– John Reed: leitura obrigatória nestes tempos bicudos

Nestes tempos de crise econômica e moral, recomendo a leitura do meu professor de jornalismo, John Reed. Entre a sua rica e imperdível obra, destaco o livro “Eu vi um novo mundo nascer” – uma coletânea de artigos que relata acontecimentos sindicais e políticos.

O gênio de Reed desfila em narrativas de greves heróicas e massacres de operários nos Estados Unidos, guerras na Europa, revolução no México e de um emocionante julgamento da Industrial Workers of the World (Trabalhadores Industriais do Mundo – IWW), ocorrido na Corte Federal de Justiça de Chicago em 1918.

Reed abre este artigo com a seguinte citação de August Spies, um dos mártires da luta pela jornada de oito horas semanais de trabalho. “Estou aqui como representante de uma classe, e falo a vocês, representantes de outra classe. Minha defesa é a sua acusação, a causa do meu pretenso crime, sua história”, disse ele. Reed encerra afirmando: “A humildade dos trabalhadores é bonita, sua paciência é quase infinita e sua nobreza, milagrosa.” Em outra obra, ele afirmara que os autoritários confundem humildade com humilhação.

Quase trinta

Arquiteto de frases belíssimas, seus escritos são reconhecidos pela genialidade literária. Um contemporâneo seu, certa vez declarou: “É um pouco embaraçoso ter que admitir para um sujeito que você reconhece que ele é um gênio.” Além de gênio, já se disse que Reed foi herói. Num prefácio do seu livro “A filha da revolução”, o crítico Rogério de Campos escreveu: “Num dado momento, John Reed está preso com trabalhadores imigrantes grevistas, em outro está vivendo com uma milionária em Florença. Ora está cavalgando junto ao exército de Pancho Vila (…), ora está em uma festa em Paris com Gertrude Stein e Pablo Picasso. (…) Neste meio tempo, consegue fazer teatro com Eugene O’Neill, entrevistar Trótski, jogar em Monte Carlo e ser aplaudido por guerrilheiros numa de suas brilhantes exibições de bebedeira.”

Autor de obras-primas como “México Rebelde” e “Os dez dias que abalaram o mundo”, Reed foi ainda fundador do Partido Comunista dos Estados Unidos e membro da Terceira Internacional Comunista. No primeiro artigo da coletânea “Eu vi um novo mundo nascer”, intitulado “Quase trinta”, escrito em 1917 quando ele tinha 29 anos, afirma: “Sei que este é o fim de um período de minha vida, o fim da juventude. Às vezes me parece também o fim da juventude do mundo. Certamente a Grande Guerra mexeu com todos nós. Mas este é também o início de uma nova fase da vida, e o mundo em que vivemos está tão cheio de mudanças rápidas, cores e significados, que não posso deixar de imaginar esplêndidas e terríveis possibilidades da época que está por vir.”

Cinzas

Reed interpretou os acontecimentos do seu tempo como ninguém. Rogério de Campos diz: “John Reed aparece aqui como um elo entre Mark Twain, Jack London, Walt Whitmam.” Além disso, tinha uma comovente sensibilidade social. Certa vez, perguntaram sua opinião sobre as causas da Primeira Guerra Mundial. “Lucros”, respondeu, sintetizando uma gigantesca gama de fatores em uma palavra.

A passagem do livro “Os dez dias que abalaram o mundo” que relata o enterro dos operários que tombaram na luta pelo controle de Moscou é emocionante. “Ondas de povo e milhares de seres, com sofrimento gravado nas fisionomias, precipitavam pelas ruas, invadindo a Praça Vermelha. Chegou uma banda militar. E o som da Internacional fez com que todos, espontaneamente, começassem a cantar. (…) O cortejo fúnebre (…) desfilou (…), debaixo dos olhares do mundo e da posteridade.” Esse cemitério está entre o túmulo de Lênin e as muralhas do Kremlin. Na base das muralhas foram enterrados muitos revolucionários. As cinzas de John Reed também estão lá. Ele morreu de tifo, aos 33 anos de idade, na Rússia Soviética.