Ruy Castro, exploda-se

Por Osvaldo Bertolino

Em sua coluna na Folha de S. Paulo nesta quarta-feira (14), Ruy Castro dá o título Maduro, exploda-se. Ponho o texto de cabeça para cima e troco o personagem para expressar melhor o conteúdo.

As opiniões de Ruy Castro sobre as atas que que estão disponíveis no sistema de Justiça da Venezuela, de acordo com sua institucionalidade democrática, equivalem aos caminhões de nitroglicerina do filme O Salário do Medo

Um dos grandes momentos do cinema europeu de todos os tempos é um filme francês, O Salário do Medo (Le Salaire de la Peur), de 1953, dirigido por Henri-Georges Clouzot. A história se passa num vilarejo perdido na Venezuela, controlado por uma companhia de petróleo e, mesmo assim, mantido em indescritível miséria. Entre seus habitantes, há quatro estrangeiros condenados a apodrecer ali por falta de opções.

E, então, eles ganham uma oportunidade: US$ 2.000 para cada um pelo transporte de dois caminhões de nitroglicerina para uma cidade a 150 km. É, com trocadilho, um caminhão de dinheiro. O problema é chegarem lá. Os 150 km consistem de estradas esburacadas, curvas fechadas quase impossíveis de fazer, pontes de madeira que ameaçam desabar ao peso do líquido dentro dos tanques, precipícios que surgem de repente e tudo mais que, com um peteleco, pode fazer os caminhões irem pelos ares.

Os quatro personagens, dois franceses, um alemão e um italiano, são homens duros, violentíssimos. Os atores que os interpretam —respectivamente, Yves Montand, Charles Vanel, Peter van Eick e Folco Lulli— também eram. A história da filmagem, toda em externas no sul da França e sob terríveis condições, fala deles saindo aos murros uns contra os outros e contra o diretor Clouzot. O filme retrata isso. São 147 minutos de tensão quase insuportável, com os caminhões a 10 por hora, como duas bombas sobre rodas.

Imagino Ruy Castro nessa mesma Venezuela, conduzindo um caminhão de nitroglicerina – as atas da votação, forjadas e fraudadas por Maria Corina Machado e Edmundo Gonzáles, prestes a explodir se não forem reveladas. E, se forem, também. A estrada, bombardeada pelos países que sabotam a democracia e por “jornalistas” goebbelianos, não pode estar mais esburacada. A esta altura, ele não tem mais alternativa: ou prende o país inteiro ou é ele próprio quem vai preso.

Não leve a mal, Ruy Castro, mas queremos que você se exploda.

– O Plano Real e a farsa goebbeliana da mídia

Por Osvaldo Bertolino

A comunicação foi uma das duas grandes inovações do Plano Real, além da Unidade Real de Valor (URV), a base da nova moeda. Essa afirmação consta em um artigo no jornal O Globo de 4 de julho de 2024, de autoria de Hamilton dos Santos, doutor em filosofia pela USP, diretor executivo da Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), e Leonardo Müller, economista-chefe da Aberje, professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do ABC.

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Aparentemente exagerado, o diagnóstico, atribuído pelos autores a Maria Clara do Prado, coordenadora da campanha de divulgação do Plano Real, nao é de todo impreciso. A campanha de convencimento de que as medidas adotadas eram algo “genial” – como disse recentemente o jornalista da Rede Globo de Televisão, Pedro Bial, numa entrevista com Pedro Malan, Gustavo Franco e Edmar Bacha, próceres do projeto de “estabilização monetária” – precisava ser infalível.

Segundo o artigo, quem ainda acredita que a comunicação não deva ser encarada como estratégica na economia contemporânea deveria se voltar com calma para a história do Plano Real. “Para garantir que as medidas fossem bem-sucedidas, era essencial que a população compreendesse e confiasse no plano. A transparência e a clareza na comunicação ajudaram a dissipar dúvidas e a evitar surpresas, facilitando a aceitação das mudanças propostas”, disseram os autores.

Uma grande farsa

É evidente que a população não compreendeu. A confiança é uma subjetividade que não se relaciona automaticamente à compreensão. Está associada ao axioma atribuído a Joseph Goebbels, o marqueteiro de Adolf Hitler, de que mentiras se tornam verdades à força de repetição. O conceito também implica uma generalização absolutista, igualmente supostamente goebbeliana, a ideia de que é possível montar uma grande farsa dizendo apenas verdades. A aceitação das medidas adotadas esteve longe de ser unanimidade fora das versões impermeáveis que circularam na mídia.

