica e da infra-estrutura também foi reforçada de forma significativa, dando um suporte crescente ao desenvolvimento econômico e social do país. Entre 1979 e 2007, os capitais destinados aos dois setores somaram aproximadamente 30 trilhões de yuans, representando 38% do total dos investimentos no país. Um grande número de projetos essenciais como transmissão de gás natural oeste-leste, transmissão de água sul-norte e reflorestamento de terras de cultivo foram concluídos ou seguem em ritmo acelerado.

A produtividade da indústria de base e o nível infra-estrutural da China aumentou significativamente. A capacidade de abastecimento da agricultura, energia e matérias-primas subiu para um novo patamar. Foram criadas redes de transporte e telecomunicações que cobrem todo o país. As instalações de educação, cultura, educação e esporte também tiveram aprimoramentos. Tudo somado, pode-se dizer que a China hoje é um exemplo de como uma sociedade pode se desenvolver de forma democrática e harmoniosa.

– John Reed: leitura obrigatória nestes tempos bicudos

Nestes tempos de crise econômica e moral, recomendo a leitura do meu professor de jornalismo, John Reed. Entre a sua rica e imperdível obra, destaco o livro ”Eu vi um novo mundo nascer” – uma coletânea de artigos que relata acontecimentos sindicais e po

O gênio de Reed desfila em narrativas de greves heróicas e massacres de operários nos Estados Unidos, guerras na Europa, revolução no México e de um emocionante julgamento da Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo – IWW), ocorrido na Corte Federal de Justiça de Chicago em 1918.

Reed abre este artigo com a seguinte citação de August Spies, um dos mártires da luta pela jornada de oito horas semanais de trabalho. “Estou aqui como representante de uma classe, e falo a vocês, representantes de outra classe. Minha defesa é a sua acusação, a causa do meu pretenso crime, sua história”, disse ele. Reed encerra afirmando: “A humildade dos trabalhadores é bonita, sua paciência é quase infinita e sua nobreza, milagrosa.” Em outra obra, ele afirmara que os autoritários confundem humildade com humilhação.

Quase trinta

Arquiteto de frases belíssimas, seus escritos são reconhecidos pela genialidade literária. Um contemporâneo seu, certa vez declarou: “É um pouco embaraçoso ter que admitir para um sujeito que você reconhece que ele é um gênio.” Além de gênio, já se disse que Reed foi herói. Num prefácio do seu livro A filha da revolução, o crítico Rogério de Campos escreveu: “Num dado momento, John Reed está preso com trabalhadores imigrantes grevistas, em outro está vivendo com uma milionária em Florença. Ora está cavalgando junto aos exército de Pancho Vila (…), ora está em uma festa em Paris com Gertrude Stein e Pablo Picasso. (…) Neste meio tempo, consegue fazer teatro com Eugene O’Neill, entrevistar Trotski, jogar em Monte Carlo e ser aplaudido por guerrilheiros numa de suas brilhantes exibições de bebedeira.”

Autor de obras-primas como México Rebelde e Os dez dias que abalaram o mundo, Reed foi ainda fundador do Partido Comunista dos Estados Unidos e membro da Terceira Internacional Comunista. No primeiro artigo da coletânea Eu vi um novo mundo nascer, intitulado “Quase trinta”, escrito em 1917 quando ele tinha 29 anos, afirma: “Sei que este é o fim de um período de minha vida, o fim da juventude. Às vezes me parece também o fim da juventude do mundo. Certamente a Grande Guerra mexeu com todos nós. Mas este é também o início de uma nova fase da vida, e o mundo em que vivemos está tão cheio de mudanças rápidas, cores e significados, que não posso deixar de imaginar esplêndidas e terríveis possibilidades da época que está por vir.”

Cinzas

Reed interpretou os acontecimentos do seu tempo como ninguém. Rogério de Campos diz: “John Reed aparece aqui como um elo entre Mark Twain, Jack London, Walt Whitmam.” Além disso, tinha uma comovente sensibilidade social. Certa vez, perguntaram sua opinião sobre as causas da Primeira Guerra Mundial. “Lucros”, respondeu, sintetizando uma gigantesca gama de fatores em uma única palavra.

A passagem do livro Os dez dias que abalaram o mundo que relata o enterro dos operários que tombaram na luta pelo controle de Moscou é emocionante. “Ondas de povo e milhares de seres, com sofrimento gravado nas fisionomias, precipitavam pelas ruas, invadindo a Praça Vermelha. Chegou uma banda militar. E o som da Internacional fez com que todos, espontaneamente, começassem a cantar. (…) O cortejo fúnebre (…) desfilou (…), debaixo dos olhares do mundo e da posteridade.” Esse cemitério está entre o túmulo de Lênin e as muralhas do Kremlin. Na base das muralhas foram enterrados muitos revolucionários. As cinzas de John Reed também estão lá. Ele morreu de tifo aos 33 anos na Rússia Soviética.

– Lula, Obama e o preconceito do professor Gaudêncio Torquato.

Um artigo do jornalista, professor titular da USP e consultor político Gaudêncio Torquato no jornal O Estado de S. Paulo, edição do dia 11 de novembro, sobriamente intitulado “A esperança lá e cá”, oferece uma boa oportunidade para se ver como a opinião p

Virou moda para a pregação elitista culpar o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva por tudo. No noticiário político diário aparecem os que achincalham as instituições democráticas agora que elas não estão mãos elitistas, os revoltados com o socialismo, com o MST, com a MPB, bem como os insatisfeitos em geral, seja com o campeonato brasileiro de futebol ou com o atraso do trem, a acne juvenil, a aftosa e o bicho-do-pé. Ou seja: tudo é culpa do governo. Foi assim que o professor jogou nas costas das “platéias assumidamente lulo-petistas” a culpa pela comparação entre Lula e o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama.

Segundo o professor, “se a eleição do primeiro presidente negro e o 44º da história dos Estados Unidos se reveste de simbolismo, por representar uma mudança profunda no paradigma da política norte-americana, a conquista de dois mandatos presidenciais pelo ex-metalúrgico brasileiro também se impregna de extraordinária força simbólica”. Mas, segundo decreta Gaudêncio Torquato, a semelhança termina aí. “Se os dois viveram uma infância humilde, Obama pôde estudar em boas escolas, formando-se em Direito, em 1991, em Harvard, centro educacional de excelência, freqüentado pela elite norte-americana e internacional. Lula minimiza o fato de não ter estudado. Obama não é o Lula americano”, ensina o professor.

Palavras ao vento

Depois de uma adjetivada aula sobre “a nova esquerda internacionalista, sob a qual se abrigam as bandeiras do aborto, do desarmamento, do diálogo com inimigos, dos direitos de minorias, etc.,” o professor decreta que “o discurso mudancista do lulismo (…) deu com os burros n’água”. Em seguida, Gaudêncio Torquato mostra, sem meias palavras, o que de fato ele representa. “As estacas macroeconômicas fincadas no ciclo FHC foram bem conservadas e até aperfeiçoadas, trazendo conforto ao país, que conseguiu zerar sua dívida externa. Trata-se de mérito inegável do governo Lula, não significando, porém, alentados avanços”, revela o professor.

Gaudêncio Torquato volta a soltar palavras ao vento ao mencionar que “o patrimonialismo continua a dar as cartas, sob o império do presidencialismo de coalizão, que torna o Parlamento refém do Executivo” (como?). E ataca “os jovens que, por ocasião das diretas-já e do impeachment de Collor, acorreram às ruas” e agora “delas fugiram”. E chega ao mérito da questão — como dizem os advogados. “As multidões aclamam hoje o presidente não por ações inovadoras, mas porque festejam a entrega de bolsas, que expressam uma visão ortodoxa (por não apontar uma porta de saída) de política social”, ensina.

Imprescritibilidade da tortura

Em seguida, Gaudêncio Torquato aponta a sua pena para “o campo das relações de trabalho”, segundo ele “dominado por centrais de trabalhadores motivadas a manter as correntes de um sindicalismo à sombra do Estado”. E chega à “seara dos tributos”, que “é um deus-nos-acuda”. O linguajar não é dos melhores, mas, com coragem, dá para entender o que ele quer dizer: a elite foge do fisco como o Diabo da água benta. “A bocarra do leão se alarga sob os olhos concupiscentes dos burocratas. Estados e municípios se engalfinham para tirar lasquinhas dos impostos, cujas partes gordas vão para os cofres da União. E a esfera política continua a fazer círculos ao redor do Palácio do Planalto, empunhando a mão franciscana”, afirma.

Outro ponto em que a aula do professor resvala para a mediocridade, depois de decretar mais uma vez que “o simbolismo de suas vitórias (de Lula) se esgarça a olhos vistos” (onde?), é a discussão sobre a imprescritibilidade da tortura. “A era Lula nem sequer conseguiu fechar o ciclo de 64”, avisa o professor já no início do assunto. “A guerra entre torturados e torturadores, pela voz autorizada do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, ganha novos atores: os grupos terroristas”, diz ele. A peroração de Gaudêncio Torquato é um primor. “Barack Hussein Obama simboliza o aceno a uma nova ordem. Que Lula prometeu e, até agora, não cumpriu. Que a esperança, lá, consiga efetivamente vencer o medo”, finaliza o professor com sua pena empostada.