Para os autores, contudo, esse é um ponto comum no relato de diversos atores da trama: a comunicação transparente dos objetivos, mecanismos e etapas foi elemento indispensável para o sucesso. Os fatos – mostrados nesta série sobre o outro lado da notícia dos trinta anos do Plano Real – revelam que a comunicação monopolizada pelos interessados naquela formulação do projeto neoliberal não passou sequer perto da transparência. Mas eles repetem, citando Maria Clara do Prado, que tudo foi “feito às claras”, desde o princípio.

Depois, afirmaram que antes e durante a implementação das medidas a equipe econômica usou comunicação eficaz para explicar as razões e os mecanismos das reformas. Na verdade, foi o contrário: a mídia usou a equipe econômica para amplificar as versões oficiais. “Campanhas publicitárias, entrevistas feitas com regularidade e discursos planejados para informar e engajar a população”, prosseguiram. Mais uma vez, a transparência passou longe. Em nenhum momento essa overdose de comunicação explicou questões básicas, sobretudo a inter-relação arbitrária da taxa de juros oficial e índice de inflação, uma armadilha para capturar o Estado e transformá-lo em comitê de gestão de uma brutal transferência de renda dos pobres para os ricos.

Pérola de desinformação

E assim foi, segundo eles, até a adoção, em 1999, do regime de metas de inflação. “O Banco Central (BC) instituiu um arcabouço de política monetária que tem na comunicação um de seus pilares fundamentais”, disseram, apresentando como comprovação a divulgação de comunicados e atas a cada reunião do Comitê de Polícia Monetária (Copom), além de boletins, relatórios e pesquisas de sua equipe. Na verdade, são meras formalidades, um conjunto de informações artificiais que não influenciam no debate público.

Dizem também que o presidente do BC pode ser convocado pelo Congresso e, em caso de descumprimento da meta, é obrigado a escrever uma carta aberta ao ministro da Fazenda. “Em paralelo aos instrumentos oficiais, entrevistas dos integrantes do Copom para a imprensa também são comuns. A transparência foi e é crucial para ancorar as expectativas dos agentes econômicos, reduzindo incertezas e aumentando a confiança na moeda”, afirmam, novamente apresentando informações meramente protocolares, longe de servir ao debate democrático.

E confessam que a comunicação “eficaz do Banco Central também ajuda a estabilizar os mercados financeiros”. “Ao fornecer orientação clara sobre a direção futura da política monetária, o BC é capaz de influenciar as expectativas de inflação e as taxas de juros de longo prazo, o que proporciona um ambiente mais previsível para investimentos privados”, dizem, mais uma vez deixando o distinto público distante de informações essenciais para se entender o que representam mesmo esses conceitos do vocabulário neoliberal.

E concluem com uma pérola de desinformação, atribuída a Pérsio Arida, um dos caciques do Plano Real: a “estabilidade monetária” é uma exigência da democracia. “Nela, a comunicação transparente é pilar indispensável para garantir a legitimidade das decisões de um corpo técnico não eleito – e um dos principais remédios tanto contra eventuais deslizes desse corpo como contra incursões demagógicas na gestão monetária”, sentenciam, com um raciocínio raso e obtuso sobre democracia, uma mula sem cabeça que tenta sustentar os superpoderes da tecnocracia que concentra decisões nas mãos de um autocrata, o presidente do BC.

Aparato midiático

Maria Clara do Prado também escreveu n’O Globo, dia 1º de julho de 2024. Seu artigo, intitulado Comunicação ajudou a consolidar o Real, revela alguns detalhes dos bastidores da mídia na divulgação das versões dos tecnocratas, segundo ela uma inovação “no campo da comunicação”. “Na fase mais delicada, anterior à vigência da nova moeda, contou com um ministro da Fazenda que, ao invés de falar para o mercado financeiro e os empresários falava para o povo, e com economistas dotados do mais alto preparo técnico que passaram a frequentar as páginas dos jornais com regularidade nunca imaginada”, escreveu.

Falta, nessa formulação, a regra básica de que jornalismo implica explorar o contraditório. Falar “para o povo” não é apresentar dados e números acabados, como dogmas para pronta aceitação, sem uma sistematização mínima. Com esse recurso, a imensa maioria do povo não tomou conhecimento sequer dos rudimentos das medidas que estavam sendo adotadas. “Não havia a figura de um porta-voz do plano, mesmo porque não se empresta a voz quando a credibilidade de um projeto futuro é o objetivo maior. Para dirimir as dúvidas de ordem técnica, as entrevistas eram dadas diretamente pelos formuladores do plano, donos das ideias e das soluções que levariam à estabilização”, confessa, relatando exatamente como eram as manipulações e as ocultações de informações.

Segundo ela, um verdadeiro aparato midiático foi montado para dar voz aos tecnocratas. “Toda a estratégia de comunicação foi montada na premissa de que nenhum jornalista, não importa onde estivesse, deixaria de ser atendido. Não havia verba pública para uma campanha do Real, mas nem por isso recorreu-se ao uso de expedientes como press releases ou outros tipos de comunicados oficiais que impõem a informação pronta, protegida de questionamentos”, relatou, sem dizer que os entrevistadores estavam pautados não para fazer questionamentos, mas para difundir o que estava sendo comunicado. Não havia sequer informações para se fazer perguntas abrangentes.

Numa dessas entrevistas, Rubens Ricupero, que substituiu Fernando Henrique Cardoso (FHC) no Ministério da Fazenda, resumiu, inadvertidamente, o que era essa comunicação, numa conversa informal, acidentalmente captada, com Carlos Monforte, jornalista da Rede Globo de Televisão: “Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde.” Era o auge da campanha eleitoral das eleições que faria a sucessão presidencial em 1994, quando a direita atuava freneticamente para atacar o candidato favorito nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva. A confissão de Ricupero não representou qualquer arranhão à campanha de FHC.

Com Lula foi bem diferente. Ele fez uma campanha baseada na Caravana da Cidadania, percorrendo o país, e não desceu aos subníveis da mídia. Seu candidato a vice, José Paulo Bisol, do Partido Socialista Brasileiro (PSB), foi acusado de manipular verbas do orçamento para beneficiar suas terras, mote para uma virulenta campanha contra Lula. Mais tarde, passadas as eleições, o jornal Zero Hora, de Porto Alegre, teve de pagar a Bisol indenização de R$ 1,191 milhão pela publicação da acusação falsa.

Ordem democrática

Segundo Renato Rabelo, então vice-presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), para compreender o que se passava, as razões em geral deviam ser buscadas na nova ordem imperialista e em particular na sua nova estratégia para os países dependentes, o projeto neoliberal. A orientação ditada para o chamado Terceiro Mundo e para o Leste Europeu visava à liquidação das fronteiras nacionais desses países, integrando-os como apêndices de um mercado de grande escala dos oligopólios mundiais.

Citou a política dos sete países ricos, que considerava imprescindível solapar as bases que constituem o Estado nacional. Na América Latina, procurava-se estabelecer o “ajuste estrutural” no âmbito da economia, que impunha o desmonte do Estado, redefinindo inclusive o papel das Forças Armadas. “Logo em seguida à rebelião militar na Venezuela (o levante de 4 de fevereiro de 1992 contra o governo do presidente Carlos Andrés Pérez, que tinha Hugo Chávez entre seus líderes), o embaixador dos Estados Unidos e o seu representante na OEA (Organização dos Estados Americanos) declararam diante de um grupo de oficiais venezuelanos que já existia o ‘direito’ de intervir militarmente em qualquer país da América Latina onde se produzisse uma ‘ruptura da ordem democrática’”, denunciou Renato.

De acordo com ele, o PCdoB e as forças consequentes na defesa da independência nacional, naquelas condições do mundo, eram “alvos de ataques das forças entreguistas e imperialistas, as quais empreendem ações e campanhas para denunciá-los e isolá-los”. “Desse modo, para a necessária ampliação e fortalecimento do movimento patriótico, devemos considerar as novas alianças de forças que o curso político vai demonstrando”, considerou.