Centralismo autoritário

O que devemos extrair disso tudo? Primeiro, que o professor tem todo o direito de escrever o que quiser. Tem até mesmo o direito de prescrever o que quiser para todo o mundo. Quem sonharia em impedir que Gaudêncio Torquato assumisse o partido elitista? Tem até o direito de usar um vaivém entre o Brasil e os Estados Unidos mal costurado, que resulta em uma compreensão rarefeita sobre o que ele quer de fato ensinar com isso. Destaco apenas que o professor se expressa de uma maneira curiosa. Parece que ele é mais um porta-voz da mídia, destes que têm o hábito de falar pela “sociedade”, pelo “contribuinte” ou pelo “cidadão” — seja lá o que isso quer dizer.

Eles falam assim não porque praticam o “centralismo democrático” — seria bom se o praticassem —, e sim porque têm sempre uma versão extremamente opaca de centralismo autoritário. Mas deixa isso para lá — em outra hora comento o assunto. O problema é que é difícil aceitar esse tipo de diagnóstico num país em que até há pouco tempo o governo foi uma mediocridade neoliberal em cujo legado é difícil encontrar qualquer coisa de positivo. No rol da ruindade presidencial, é possível que nem um outro presidente tenha superado FHC. Obviamente, esse ponto de vista vê o governo pelo ângulo esquerdo, aquele pelo qual se enxerga o povão e os interesses maiores da nação. Quem olha pelo ângulo direito, onde está enquadrada a elite, a visão é outra.

Dois insumos básicos

Mas é sempre bom prestar atenção no que dizem estes porta-vozes da direita brasileira. Em primeiro lugar porque ninguém, até hoje, perdeu alguma coisa levando-os a sério. Em segundo lugar porque o que eles dizem coloca às claras, quando se vai ao centro das coisas, o único fato realmente essencial na disputa política contemporânea: Lula na Presidência da República representa uma grande ruptura com a nossa história e tradição política. Quando Leonel Brizola o comparou a Getúlio Vargas em uma reunião petista, em 1998, ele não estava totalmente errado — ao menos no simbolismo político.

Mudanças importantes na vida dos países carecem de dois insumos básicos. O primeiro: um desejo amadurecido na sociedade de que essas mudanças aconteçam; uma espécie de consenso coletivo em relação à necessidade de mudar. O segundo insumo: alguém que tome a frente e as realize. Um líder que tenha vontade e competência para sintetizar o desejo da maioria e concretizá-lo. É desse cruzamento que surgem as grandes reformas, os grandes avanços. O governo Lula se formou com a bandeira social, símbolo de esperança. Politicamente emparedadas pela extensão do apoio popular ao presidente, as oposições, como seria de prever, contra-atacam com o refrão de que ”só a economia se salva”. É uma pobreza de dar pena!

– O dilema juro-inflação-desenvolvimento

Por Osvaldo Bertolino – Portal Vermelho, 12/04/2008

O Brasil passa por mais uma discussão sobre as causas que levam o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) a cogitar mais uma alta da taxa de juros básica, a Selic. E reaviva a velha polêmica sobre o dilema inflação-desenvolvimento.

Mas data houve em que se acabaram
Os tempos duros e sofridos
Pois um dia aqui chegaram
Os capitais dos países amigos
País amigo, desenvolvido
País amigo, país amigo
Amigo do subdesenvolvido
País amigo, país amigo
E os nossos amigos americanos
Com muita fé, com muita fé
Nos deram dinheiro e nós plantamos
Só café, só café
É muita terra em que se plantando tudo dá
Mas eles resolveram que nós deveríamos plantar
Só café, só café.

Trecho da música “Canção do Subdesenvolvido”, de 1962, composta por Carlos Lyra e Francisco de Assis.

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À sua maneira, o presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, tocou num velho dilema da economia brasileira — a possível contradição entre inflação e desenvolvimento. O assunto foi a atual elevação mundial do preço dos alimentos, segundo ele uma ”inflação boa” porque ”convoca” os países a produzir mais e atender à demanda por alimentos no mundo. Lula disse também que a alta dos alimentos não precisa ser necessariamente combatida com a alta dos juros.

A fala do presidente foi oportuna. Muita gente no Brasil ainda vê o consumo como um gesto pouco nobre. Um marciano de boa índole, que tivesse chegado à Terra pelo Brasil e estivesse estudando a humanidade munido da língua portuguesa, certamente anotaria na agenda que ”consumir” é uma das coisas ruins que se fazem por aqui. O verbo ”consumir”, segundo o Aurélio, significa ”1. Gastar ou corroer até a destruição; devorar, destruir, extinguir (…) 2. Gastar, aniquilar, anular (…) 3. Enfraquecer, abater (…) 4. Desgostar, afligir, mortificar (…) 5. Fazer esquecer; apagar (…) 6. Gastar; esgotar (…)”.

Políticas sociais tímidas e insuficientes

Os sentidos são negativos; as conotações, pejorativas. Não há uma única referência à idéia de comprar ou adquirir, de consumir mais e melhor. Muito menos uma associação com o ato de satisfazer uma necessidade ou saciar um desejo. Claro que para um país como o Brasil o ganho mais visível e imediato que a égide do consumo tem a oferecer é mesmo a elevação do nível de conforto material. Consumir mais e melhor significa também fruir arte, absorver informação, ter acesso ao patrimônio cultural da humanidade. Ou seja: obter satisfações que transcendem à mera necessidade imedita.

Por que há tantas reservas em relação ao consumo de massas no Brasil? É que o consumo popular funciona como o estopim econômico de transformações sociais. Para o povo, ele é bem-vindo também por isso. As travas brasileiras em relação ao consumo estão no fato de que ele sempre foi privilégio de poucos. Outra vez a estrutura social fendida em dois extremos, arquitetada no passado, azucrina nosso presente e atravanca nosso futuro.

A arquitetura social brasileira é caracterizada por políticas públicas tímidas e insuficientes. A força da ideologia liberal à brasileira, com traços feudais e escravocratas, é a causa dessa timidez — ou insensibilidade social. Uma das alegações dos liberais era a de que a inflação em alta impedia uma ação social mais vigorosa. Como distribuir os frutos de um desenvolvimento não realizado? Primeiro era preciso fazer o bolo crescer para só depois distribuí-lo.

Guinada ”ortodoxa” na condução da economia

No início dos anos 60, essa fantasia ganhou conotação ainda mais autoritária. Os economistas que assumiram o controle depois do golpe militar de 1964 chegaram dizendo que o dilema inflação-desenvolvimento era discussão da pré-história. Segundo Roberto Campos, ícone brasileiro deste pensamento, este dilema era um “idílio” — ou produto de fantasia; devaneio, utopia.

A política econômica da ”era militar” chegou à crise dos anos 80, que levou à guinada ”ortodoxa” da linha de condução da economia quando o país ingressou na “era neoliberal”. Foi pelo caminho da prioridade à política de “estabilização monetária” em detrimento da postura desenvolvimentista, iniciado no governo do presidente Fernando Collor de Mello, que o Brasil chegou ao Plano Real e ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Naquela campanha, FHC brandiu a ”estabilidade” como se fosse a sua grande contribuição à humanidade.

Uma inflação de 1,75% em setembro de 1994 e de 1,82% em outubro, depois de ter batido em quase 50% em junho, foi argumento suficiente para resolver aquela eleição já no primeiro turno. Mas uma das conclusões a que se pode chegar analisando os votos de 1994 é que eles representaram uma carta branca ao governo no que se referia ao controle inflacionário, não necessariamente a qualquer outro ponto de seu ideário liberalizante.

Divisa da campanha do projeto neoliberal

Ao lado do trunfo do Plano Real, vendido por meio de um marketing internacional muito bem arquitetado, havia os outros quatro dedos da mão espalmada de FHC. Eles significavam para o eleitor a promessa de melhorias sociais e infra-estruturais no país. Nenhuma ”reforma” de cunho liberal foi claramente referendada pelo pleito de 1994. Elas vieram a reboque — eram as cláusulas do contrato escritas em letras minúsculas.

Para conseguir o segundo mandato, este projeto utilizou-se de um novo engodo. Eram mais do que óbvios os laços que uniram aquela política com a perda de empregos e o aumento da precariedade dos serviços públicos — como saúde, segurança, educação. Mas a campanha veio com um slogan apelativo: era preciso garantir as ”conquistas” da ”estabilidade” para dar prioridade aos outros dedos da mão espalmada, principalmente o combate ao desemprego.

Era conversa sobre corda em casa de enforcado, como no provérbio. Mas a divisa da campanha do projeto neoliberal acabou criando uma interrogação para o eleitor: por que votar em Lula se FHC estava garantido as ”conquistas” da ”estabilidade” e prometendo empunhar as principais bandeiras do candidato da oposição? Mas FHC merecia credibilidade? Esse dilema ficou evidenciado nas pesquisas de intenção de votos.

Em 10 e 11 de março de 1998, o Datafolha divulgava pesquisa mostrando FHC com 41% das intenções de votos no primeiro turno, contra 25% de Lula. No segundo turno, FHC venceria com 52% contra 35% de Lula. Em meados do ano, depois de meses a fio em que se dava por certo que não haveria segundo turno, o quadro começou a mudar. Na pesquisa de 8 e 9 de junho, as diferenças atingiram seu patamar mínimo: FHC teria 35% das intenções de voto no primeiro turno e Lula, 30%. No segundo turno, FHC ficaria com 45% e Lula, 44%. Ou seja: empate técnico.