Personagem contra Lula

Segundo Renato, o acirramento da polarização desencadeou o impasse. Havia uma encruzilhada, que se revelava, em termos gerais, na contraposição de dois projetos: ou prevalecia o caminho neoliberal, “que deteriora intensamente a grave situação social e submete o país à nova ordem mundial imperialista, ou a resistência na busca de um novo caminho, de base nacional, democrática e popular, que concretize, no plano interno, ampla coalizão de forças política e sociais, e, no plano externo, a formação de uma frente dos países e povos dependentes, pela retomada do desenvolvimento com independência e progresso social”.

Aquele quadro de crise e confronto de dois projetos definiria a sucessão presidencial, disse Renato. “Articulam-se nervosamente na busca de um personagem contra Lula, esforçando-se para chegar a um candidato único, no qual pretendem concentrar todo o seu poderio”, afirmou. As oligarquias mais poderosas encontraram seu escolhido na pessoa de Fernando Henrique Cardoso, que, convertido ao credo neoliberal, agia como um “cristão novo”, resumiu. “Tem de aprovar seu plano atual, que já encampa o artifício da dolarização, a última palavra em matéria de planos encomendados ao FMI (Fundo Monetário Internacional) para países da América Latina.”

Renato alertou que a candidatura de FHC, apresentada como de centro-esquerda pelas elites, moldada com a ênfase no seu passado de intelectual de prestígio e de esquerda, não deixava de ser burlesca. “Acabam admitindo o prestígio da esquerda, apesar da manipulação pela permanente propaganda em contrário. Dessa maneira, a fina flor dos setores mais ricos de nossa sociedade, em parceria com seus cupinchas extemos (segundo o jornal Financial Times, FHC é o favorito dos ‘mercados’), monta um perfil farsante”, enfatizou.

Projeto global

De acordo com Renato, o plano de “estabilização da inflação” de FHC era considerado o “esboço prático” de um projeto global. “Significa que esse novo governo das elites não será diferente dos precedentes. Se isso acontecer, a crise irá se agravar.” A tentativa de juntar duas correntes dos setores dominantes – o “liberalismo” e a “social-democracia” – era um jogo de palavras, demagogia para salvar as aparências e tinha o mesmo efeito “de apresentar um círculo como se fosse um quadrado”.

FHC seria eleito e arrancou sua reeleição novamente por meio de um jogo sujo. Em meados de 1998, depois de meses a fio em que se dava por certo que não haveria segundo turno, o quadro começou a mudar. Na pesquisa do instituto Datafolha de 8 e 9 de junho, as diferenças atingiram patamar mínimo: FHC teria 35% das intenções de voto no primeiro turno e Lula, 30%. No segundo turno, FHC ficaria com 45% e Lula, 44%. Ou seja: empate técnico.

A mídia entrou em cena com ataques a Lula num ponto sensível: a política econômica. O jornal O Estado de S. Paulo de 14 de junho de 1998 resumiu a questão numa matéria sobre suposta quebra de um pacto de silêncio na coligação oposicionista. Na convenção do PT, Lula criticou a pressa no processo de privatizações e cogitou uma auditoria no que já havia sido vendido. Brizola também fez duras críticas à voracidade privatista de FHC.

Na questão do câmbio e do dólar, o Estadão ouviu representantes do PT e Renato. Segundo a matéria, o PCdoB era o “parceiro radical”, que desejava o “compromisso de ajustar rapidamente o câmbio e os juros” para definir “um programa de cunho claramente nacionalista”. A conclusão derivava da fala de Renato de que “queremos o desenvolvimento a partir de recursos próprios”, numa crítica explícita ao fluxo de capital especulativo que parasitava as finanças públicas.

Rumo da campanha

Em 18 de junho, o Estadão voltou à carga, agora explorando o debate na oposição sobre o futuro das privatizações. Havia no PDT propostas de medidas mais duras em relação às denúncias de corrupção e promessa de reestatização da Companhia Vale do Rio Doce e do Sistema Telebras. No PT, as opiniões se limitavam a medidas jurídicas, caso se comprovasse irregularidades.

A coligação decidiu requerer oficialmente do governo informações sobre câmbio, reservas internacionais e execução orçamentária, essenciais para a elaboração de propostas, segundo informou Renato ao Estadão. Sem aqueles dados, seria difícil fechar um programa detalhado, considerando a possibilidade de mudança na conjuntura econômica, teria dito Renato, que “refutou a possibilidade de um governo das esquerdas promover mudanças bruscas na gestão econômica”.

A Folha de S. Paulo também explorou o assunto. Na edição de 20 junho, o jornal enviou perguntas aos representantes dos partidos da oposição sobre reestatização da Vale, privatização da Telebras, imposto sobre lucros extraordinários de empresas privatizadas, quarentena para capital externo especulativo (exigência de permanência do dinheiro por certo período no país) e proposta cambial. Foram ouvidos Renato, Vivaldo Barbosa (PDT), Igor Grabois (PCB) e Roberto Amaral (PSB). Renato foi enfático na defesa do patrimônio nacional e na necessidade de soberania do país na administração das finanças públicas.

Com recursos como esses, o projeto neoliberal reavaliou o rumo da campanha e reforçou a divulgação das propostas de FHC, repetindo promessas que em 1994 foram simbolizadas numa mão espalmada – segundo FHC, gesto que Tancredo Neves e Juscelino Kubitschek usaram para liderar o país – mostrando que depois da “estabilidade da moeda” viriam as questões sociais, hierarquizando emprego, saúde, agricultura, segurança e educação. A direita recuperou a vantagem e venceu novamente no primeiro turno, em 4 de outubro de 1998.

– As big techs e as gerações que vêm com tudo

Por Osvaldo Bertolino

No interessante livro Big tech – a ascensão dos dados e a morte da política, que reúne os principais artigos de Evgeny Morozov, um dos mais influentes especialistas em tecnologia e internet do mundo, consta um amplo painel sobre a aliança entre o neoliberalismo e o Vale do Silício. Ele problematiza o que define como lógica do chamado “solucionismo” tecnológico, que enxerga a tecnologia como panaceia para problemas que instituições falharam em resolver. Na verdade, é uma possibilidade que pode servir de ferramenta contrária à democracia. O alerta suscita reflexões sobre a inter-relação da economia com a política – a clássica economia política –, sem a qual uma e outra se artificializam.

O poder do neoliberalismo, decorrente da elevação em grau máximo da influência do capital financeiro sobre o capital industrial, se traduz numa luta política que implica atuar levando em conta a dimensão dessa aliança. Atuar de forma isolada em determinanda esfera sem atentar para essa inter-relação significa limitar a abrangência do combate. O que se nota nessa conjuntura é uma luta de resistência, que exige uma organização popular interagindo com a realidade de cada local, produzindo conteúdo e acúmulo teórico. Em síntese: criar canais para a atuação política apontada para a superação das contradições da contemporaneidade.

A principal delas é o desenvolvimento nacional, um projeto de múltiplas interfaces. Lutar pela democratização da comunicação – ou pela guerra cultural e o debate ideológico – é uma exigência que passa por esse caminho. A combinação simultânea e proporcional da economia com a política possibilita categorias que armam ideologicamente a luta de classes, com suas complexidades, um conceito que abrange a conjuntura internacional e seus tentáculos, determinante para o entendimento do que está em questão em âmbito nacional.

Macacada reunida

O ponto mais decisivo nesse universo é o binômio emprego e renda, que espalha controvérsias, gerando ascensões de forças políticas que negam a civilização, potencializadas por estagnações econômicas e carregadas de obscurantismos. Chamadas de extrema-direita, são, a rigor, manifestações de antagonismos que se agudizam com a evolução dos dilemas do capital. Seu principal efeito pode ser visto às claras entre a juventude que chega ao mundo do trabalho enfrentando desafios inéditos.

São gerações que nasceram sob a interatividade e o virtualismo, desligadas da lógica dos seres analógicos pré-anos 1990. Em suma: estão familiarizadas com um mundo pequeno, conectado, desenhado em interfaces amigáveis, que lhes chega mediado pela tela de alta resolução. Mas, quando falam de seus problemas, o fazem de modo a deixar evidente a questão principal: o desemprego. Ouça-se Jota Quest, um porta-voz da primeira geração dessa juventude no Brasil: “Macacada reunida/Galera pelejando e dançando/Procurando uma saída (…) Que tá faltando emprego no planeta dos macacos.”

Mesmo quando ocupados, podemos verificar que são destinados aos jovens as posições de baixa qualificação e remuneração. Uma parcela significativa deles que precisa trabalhar sob essas condições compromete sua escolarização sem completar sequer os ciclos educacionais compatíveis com a sua idade.