Críticas a regulamentações aprovados pelo Senado

O projeto neoliberal reavaliou o rumo da campanha, enfatizou os outros quatro dedos da mão espalmada de FHC — as questões sociais — e recuperou a vantagem, vencendo as eleições novamente no primeiro turno. Mas ficou na população aquele gosto amargo de derrota, uma sensação de ter sido enganada por aquela mão espalmada insistentemente levantada por FHC. Quando ele se reelegeu em 1998, logo ficou claro que o país havia embarcado naquele bonde novamente porque havia a esperança de mudança de rumo tacitamente prometida.

Como era uma impossibilidade evidente, à primeira chance houve a baldeação e Lula se elegeu em 2002 e se reelegeu em 2006 — empunhando as bandeiras das questões sociais. O país, no entanto, continuou praticando a mesma política monetária — basicamente centrada na autonomia do Banco Central (BC) para domar o comportamento da inflação pela taxa de juros, segundo metas definidas arbitrariamente. Apesar de poucas alterações, esta política persiste e tem reanimado o debate sobre os rumos da economia brasileira.

No dia 9 de abril, o Senado aprovou a regulamentação da emenda 29, que adiciona R$ 5,5 bilhões em gastos no setor de saúde já em 2008 e mais R$ 17,5 bilhões até 2011; a extensão a todos os aposentados e pensionistas do INSS dos benefícios da política de valorização do salário mínimo (reajustado pela variação do INPC mais o crescimento do PIB de dois anos antes); e a extinção do fator previdenciário — um dos feitos mais nefastos da “reforma” previdenciária realizada na gestão FHC. E por isso vem sofrendo mais uma saraivada de pontapés.

A sentença de um tucano: produzir um esfriamento na economia

Para os liberais, essas medidas representam um desvio do rumo traçado pela política de “estabilização”. E uma ameaça à “responsabilidade fiscal”. O fundo desta grita interesseira é o velho dilema inflação-desenvolvimento. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo no dia 11 de abril, o economista tucano Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi um dos esteios da “era FHC”, disse que “pela primeira vez, em muitos meses, as expectativas de inflação superaram o centro da meta que orienta os passos do Banco Central”. E culpa o “superaquecimento da economia”.

Segundo ele, é consenso que um aumento dos juros nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC deve levar a taxa Selic para perto de 13% ao ano. Mendonça de Barros diz que “o consumo das famílias e os gastos do governo Lula estão se expandindo a taxas de mais de dois dígitos — em termos reais — e, com os gastos relativos aos investimentos privados, criam uma pressão muito grande sobre alguns mercados importantes”.

O economista tucano escreveu também que já havia alertado sobre o “nível de absorção interna de bens e serviços”, pelo qual as tensões chegariam a setores não defendidos pelas importações. Resultado, segundo ele: a inflação média começaria a se elevar. “Ao longo dos últimos meses, essa dinâmica aprofundou-se, também no mercado de trabalho e pelo crescimento do crédito ao consumo”, afirmou. “Era apenas uma questão de tempo para que as pressões de preços aflorassem de forma mais clara nos indicadores oficiais de inflação”, escreveu. E deu a sentença final: “É preciso produzir um esfriamento na economia.”

A alternativa é plantar ”só café, só café”, como na música?

Seguir à risca a receita liberal seria repetir o aguçamento daquela calamitosa teoria do bolo, levada a cabo nos anos de ditadura militar, que partiu o Brasil em dois países antagônicos. Nada melhor para ilustrar a convicção e o sectarismo monetarista do que a teoria do bolo — seus defensores têm o ar de quem está sempre descobrindo a pólvora. Na “era FHC” vimos isso com nitidez.

Dizia-se, com a habitual obviedade para encaixar um sofisma, que o bolo (a economia nacional) era um só e tinha de ser dividido em partes iguais. Não adiantava querer aumentar as partes enquanto o bolo fosse o mesmo. A análise monetária-culinária que faziam tinha como mandamento principal a contenção da inflação, sacrificando o desenvolvimento. E era ilustrada com um exemplo matemático — diziam que o bolo tem 100 unidades, logo deve ser dividido em partes que somam 100 ao final. Esta foi, por exemplo, a propaganda da “Lei de Responsabilidade Fiscal”, que blindou o superávit primário. Um engodo, está claro.

A teoria era a de que quando são destinadas 80 unidades para consumo e 40 para investimentos, o resultado de 120 era a inflação. Para eles, não havia outro caminho. Esta ladainha foi sempre repetida na “era FHC” — o então presidente da República chegou a dizer que a “Marcha dos 100 mil”, que inundou Brasília com um mar de gente para protestar contra a sua política econômica, era “ a marcha dos sem rumo”. Qual seria a alternativa? Segundo eles não havia, a não ser plantar “só café, só café” — como na letra da música que citei acima. Ou seja: produzir superávit primário.

Uma ou duas causas da inflação e do desenvolvimento

Ignoraram essa coisa simples de que fórmulas matemáticas não devem substituir o desenvolvimento de um povo que habita uma região cheia de riquezas naturais. A política econômica de um país não pode ser determinada por simples conceitos monetários. Esta auto-suficiência dos neoliberais esclarece muitas coisas dos problemas sociais e econômicos do Brasil. E sucita novas indagações sobre a atualidade do dilema infação e desenvolvimento — as opiniões divergentes continuam e o tempo ainda não lhe trouxe solução.

Eles ignoram também que não existe um diagnóstico simples e objetivo da inflação. A suposição da existência deste diagnóstico é o erro fundamental dos neoliberais — que tratam política econômica e a sua teoria monetária como a mesma coisa. O ex-presidente do BC na ”era FHC”, Gustavo Franco, certa vez afirmou que não discutia mais o dilema inflação-desenvolvimento porque, segundo ele, não era mais tema científico mas emocional e religioso. Mas muita coisa já ficou esclarecida nestes últimos anos do governo Lula.

Uma delas é que o dilema inflação-desenvolvimento é o ponto fundamental da grande questão da economia brasileira sob a orientação desta teoria monetária. Já é alguma coisa saber disso. E já se sabe não apenas que esta é a grande questão como também que não existem uma ou duas causas determinantes tanto da inflação quanto do desenvolvimento. Há sim uma variada relação de causas e efeitos igualmente importantes, monetários e estruturais. E isso tornou-se claro depois da experiência dos neoliberais na ”era FHC”, quando todo o tempo foram afirmadas teses ditas únicas para a economia brasileira que chegaram a resultados melancólicos.

Soberba do galo que pensa que o sol nasce porque ele canta

Com o desmentido de promessas feitas em tom de profecias, cresceram as evidências de que o país tomara o caminho errado. Mesmo os continuadores dessa política na primeira fase do governo Lula, com o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci à frente, que empolgaram-se e sectarizaram-se na defesa de teses ”ortodoxas” — talvez por supor que estavam no exercício de um poder absoluto —, foram repudiados por todos os que não rezavam pela cartilha neoliberal. Eles incorreram na soberba do galo que pensa que o sol nasce porque ele canta. Segundo sua teoria, a gestão da economia só poderia dar resultados positivos se estivesse submetida às suas elucubrações e por isso cantavam para que o sol nascesse.

Desse modo, incorreram em um erro de análise econômica, decorrente de um erro muito maior de análise política — passaram a ser elogiados por todos que apoiaram a ”era FHC” e criticados pelos apoiadores do governo Lula. A saída de Palocci do governo arejou o ambiente na equipe econômica, mas a economia do país ainda é dependente do conservadorismo do Copom. Isso ocorre porque o projeto democrático e popular de sociedade ainda é algo que está para florescer no Brasil. E, na mesma medida, a construção de uma sociedade fundada na defesa dos interesses nacionais, disposta a erigir sistemas que sustentem a longo prazo o desenvolvimento econômico e a distribuição da riqueza produzida. Ou seja: desenvolvimento com valorização do trabalho.

PIB cresce 5,4%: isso é muito ou pouco?
Osvaldo Bertolino *

A economia brasileira passa por uma fase importante. O crescimento do PIB, no entanto, precisa traduzir-se em desenvolvimento — um conceito que obrigatoriamente deve abranger a valorização do trabalho. Uma melhor distribuição da renda nac

O crescimento de 5,4% da economia brasileira no ano passado, divulgado nesta quarta-feira (12) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fez o Produto Interno Brasileiro (PIB) — a soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país — atingir R$ 2,6 trilhões. O resultado ficou acima do que havia previsto o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Na semana passada, durante evento no Rio de Janeiro, ele disse que número ficaria entre 5,2% e 5,3%.

Mais importante do que os números é a consequência desta arrancada. Mantega afirmou que a resistência da economia brasileira à crise internacional depende do comportamento dos países “emergentes”. ”Porque nós já sabemos que a economia americana está em desaceleração e poderá entrar em recessão. Até agora, nós não fomos atingidos por isso. E nós fazemos parte de um bloco de países emergentes que está indo muito bem”, disse ele.

O ministro também afirmou que enquanto a China for bem, a Índia for bem, a Rússia for bem e o Brasil for bem, os “emergentes” podem sustentar o crescimento da economia internacional. “E até substituir o papel dos países avançados. E é isso o que tem sido feito até agora”, enfatizou.

Histeria inaugurada nos anos 80

A rigor, Mantega repetiu um diagnóstico feito na terça-feira (11) pelo presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, em reunião realizada na Basiléia, na sede do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Trichet disse que os países “emergentes” se transformaram na aposta dos xerifes da economia mundial para evitar que uma desaceleração do PIB dos Estados Unidos afete a economia global.

O presidente do Banco Central brasileiro, Henrique Meirelles, também comentou o assunto. Segundo ele, a China terá um ”papel-chave” para determinar até que ponto os demais “emergentes” serão ou não impactados pelas turbulências no mercado financeiro. Meirelles disse ainda que o Brasil ”está mostrando grande resistência e é um exemplo particularmente brilhante”. Mas ressalvou: se a China não resistir, não há dúvida de que o cenário será outro para o Brasil. ”Se o mundo todo desacelerar ao mesmo tempo, isso terá um certo efeito no Brasil”, afirmou.

Uma das características mais marcantes deste cenário é a passagem para uma nova fase da economia, distinta daquela histeria inaugurada nos anos 80 pelos governos neoliberais de Margareth Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (Estados Unidos). Ali começou a pregação fundamentalista de que as “forças de mercado” substituiriam com sucesso a “vontade dos governos”. A justificativa para isso era a suposição arbitrária de que os defeitos dos governos seriam mais perversos à sociedade do que as falhas do mercado.

O bem-estar da população

A essa idéia somou-se uma outra: a de que os países menos desenvolvidos deveriam afrouxar os controles para a circulação de capitais em suas fronteiras. Essa tese, um tanto paranóica, serviu a ideologias que vêem o mundo numa fase final da história, na qual só resta o caminho da conformação do eterno conflito entre ricos e pobres, entre centro e periferia. De acordo com esse raciocínio, a causa da pobreza de muitos não seria mais os instrumentos que garantem a riqueza de poucos.

O prêmio Nobel de economia de 1995, Robert Lucas, chegou a proclamar: “Quando se começa a pensar em crescimento, é difícil pensar em qualquer outra coisa.” Ou seja: para ele, diante da importância do crescimento seria difícil dar ênfase a outras políticas econômicas. O efeito extraordinário do crescimento econômico, no entanto, não pode obscurecer questões importantes para medir o seu efetivo benefício para o conjunto da sociedade.

A constatação de que o impacto do crescimento econômico sobre o bem-estar da população é decisivo leva imediatamente à pergunta (particularmente importante para os países com muitas pessoas pobres, como é o caso do Brasil): como distribuir esta riqueza de forma eficiente? Entre os fatores determinantes para a melhor utilização dos recursos disponíveis estão o papel do Estado como um ente preparado para a prestação de serviços sociais, os investimentos em infra-estrutura e a elevação dos salários.

Conceito de valorização do trabalho

No fundo, esse é o debate que realmente interessa. Economias do tamanho da brasileira não costumam crescer a taxas acima de 5% ao ano. Mas o Brasil não só precisa dessa taxa como precisa que ela seja contínua — conceito que alguns chamam de “crescimento sustentável”. Para reduzir a pobreza, elevando a renda per capita, estudos mostram que o PIB precisa crescer entre 5% e 6% ao ano apenas para incorporar a mão-de-obra que está entrando anualmente no mercado de trabalho — além de absorver parte dos desempregados.

É aí que entra a importância do conceito de valorização do trabalho para o desenvolvimento nacional. Crescimento não é igual a desenvolvimento. Entre o final dos anos 60 e o início da década de 80, o Brasil cresceu a taxas anuais superiores a 8%. Nem por isso as desigualdades de renda diminuíram na mesma proporção. A Finlândia não cresceu tanto, mas sua população de 5 milhões de habitantes tem uma renda per capita em torno de 20 mil dólares, segundo o Banco Mundial. Sob diversos parâmetros — expectativa de vida, taxa de mortalidade infantil, índices de escolaridade —, os finlandeses têm características de país muito mais desenvolvido que o Brasil.

Para crescer e desenvolver-se, um país precisa, antes de tudo, aumentar a sua produtividade. Isso é feito, basicamente, pela incorporação de máquinas mais modernas, pela qualificação da mão-de-obra e pela adoção de formas mais eficientes de produzir. E a riqueza produzida precisa ser melhor distribuída por meio de investimentos sociais e infra-estruturais, e da elevação da renda para quem vive de salários.

Exportações de produtos básicos

Recentemente, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) divulgou um cálculo ilustrativo. Se o crescimento da produtividade fosse igual a zero, as economias da região precisariam crescer a uma taxa anual de 2,1% até o ano 2015, apenas para evitar um aumento do desemprego. Se a produtividade crescesse no ritmo de 3,7% ao ano (média do período 1950/1973), então o PIB precisaria variar 5,8% ao ano. Como a produtividade brasileira vem crescendo em média 7% anuais, é claro que o crescimento do PIB precisa ser ainda maior, apenas para não criar mais desempregados.

E será que uma economia de R$ 2,6 trilhões pode se dar a esse luxo? É claro que tamanho faz diferença, mas é preciso aqui fazer uma outra constatação. Países desenvolvidos já possuem usinas de energia, estradas e outras infra-estruturas para atender a suas necessidades. Nesses casos, o crescimento tende a ser naturalmente mais lento. Mas no Brasil ainda há muito o que fazer. O país precisa, desesperadamente, de melhorias infra-estruturais. Ou seja: o Brasil não só pode como deve crescer acima de 5%.

A Cepal identificou que, ao menos no médio prazo, o crescimento da América Latina pode ser assegurado pelas altas dos preços internacionais das commodities. A região é dona de grandes reservas minerais. Na avaliação da Cepal, os países latino-americanos deveriam aproveitar o momento mais favorável para reforçar sua presença internacional e rever alguns modelos mais frágeis que ainda servem de sustentação econômica. Entre as prioridades estariam reduzir a dependência das exportações de produtos básicos.

Assédio institucionalizado

O pensamento progressista latino-americano há tempos discute os obstáculos impostos à industrialização do sub-continente. A Cepal foi a referência maior nesse debate, inaugurado pela reflexão inspiradora de Raúl Prebisch sobre os vínculos desiguais entre as economias centrais e as regiões periféricas, e a necessidade de maior coordenação entre os países da América Latina para superar óbices como a deterioração continuada dos termos de nosso intercâmbio com a Europa e os Estados Unidos.

Sabemos que no Brasil esse desafio não foi enfrentado. O país levou a cabo um extenso programa de substituição de importações, modernizou seu parque industrial, mas manteve largos segmentos inteiramente à margem do processo produtivo, sem acesso às benesses do crescimento. Com poucos governos de visão social, o Estado esteve por muito tempo ausente não apenas da tarefa de distribuir renda mas também da de habilitar toda a sociedade a participar da dinâmica produtiva.

A máquina pública expandiu-se, mas para contemplar interesses elitistas, sem atenção aos reclamos da maioria da população. Na “era neoliberal”, o assédio institucionalizado de setores privilegiados aos canais de decisão foi explícito. Acentuou-se o vício histórico do patrimonialismo, em que o público se vê refém do privado.

Essa situação começou a mudar com o governo Lula. Com o avanço da cidadania, a sociedade também avançou. Multiplicaram-se as instâncias de representação. Os movimentos populares abriram espaços cada vez mais amplos para o debate público, atuando como uma verdadeira ágora desses novos tempos.

Estado do mal-estar social

Mas o Estado ainda precisa ser mais bem cobrado no desempenho de suas tarefas. Os nichos historicamente privilegiados devem estar sob o crivo de segmentos sociais mais vigilantes para impor limites à privatização do Erário. O governo federal tem feito esforços para democratizar o Estado, para que ele se torne mais transparente e responsável.

Iniciou a concertação do poder público com os movimentos sociais. A descentralização administrativa e orçamentária também concorreu para aproximar a população do gestor público. No entanto, o governo precisa acelerar a recuperação da capacidade do Estado cumprir seu papel. Ou melhor: o Estado precisa se credenciar para cumprir finalmente a meta de universalização dos serviços públicos.

Pode-se dizer que estamos passando de um Estado do mal-estar social para a possibilidade de se ter um Estado virtuoso, que assegure a todos os brasileiros condições satisfatórias de vida. Mas o ritmo ainda é lento. Ainda temos uma política monetária indomada e uma condução tímida das diversas políticas públicas — condições que implicam em temor sobre a longevidade e eficiência do crescimento do PIB.

– Mídia e crise dos cartões: o papel-chave do movimento social

No mundo da mídia brasileira — ao contrário do jogo do bicho em que vale mesmo o que está escrito —, não vale nem o que está escrito e nem o que é falado. Nada mais arriscado do que tomar ao pé da letra o que se ouve e se lê nas principais manchetes.

Na maioria das nações com um grau razoável de civilização, faz parte das regras do jogo acreditar no que a mídia diz. Não no Brasil, e menos ainda no Brasil de hoje. Antes de prosseguir, é preciso definir o conceito de mídia. Parece razoável pensá-la, resumidamente, como o espectro de informações que circulam nos veículos de comunicação majoritários de um país e a sua reprodução como senso comum. É a chamada ”grande imprensa”. Analisar a postura da mídia brasileira em relação ao governo Lula tendo como pano de fundo esta definição é ter a certeza de que algo muito grave está ocorrendo.

O exame clínico do passado recente desta relação revela que se existe algo que o Brasil tem de sobra — como petróleo, minério de ferro e água — são previsões tétricas. Vale tudo para tentar transformar um governo com alguma identificação com o povo, e que aparece razoavelmente bem na foto, numa administração de segunda classe. Talvez a mídia não tenha tempo ou capacidade para cometer todos os desatinos que pretende, mas com certeza está empenhada em aproveitar ao máximo todas as oportunidades que aparecerem pela frente para vituperar contra o governo Lula.

Encontro do estardalhaço com a inutilidade

O problema é que a tendência humana é a de acreditar muito mais no que se vê do que no que se lê — ou se ouve. Daí a repetição e a renovação da roupagem das “denúncias” numa velocidade estonteante. Para encobrir a realidade, quanto mais manchetes funéreas, melhor. A idéia da mídia é fazer com que, como no jogo do bicho, se está escrito deve valer — e assim vai se dando como verdade qualquer coisa que apareça contra o governo. Pouco importa se o dito tem ou não tem nexo. Desde que indique a existência de uma calamidade extrema, a coisa em questão passa a ser repetida, vai se alimentando da própria repetição e acaba por se transformar em verdade mais ou menos oficial.

O caso da corrupção é um dos clássicos do gênero. Em matéria de bobagem em estado puro, é o que há. As denúncias que vieram à tona nos últimos tempos deram ensejo a debates acalorados, como é legítimo e saudável que aconteça. Mas esse calor não nos exime da tarefa de analisá-las com certa frieza, numa perspectiva temporal mais ampla, como um capítulo da história que estamos tentando construir no Brasil. São denúncias que nunca dão em nada. Não é o caso de chegar ao extremo de encampar a afirmação cínica de que ”tudo sempre acaba em pizza”, mas é importante registrar que elas não prosperam por falta de qualidade.

Não deveria ser assim. Se há denúncias, é preciso investigá-las com rigor e lupa de precisão. Isso é bem diferente deste encontro do estardalhaço com a inutilidade que vira e mexe aparece na mídia. O fato é que os escândalos que se vão sucedendo parecem produzir efeitos cada vez menores no que se refere à mobilização cívica e ao aperfeiçoamento institucional. Quais seriam as causas desse declínio — se é que é de fato uma tendência? A questão é complexa — e mais ainda quando se tem em vista o que está por trás desta inusitada sucessão de acusações que vimos nos últimos tempos.

Festival de besteira que assola o país

Na virada do ano, já havíamos tido os casos da falsa epidemia de febre amarela (foi, na verdade, uma epidemia de febre marron) e do infundado falatório sobre o “apagão elétrico”. Agora, com o caso dos cartões corporativos, o frêmito acusatório volta às temperaturas dos tempos das CPIs do fim do mundo, criadas para “apurar” o “mensalão” — uma patifiaria que já entrou para o folclore como símbolo da vigarice que norteia a mídia brasileira. O fato, entretanto, é que nenhum desses episódios teve desfecho explosivo. Ao contrário: a impressão que se tem é que o teor radioativo da série se reduz à medida que as denúncias se multiplicam.

Minha hipótese é que esse festival de besteira que assola o país perde cada vez mais credibilidade em decorrência da falta de seriedade, de responsabilidade e de compromisso público por parte da mídia. Um exemplo evidente disso é a o grau de repercussão das denúncias sobre os cartões federais e paulistas. De nariz torto, a mídia foi obrigada a registrar práticas semelhantes e justificativas idênticas — sem se dar ao trabalho de verificar se há ou não fundamento nas denúncias sobre os dois casos. O episódio paulista foi uma espécie de contragolpe certeiro na mais recente marola contra o governo Lula.

Para que uma denúncia se transforme em indignação social viva e pública, ela precisa de um ingrediente básico: credibilidade. Quando a denúncia não se sustenta, um ou outro cidadão pode até ter os seus motivos de indignação, mas abstém-se de comunicá-los a outras pessoas — e, mais ainda, de participar em demonstrações coletivas. Na verdade, as causas principais do esmaecimento das reações sociais diante de tantas denúncias são a própria consolidação do governo Lula e a sensação de melhora que o país passou a desfrutar nos últimos cinco anos.

“Ética na política” é carregada de subjetividade

Ultrapassado o momento mais agudo da transição do regime abertamente neoliberal ao de maior atenção ao papel do Estado, observa-se uma redução da carga dramática da política em todos os seus aspectos — inclusive no tocante a denúncias de irregularidades. Movidos por objetivos politiqueiros ou por interesses próprios, o fato é que os protagonistas do regime neoliberal — a mídia no fundo é o comitê central dessa gente — passaram a investir muito nessas sucessivas cruzadas de purificação moral, tentando dizer que elas, por si só, podem solucionar os problemas do país.

Essa é uma visão golpista. O recurso demasiado freqüente a tais cruzadas tem o perverso efeito de desvalorizar a própria cruzada como instrumento cívico e político. Se tudo é escândalo, nada mais é escândalo. Aí aparecem os redentores, como apareceram em 1964. Não se está aqui dizendo que o país pode se deparar com algo semelhante amanhã ou depois. Está se dizendo que é bom não perder de vista as eleições de 2010, que têm seu prelúdio em 2008 com as eleições municipais.

O falso combate à corrupção tem sido uma arma recorrente dessa gente. A questão é que a tão falada “ética na política” é carregada de subjetividade. E por isso se transformou em munição para quem faz a luta política de forma desonesta. Em qualquer Estado administrado pelo modelo de democracia em que vivemos existe uma enorme zona cinzenta entre o que é claramente legal e o que é claramente ilegal. É essa zona cinzenta que abre espaço tanto para a corrupção quanto para denúncias infundadas de supostos desvios éticos que ganham imediata repercussão na mídia quando o governo não é do seu agrado.

Diferenças significativas na forma de governar

É neste ponto que reside a atual crise política. Na verdade, as engrenagens do poder político num Estado como o nosso não são visíveis a olho nu. Mas o Brasil de hoje tem organizações que controlam a administração pública de forma razoavelmente eficiente, como a Controladoria Geral da União (CGU) e mesmo o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Conselho de Ética (que atua com base num código de conduta para a alta burocracia federal) — além do Portal da Transparência. No governo Lula, não se tem notícias de autoridades visitando bancos ou consultorias privadas antes de tomar decisões, como foi comum na “era FHC”.

Em suma: há diferenças significativas na forma de governar o país. O governo Lula merece duras críticas — principalmente no tocante à condução da economia de forma conservadora. Mas a julgar pelas mudanças que vêm ocorrendo no Brasil desde 2002, é obrigatória a constatação de que o presidente tem aquele senso de colocação que distingue os bons atacantes do futebol. Ele pôde avançar com os programas sociais porque nunca avançou sem respaldo, na base da improvisação ou da aventura. Acertou na mosca quando conferiu prioridade total ao combate à miséria ao ver que esse era o pai de todos os problemas.

Ou seja: era a condição para a solução de outros problemas, inclusive para reverter aquele plano inclinado de ingovernabilidade para onde o país ia se encaminhando quando FHC deixou o Palácio do Planalto. Em termos de poder político, as jogadas necessariamente teriam de passar por aí. Lula chegou ao Rubicão da candidatura eleitoralmente viável e, na outra margem, à planície por vezes incerta da Presidência da República com esta bandeira no ombro. Nesta situação em que denúncias ameaçam detonar o governo a cada 15 minutos, é preciso falar disso mesmo: redução das desigualdades sociais.

Poder temporariamente encarnado em Lula

Lula escolheu uma colocação que não o deixa a descoberto, escudando-se numa aliança política que sabemos ser precária mas sem a qual obviamente não teria chegado a lugar nenhum. Manejando-a com habilidade, paciência de Jó e até um pouco de sorte, vai levando: só tenta o passo adiante quando se sente escorado pelo avanço anterior. A formação sindical e as credenciais pessoais do presidente ajudam muito, é claro, mas não explicam tudo.

O governo Lula optou pelo exercício do poder político cimentado por ingredientes como transigência, negociação, composição de interesses e o estímulo à cooperação. A sua principal vitória não foi propriamente a reeleição em 2006 — obviamente contra a vontade da mídia e de outros menos votados. Nem tampouco a condução da economia, visto que, nessa área, o seu desempenho é modesto — para não dizer pífio —, um aspecto que se não compromete o governo causa um razoável estrago pela opção abertamente contrária aos interesses dos setores da sociedade que mais o apóia.

A maior vitória do governo Lula é a capacidade de resistir ao desgaste e de continuar persuadindo a maioria da sociedade de que ela precisa desse poder que se vem formando no país. Poder que está temporariamente encarnado em Lula, mas que não é uma realidade individual: não pertence a ele nem se explica somente em função dele. Não é poder individual, e sim agregado, ou coletivo. Poder agregado de um país que vai aos poucos recuperando a capacidade de o Estado trabalhar de maneira mais eficiente.

Máquina midiática com cheiro de queimado

Chega-se a um ponto decisivo da questão: a crise, se a CPI destinada a investigar os cartões corporativos for mesmo criada, tende a se transferir para o Congresso Nacional — que até agora não se engajou seriamente nas propostas de reformas progressistas devido à sua notória lentidão, à sua proverbial fragmentação e às picuinhas de que muitas vezes se ocupa. É uma hábil decisão do governo a de levar o debate para uma arena em que a pressão popular surte efeito.

Estamos entrando numa fase em que a direita tenta reerguer a sua agenda e cabe aos setores populares impedir que isso aconteça. Em outras palavras: não é papel do presidente da República dar resposta agudas aos ataques da mídia. O movimento social precisa entrar em campo para que o jogo não seja desigual no Congresso Nacional — onde sabemos que o outro lado joga com o velho hábito de mentir.

A máquina midiática já vem andando há um bom tempo com cheiro de queimado — basta lembrar as agressões à política externa do governo Lula, ao avanço da recomposição do Estado e às políticas sociais. O presidente, com o apoio de seus aliados — principalmente o movimento social —, demonstrou, mais de uma vez e diante de questões críticas, que é perfeitamente capaz de ignorar as pressões da mídia e optar pela decisão que julga ser a mais responsável. O caso dos cartões corporativos é mais um clássico do gênero.

– A unidade do sindicalismo brasileiro tem futuro?

Eis o que está em jogo no movimento sindical: uma oportunidade única para a unidade efetiva dos trabalhadores. Mas o ”esquerdismo” e o cutismo podem ser obstáculos poderosos a esta unidade.

Há uma equação que não fecha: no começo do ano passado, um informe da Organização Regional Interamericana de Trabalhadores (Orit) anunciou que o sindicalismo das américas daria um importante passo rumo ao seu fortalecimento porque seria formada uma nova central sindical do continente. ”Esse processo, que vem se desenvolvendo desde 2001, representa também um avanço regional do processo de unidade mundial, concretizado em novembro do ano passado quando foi criada a Confederação Sindical Internacional (CSI)”, dizia o texto. Ao mesmo tempo, as articulações excluíam setores importantes do movimento sindical — que começam a se articular em torno da Federação Sindical Mundial (FSM).

A questão é saber que efeito esta divisão terá no sindicalismo brasileiro. Tem sido fácil, nos últimos tempos, quebrar a unidade sindical em nome de concepções exclusivistas. O exemplo mais evidente disso é a forma como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) surgiu, em 1983, fundada por um grupo de sindicalistas ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT). O episódio representou a consolidação de uma lamentável divisão no movimento sindical. Em um discurso aos principais líderes sindicais do país em 2002, o então senador eleito Aloizio Mercadante (PT-SP) lembrou que na Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), realizada em 1981, ”os sindicatos entraram unidos e saíram divididos”.

Imaginação infantil do sectarismo doutrinário

Mais tarde, um ilustre representante petista, o intelectual Florestan Fernandes, falando sobre a importância da unidade da esquerda na eleição para a Assembléia Nacional Constituinte de 1988 condenou energicamente a estreiteza política. ”A esquerda devora a esquerda; ela não parte de um equacionamento objetivo das tarefas políticas das classes trabalhadoras da cidade e do campo, no momento atual, mas de fantasmas que rondam a imaginação infantil do sectarismo doutrinário”, disse ele. É óbvio que para falar em esquerda e direita quando se trata do movimento sindical de hoje em dia é preciso tomar alguns cuidados.

Há pelo menos duas vertentes significativas que reivindicam o rótulo de ”esquerda” e que, de uma forma ou de outra, reproduzem certos ”fantasmas que rondam a imaginação infantil do sectarismo doutrinário”. A primeira é a própria CUT. É comum ouvir hoje dirigentes daquela central dizer que o ”novo sindicalismo” que motivou a divisão do movimento sindical na Conclat ainda é a referência cutista. Dizem que a CUT nasceu como uma central de trabalhadores, não de sindicatos. E que a central se diferenciou porque combateu as articulações entre sindicatos, as negociações de cúpula tentadas por um ou outro dirigente sindical de boa vontade. Tais manifestações são comuns, por exemplo, quando o assunto é a organização e a sustentação financeira dos sindicatos.

A outra vertente é a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), de coloração trotskista. Para esta vertente, neste momento a unidade da classe trabalhadora só é possível com a luta implacável contra os ”colaboracionistas”. O termo põe num saco de gatos todas as tendências sindicais que não compartilham de sua opinião, mas o alvo, por ter as mesmas raízes, é a CUT. Exemplo disso é um artigo de José Maria de Almeida, um dos artífices da Conlutas, publicado pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 16 de novembro de 2007, no qual ele escreve que, diferentemente da CUT, ”que traiu seus princípios de fundação”, a Conlutas não aceitará os recursos oriundos do imposto sindical.

Forma definida a um anseio difuso

Não há uma vertente sindical que se reivindica de ”direita”, mas muitas passam longe do que se convencionou chamar de esquerda. Algumas, no passado recente apoiaram abertamente o neoliberalismo. A questão é: como unir todas estas vertentes em torno de uma plataforma comum? O processo de união, no sentido mais amplo, com o funcionamento do fórum das centrais está ultrapassando o obstáculo mais difícil: a barreira ideológica. Este é um passo importante, mas o difícil mesmo é formar a vontade política necessária para deflagrar e sustentar um processo de unidade desse porte.

Este é um aspecto decisivo e nem sempre lembrado. O fórum das centrais pode dar forma definida a um anseio difuso que vem ganhando corpo entre os trabalhadores. A distância política entre as centrais mais fortes tenderá a se reduzir, como já começou a ocorrer. Mesmos os cutistas tendem a aceitar com menos constrangimento esta unidade — sob pena de ficarem falando sozinhos, não percebendo o tamanho das mudanças que estão sendo gestadas sob os nossos olhos. E qual será, afinal, a cara desse novo sindicalismo? Imaginar que teremos superado todas as seqüelas do sectarismo doutrinário e do conservadorismo é patente exagero.

Pregações verbosas, empoladas, difusas

Mas é razoável supor que atingimos um patamar irreversível rumo a um movimento sindical mais arejado e mais combativo. Politicamente, já temos entre as principais organizações sindicais uma relação democrática robusta, com diálogo fluente entre as correntes políticas. O desafio agora é alçar esta organização a um novo patamar. O oxigênio da concórdia informal é sempre importante, mas só ele não é suficiente. Uma nova Conclat deve criar uma amálgama que dê firmeza a essa unidade. A dificuldade maior será com a tendência infantil, que acha que os problemas não estarão resolvidos enquanto não houver uma organização sindical pura — um sindicalismo predominantemente de ”esquerda”.

O ”esquerdismo” sempre achou que o capitalismo usurpa inexoravelmente as entidades sindicais que não fecham todas as portas e janelas para impedir que o capital malvado tome conta de suas organizações. São os ”fantasmas que rondam a imaginação infantil do sectarismo doutrinário” ditos por Florestan Fernandes. Suas pregações verbosas, empoladas, difusas, idealistas e repletas de declarações de princípios no fundo são completamente vazias de senso prático e nem de longe tocam nos problemas fundamentais da classe trabalhadora. São tendências especialistas em velhos chavões e velhíssimas fórmulas tonitruantes, tudo vago, impreciso e superficial.

Interesses de classe dos trabalhadores

Para unificar-se como é necessário, as organizações sindicais terão de assentar suas bases no interesse comum dos trabalhadores — que é a questão econômica. Politizar a luta sindical não quer dizer deixar de lado o critério de que acima das opiniões políticas e ideológicas, das opções religiosas ou pessoais, estão os interesses econômicos fundamentais, que são comuns a todos os trabalhadores. Um trabalhador, por mais distância que mantenha das questões políticas e ideológicas, compreende perfeitamente a identidade de interesses que o liga aos demais integrantes de sua classe social. Isto é fácil de demonstrar, de compreender e de sentir porque a própria realidade das relações de trabalho se encarrega de mostrar as causas fundamentais das desigualdades sociais.

A unidade do movimento sindical, portanto, só será verdadeira se estiver assentada no terreno comum dos interesses de classe dos trabalhadores. Somente esta sólida unidade pode enfrentar o bloco patronal, que até se fraciona em matéria de política, de religião ou de qualquer outra coisa, mas quando se trata de defender seus interesses se coesiona de forma compacta, homogênea. Para defender seus interesses, o patronato esquece suas divergências e une-se na defesa solidária de seus projetos, que são comuns frente aos projetos da classe trabalhadora. Enfim: a política do divisionismo no fundo é traição.

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Líderes e chefes

Domingo, 31 de julho de 2005. Jogavam Santos e Corinthians. Era um jogo marcado pela fraudulenta arbitragem daquele campeonato brasileiro para o Corinthians ganhar. Mas o Santos tinha Giovanni, o Messias (apelido carinhoso que ganhou da torcida), que simplesmente atuou como Pelé. Resultado: mesmo sendo um jogo marcado para dar a vitória ao Corinthians, o time da Vila Belmiro venceu por 4 a 2. Quando o jogo terminou, a torcida ainda rasgava a garganta com um grito que revelava a importância daquele jogador para o time. Giovanni marchou para o meio do campo com seu trote característico e um sorriso no rosto. No centro do gramado, socou o ar. A torcida explodiu.

Durante toda a partida, Giovanni fez sentir em campo sua presença e sua experiência. Funcionou como a cola que mantém as peças juntas, energizou o espírito do grupo. Ajudou a organizar o time no gramado, combateu ferozmente o adversário e também a displicência e os erros de seu time. Em suma: sua participação, como um líder inspirado e que inspira, foi fundamental para que o Santos enveredasse pelo caminho do êxito naquele jogo fatídico. A pergunta que fica é: que substância fez de Giovanni um líder com o poder de conduzir seu time à vitória? A capacidade de ser líder.

Líder precisa saber ouvir

Dunga é outro jogador que também ficou conhecido por sua liderança em campo. Só que um tipo diferente de liderança. Em um comercial que fez para uma linha de picapes, a GM anunciava que Dunga era ”respeitado por sua força” e ”temido por sua liderança”. Giovanni era o oposto de Dunga. A diferença está no modo como se concebe a liderança. Líderes não são temidos — são respeitados. E o respeito de que gozam não é angariado através do exercício da força ou do medo. Até porque as pessoas nutrem ojeriza, e não respeito, por aquilo que temem, por aquilo que lhes é enfiado goela abaixo.

Há líderes e chefes. O chefe para gerir lança mão da coerção, do uso da hierarquia como lâmina. O chefe impõe-se pela chibata exatamente porque não é líder. Abrir mão do individualismo monárquico é uma condição indispensável para o líder ter a capacidade de mediar suas próprias opiniões e intuições com o ponto de vista das outras pessoas. Dito de outra forma: o líder precisa saber ouvir. Muitas vezes, precisa mais escutar do que falar. Além de ouvir, o líder precisa também — óbvio — dominar a arte de dizer as coisas certas na hora certa. Precisa ter a capacidade de convencer, de gerar consenso. O chefe trabalha com um monte de burocratas — ou burrocratas — ditando regras e espalhando suas bílis.

Chefes são caudilhos toscos

Em outras palavras: se o papel e o microfone aceitam qualquer bravata dos chefes, o mesmo não acontece com a realidade. Chefes são caudilhos toscos. Sua capacidade de diagnosticar corretamente os problemas e fazer, com eficiência e justeza, o que deve ser feito é praticamente zero. O líder cria sistemas, que nada mais são do que uma série de ações que, pela eficiência que proporcionam, acabam se tornando padrão pelo período de tempo de uma determinada conjuntura.

O líder Luis Inácio Lula da Silva tem demonstrado destreza para conduzir o país em meio a sucessão de crises criadas pela mídia a serviço do setor UDN-DEM-tucano da sociedade brasileira. Lula vem se revelando um leão na arena política, mas a direita ataca atiçando o preconceito social e utilizando a pecha de um presidente fraco. No fundo, os direitistas querem um chefe. O uso do cachimbo entorta a boca, diz o povo. A direita brasileira nunca tibubeou: sempre que a democracia alargou o seu espectro ela recorreu ao autoritarismo. E sempre o fez em nome da ”democracia”. Os apelos ao autoritarismo, com a mesma retórica, estão de volta.

– Para onde vai o sindicalismo brasileiro?

A unidade dos trabalhadores sempre foi uma bandeira tida como definidora dos rumos que a dinâmica social assume em cada momento histórico. Agora, com a fundação da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), este tema volta a freqüentar com

George Wilhelm Friedrich Hegel certa vez disse com ironia que só os inteiramente ignorantes raciocinam de modo abstrato. Ultrapassar esta categoria de raciocínio é um desafio que persiste em pleno século XXI. E o movimento sindical talvez seja o setor da sociedade que mais precisa debater este tema. Isso porque a abordagem da realidade social não pode se dar sem uma formulação conceitual — isto é, sem uma teoria da vida social, com as suas categorias básicas, os seus pontos-de-vista, os seus princípios e processos metodológicos daí decorrentes. Mesmo o defensor mais empírico da luta social já parte para o trabalho com um estoque de conceitos e julgamentos — geralmente errados —, ainda que somente para justificar o seu empirismo.

O movimento sindical é um terreno fértil para o empirismo. O problema é que o empirismo leva ao pragmatismo. E o pragmatismo gera o caudilhismo, o mandonismo. Em lugar da atitude positiva, de enfrentamento dos problemas e da garimpagem de soluções, apareceram o autoritarismo e a procrastinação. Essa condição exalta os valores da competitividade, do individualismo e da concorrência entre os próprios trabalhadores. É um instrumento para se pisar em cabeças, não assumir falhas e jogar erros nas costas de quem está em posição mais frágil. Enfim: são valores opostos às concepções classistas e se contrapõem à solidariedade, à coletividade e à perspectiva transformadora da sociedade.

Contribuição efetiva das bases

O pragmatismo apenas se aproxima da solução dos problemas, sem atingi-los. Fica a meio caminho. Não serve sequer à unidade efetiva do movimento sindical. Um pragmático vai defender a unidade em torno de quê? Para qual objetivo? Um pragmático pode até defender a necessidade de instrumentos teóricos para o estudo da realidade social. Mas se atém à subordinação da luta a sistemas apriorísticos ou à fixação das categorias teóricas em moldes imutáveis. O conhecimento atinge essências sempre mais profundas e exige a constante incorporação de novas categorias. A meta estratégica é a mudança da estrutura social.

Se recorrermos à história da ciência social no Brasil, veremos que foram grandes os esforços para transformar a estrutura de classes existente em nosso país. Esforços guiados pelas idéias de superação das contradições sociais — o que significa luta pelo poder. O sindicalismo classista, portanto, precisa sempre ascender a planos teóricos mais elevados, onde se possa pôr constantemente em xeque a estrutura da sociedade. Não serve, para este pensamento, um aparelho conceitual de tipo imediatista, que resulta, no fim das contas, em mais fragmentação da vida social ao focalizar isoladamente aspectos de curto alcance. A unidade só serve de fato aos trabalhadores se for fundada na compreensão das categorias e princípios metodológicos para o conhecimento da vida social.

A questão é aprender a manejar este instrumental na análise concreta da realidade concreta e assim criar as condições para a formulação de propostas factíveis. Aqui está a chave para a disputa típica entre capital e trabalho no Brasil de hoje. Nesta disputa, é necessário abrir espaços para a participação dos trabalhadores de maneira efetiva, não apenas retórica. A realidade brasileira exige das organizações sindicais uma nova postura, que incorpore a contribuição das bases, que estimule o debate franco — fazendo críticas responsáveis e autocríticas sinceras.

Conteúdo e forma da dinâmica social

Essas organizações, em sua maioria, ainda são verticalizadas — concentram as decisões nas cúpulas e desestimulam a colaboração das bases. Em muitos casos, suas ações não sensibilizam o conjunto dos trabalhadores e inibem a formação do pensamento coletivo, gerando um ambiente de indiferença e uma cultura de comportamentos pragmáticos e de performances recolhidas. Um sindicalismo que enfrente este desafio deve ter sempre presente a determinação de romper o círculo do pragmatismo e do corporativismo.

Vivemos ainda a época dos impérios e do expansionismo, de relações entre países baseadas numa lógica metrópole-colônia, de guerras por mercados. O Brasil, ao assentar a dinâmica da sua economia no mercado financeiro internacional, se transformou numa das mais evidentes vítimas deste desbalanceamento de forças — que encrenca a vida de muitos para beneficiar a de poucos. A solução deste problema passa mais pelo conteúdo do que pela forma da dinâmica social.

Revolução burguesa sem o proletariado

O fato de a teoria fundamental das forças que expressam a luta por mudanças estruturais em nossa sociedade ter sido duramente atingida pelo turbilhão pós-Muro de Berlim não é algo inexplicável. Essa derrota em larga escala decorre fundamentalmente das deficiências no plano teórico. Portanto, só a reanimação teórica e prática do movimento transformador pode dar um sentido real de mudanças para a nova correlação de forças políticas e sociais que vai se formando no país. E nela não cabem caudilhismo, sectarismo doutrinário e estreiteza política.

Em grande medida, nosso atraso econômico e social se deve ao fato de a maioria dos governos da República ter excluído os trabalhadores de seus projetos. Mesmo no período em que o país deu um passo importante para o seu desenvolvimento, depois da revolução de 1930, o governo tentou realizar a ”revolução burguesa sem o proletariado” — segundo Nelson Werneck Sodré. O pano de fundo do problema tem coloração liberal. E um dos pré-requisitos para esse modelo é o de garantir força de trabalho barata — incluindo nesse conceito, além do achatamento salarial, o enfraquecimento dos sindicatos e a ”flexibilização” das leis trabalhistas.

Consolidar a mudança de rumo

O primeiro passo para que os trabalhadores façam com que os ventos soprem a favor de novos rumos é, sem dúvida, se organizar. Só assim haverá força suficiente para uma pressão por mudanças. Os trabalhadores, hoje, mais do que nunca, precisam desenvolver estudos de primeira, argumentos sólidos e linhas de raciocínio claras. Não há, portanto, por que não insistir na elaboração de uma ampla e unitária atuação do movimento sindical.

É enorme a responsabilidade do movimento sindical classista neste momento. Isolar e combater o conservadorismo é uma ação que requer arte e engenhosidade. A extensão que a crise social adquiriu está transformando a luta pelo poder no Brasil em impasses políticos. Esse quadro requer alternativas realistas, uma unidade capaz de mobilizar a esperança que levará o país a consolidar a mudança de rumo. Em política, mudança implica numa busca pela hegemonia no processo de governar.

Desprendimento e disciplina política

Mas a mobilização popular em torno de um grande projeto como este, num processo de prazo longo, só pode se desenvolver num ambiente de unidade verdadeira. Por isso, o debate sobre essa questão é tão premente. Qualquer proposta de solução da crise fora desse ambiente seria aventureirismo inconsequente. É, sem dúvida, uma engenharia de grande envergadura, que exige flexibilidade tática para fazer os objetivos encadear sempre na perspectiva da solução que preconizamos, acompanhando a vida e suas nuances.

Não se está aqui defendendo um clube em que imperam discussões e debates intermináveis. Está se dizendo que devemos buscar, já, um patamar mínimo de unidade de ação de forma sólida — não apenas retórica. Não atingiremos esse patamar com comportamentos imediatistas, corporativistas e economicistas. Para enfrentar essas contradições com eficiência, a realidade exige desprendimento, serenidade e uma boa dose de disciplina política. Fora disso, a unidade não passa de papo furado.

– Blogueiros e colunistas progressistas: uni-vos.

Aparentemente há uma apatia das forças progressistas na atual fase da disputa ideológica que se trava na Internet brasileira. O pensamento direitista, reacionário e preconceituoso, ao parece, nada de braçadas. Por que isto acontece? Qual a causa deste

As relações entre o governo Lula e a mídia estão em seu pior momento. Blogs, colunas, editoriais e peças pretensamente humoristas propagam pela Internet uma onda conservadora que chama a atenção e faz pensar. Tudo começou depois da criação de movimentos de direita, como o ”Cansei”, que abrigam integrantes das zonas da sociedade que estão localizadas nos extratos mais altos da pirâmide social. Antes, havia a histeria da denunciamania que cavalgava o “mensalão”; agora, assume a pauta a propaganda ideológica fundada no rancor político, no ódio de classes e no reacionarismo.

Os mandantes da mídia sequer são capazes de admitir a idéia de que as pessoas que não seguem seu figurino ideológico não são necessariamente “petistas”. Basta ser democrata e progressista para ser enquadrado nesta categoria. O epíteto passou a ser sinônimo de xingamento. O ser “petista” é alguém que não pensa, que está na contramão dos fatos. A explicação mais plausível para isso são os acontecimentos progressistas na América Latina e a aproximação das eleições de 2008 e de 2010. A mídia está servindo, como diz uma recente nota da Executiva Nacional do PT, de ”instrumento e estado-maior” para a ofensiva direitista.

Progresso social e avanço democrático

Para a mídia, as melhorias que vira e mexe ela mesma é obrigada a noticiar não contam. São dados que aparecem distorcidos ou camuflados pelo catastrofismo. Não há indícios de avanços na distribuição de renda — como não há ações efetivas para a retomada de iniciativas que visam a reconstrução da infra-estrutura do país. Tudo é fruto de uma ilusão construída pelos “petistas”, que aproveitam eventuais resultados positivos alicerçados no passado para criar a impressão de que existe progresso social e avanço democrático.

Os objetivos dos “petistas” seriam os piores, e a prova disso estaria no acobertamento do “mensalão”. “Não é por nada não, mas este país está um caos, c-a-o-s. O Senado livrou a cara de Renan Calheiros, e eu gostaria de saber de alguma coisa, qualquer uma, da responsabilidade do governo, que funcione bem. Só uma, e eu já fico feliz (a estabilidade monetária não vale, esta Lula já encontrou prontinha)”, escreveu a colunista Danuza Leão no jornal Folha de S. Paulo no dia 9 de dezembro passado. O progresso que todo mundo vê com os próprios olhos não existe, segundo nos garante a sábia colunista.

Cenário de guerra e golpe de Estado

Está claro que os pontos de vista, as análises e o noticiário de diversos órgãos de imprensa que não pertencem ao monopólio midiático brasileiro compõem um quadro muito ruim para a direita. Também é verdade que o governo cometeu erros factuais, embora tenha acertado muito mais vezes do que errou. Pode-se até concordar, enfim, quando a mídia diz que o governo não é do seu agrado. Mas onde está escrito que deveria ser?

É essa, justamente, a idéia que tantas pessoas de peso na mídia e a seu redor não conseguem aceitar. Na sua visão, o governo não teria o direito de contrariá-la porque ela é a nata da democracia. Esta posição serve, em primeiro lugar, ao propósito muito útil de fornecer uma desculpa a membros da direita que defendem a “liberdade de imprensa”. Em segundo lugar, comprova a alergia da mídia à liberdade de expressão — valor que toleram por não terem força para suprimir. ”A grande mídia foi montando primeiro um cenário de guerra e, depois, de golpe de Estado”, afirma a filósofa Marilena Chauí.

Uma síntese da infâmia na Folha de S. Paulo

Uma síntese de toda essa infâmia é a coluna de um tal Marcelo Otávio Dantas na seção “Tendências e Debates” do jornal Folha de S. Paulo, edição do dia 23 de dezembro. Sob o pomposo título de escritor, roteirista, diplomata de carreira e chefe da Divisão de Assuntos Multilaterais Culturais do Ministério das Relações Exteriores, além de, aos 43 anos, ser formado em ciências econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele se contorce para ligar uma fábula religiosa antiga ao “mensalão”.

Dantas ataca sem escrúpulos. “Marilena Chaui revelou ao mundo a teleologia da corrupção; Paulo Betti defendeu o caráter soteriológico do pecado; e o solerte Wagner Tiso abriu mão de seu coração de estudante para encavalar o espírito pragmático de Jacob Frank”, disse ele. “O pacto com o fisiologismo e a conversão à ortodoxia econômica passaram a ser tratados como pecados santos — alianças temporárias do messias apóstata com o dragão burguês destinadas a acelerar o tempo histórico e facilitar o advento da era escatológica”, escreve. “Hoje, os petistas aceitam tudo. Menos que alguém ouse pensar por conta própria”, finaliza.

Um campanha contra o parlamento

Por trás de tudo isso, há um jogo perigoso. Em entrevista à torpe revista Veja desta semana, o historiador José Murilo de Carvalho diz que existe uma “armadilha” no Brasil. “Os escândalos políticos não colaram no presidente porque ele é um distribuidor de benefícios. No atual mandato, a instituição que mais se desmoralizou foi o Congresso. Se você tem uma economia melhorando, um presidente com apoio popular e um Congresso desmoralizado, qual o resultado? A América Latina está nos mostrando o risco. Isto tem a ver com a discussão sobre o terceiro mandato”, disse ele.

Logo, seria premente a necessidade de enfraquecer o executivo para evitar qualquer tentação “autoritária”. O fato é que há uma campanha nacional contra o parlamento. Segundo a mesma revista, a juíza da 10ª Vara da Justiça Federal Maria de Fátima Costa disse, durante audiência do “mensalão”, ao deputado Paulo Rocha (PT-PA): “O senhor não vai bagunçar a minha audiência. Aqui não é a Câmara dos Deputados.” É o mesmo achincalhe ao parlamento que se vê em colunistas e blogueiros do estrato moral de gente como Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi e Cláudio Humberto. Ou seja: essas figuras desclassificadas servem de referência até para magistrados.

Separar as emoções das realidades

O Brasil conhece bem, e há muitos anos, a situação de ter dentro de si diversos países diferentes convivendo ao mesmo tempo. No presente momento, a diferença que mais chama a atenção é a existente entre o Brasil da calamidade e o Brasil do progresso. O primeiro, como dizem os mestres-de-cerimônia ao introduzir algum personagem que todo mundo conhece, dispensa apresentações: é o Brasil da elite em particular e da mídia, visível todo dia e a qualquer hora num noticiário político que cada vez mais se parece com os programas de palhaçadas.

O segundo Brasil é o país do trabalho, do mérito e do progresso — tão real, tão visível e tão vigoroso em suas virtudes quanto o primeiro é vigoroso em seus vícios. A questão mais relevante do momento, do ponto de vista prático, é determinar até onde o país da mídia pode piorar — e os fatos mostram que ele tem tudo para continuar piorando — sem que isso torne inviável o país do avanço. É muito fácil, diante da degeneração crescente da mídia, concluir que o filme já terminou e o bandido acabou ganhando.

Mais difícil, porque dá mais trabalho, é separar as emoções das realidades — e quando se faz essa tarefa com aplicação e cabeça fria o que começa a tomar forma é a possibilidade de que esteja ocorrendo exatamente o contrário. Sem dúvida, o Brasil arcaico dá provas diárias de que está mais vivo e atuante do que nunca. Mas, ao mesmo tempo, parece cada vez menos capaz de impedir os avanços do Brasil novo. Qual o caminho a seguir? Os fatos, mais que as propagandas ou os desejos, vão responder de um jeito ou de outro a essa pergunta.

A esquerda não pode se encolher

Como diria Lula, o que se pode dizer com certeza, hoje, como nunca antes na história deste país, é que encontram-se em operação forças positivas que jamais haviam se manifestado de forma simultânea. O problema é que isso faz aflorar o que há de pior na mentalidade da direita. Guardadas as diferenças, é algo parecido com o que acontece na Europa. A diferença é que lá a direita que defende o que a direita daqui defende ganha o rótulo de nazista por ser a favor do que ela chama de limpeza social: o extermínio dos seus pobres, os imigrantes. No Brasil, não é raro ouvir que ladrão bom é ladrão morto, especialmente se ele for pobre e preto.

A diferença é que na Europa o discurso é aberto e ainda causa arrepios. No Brasil, ele é velado e rende votos. É uma lástima que a direita no Brasil esteja mais preocupada em preservar a estrutura medieval de nossa sociedade do que em debater abertamente a situação do país. A esquerda não pode se encolher diante disso. Na Internet, predomina o ideário elitista. Precisamos de mais blogs, colunas e opiniões progressistas. É o futuro da nação que está em jogo. E ele pode começar a ser definido neste terreno da luta de idéias. Portanto, blogueiros e colunistas progressistas: uni-vos!