Gerações digitais

É a face do chamado McJob, nome genérico que nos Estados Unidos e na Europa se dá a empregos de baixa especialização e de baixa remuneração no setor de serviços, que se espalhou no Brasil. A prova disso está disponível em qualquer loja do McDonald’s – e congêneres -, onde se vê punhados de adolescentes brasileiros frequentemente vistos como um grupo mal preparado e de pouco futuro. Nos Estados Unidos e na Europa, os McJobs simbolizam uma geração que enfrentou dificuldades para trocar seu diploma universitário por um bom emprego. Eles chegaram ao mercado de trabalho com um currículo cinco estrelas e tiveram que se virar com um emprego destinado a quem tem pouca formação escolar.

Nos Estados Unidos e na Europa, os McJobs geralmente complementam os rendimentos de quem está cursando o colégio ou mesmo a universidade. No Brasil, não. O McDonald’s, por exemplo, tem mais de 30 mil funcionários no país – 85% trabalham como atendentes nos cerca de 500 restaurantes brasileiros da rede. Cada loja tem em média 70 funcionários, e quase todos têm entre 16 e 21 anos, ganhando salários irrisórios. Por esses dados, é possível visualizar o maior drama da juventude brasileira – a entrada no mercado de trabalho. Quem são e o que pensam esses jovens?

Eles compõem as primeiras gerações digitais da história, que emergem no Brasil e em vários outros países com uma força avassaladora. Trata-se de uma moçada que nasceu com hábitos específicos, com jeitos e objetivos muito próprios, e que vai, em breve, tomar as rédeas do país e imprimir a ele suas ideias e seus estilos. Essas gerações vão, muito provavelmente, chacoalhar regras e certezas estabelecidas. Elas impõe um desafio ao mesmo tempo simples e crucial: incorporar essa moçada nas lutas progressistas.

O desafio está na aprendizagem da linguagem e dos seus anseios. E está também na desaprendizagem das práticas que caducaram ou estão caducando. Essas geraçôes romperam com a tradição de sua espécie, que é analógica desde seus primórdios. Raciocinam e se movimentam vida afora a partir de novas e inéditas coordenadas. Essa turma já nasceu sendo filmada, virando registro eletrônico, e cresce na frente de um aparelho de alta tecnologia. São jovens que se divertem com vários programas e tornam-se exímios com um teclado antes mesmo de entrar na escola.

Desânimo e violência

Os dados têm um efeito devastador sobre os jovens quando saem da frieza do papel. Uma pesquisa do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) mostrou que o maior temor dos estudantes de São Paulo é terminar seus cursos e não conseguir emprego. A pesquisa entrevistou 500 jovens de 16 a 25 anos. Desse total, 42% disseram temer não conseguir uma colocação no mercado de trabalho. Um índice bem mais alto do que o de outras preocupações, como obter independência financeira (15%) ou melhorar a qualidade de vida (14%). Segundo as estimativas mais otimistas, para melhorar essa situação o Brasil precisaria retomar um crescimento econômico de 6% ao ano.

Um dos efeitos mais nocivos do desemprego é a combinação de desânimo com violência. Muitas vezes, os jovens fazem a sua parte ao estudar, mas a falta de perspectiva os leva à depressão, à inatividade e ao desespero da droga e do crime. Os governos Lula iniciais tentaram amenizar o drama. Em 2006, o Ministério do Trabalho e Emprego assinou 13 convênios com entidades do movimento social para a execução em 2007 dos Consórcios Sociais da Juventude.

No atual governo, o Ministério do Trabalho e Emprego, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) lançaram, o Pacto Nacional pela Inclusão Produtiva das Juventudes. A iniciativa pretende unir esforços para impulsionar a empregabilidade e formação profissional para jovens em situação de vulnerabilidade no país até 2030 e conta, também, com o apoio do Pacto Global das Nações Unidas, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) e da Secretaria Nacional de Juventude.

Papel do jovem

Segundo o Censo Demográfico 2022, o Brasil conta com 45,3 milhões de adolescentes e jovens de 15 a 29 anos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) mostram que um em cada cinco brasileiros nessa faixa etária não estudava e nem estava ocupado em 2022, um universo de 10,9 milhões pessoas, o equivalente a 22,3% da população nacional. Deste, 43,3% eram mulheres pretas ou pardas, 24,3% homens pretos ou pardos, 20,1% mulheres brancas e 11,4% homens brancos. Havia 4,7 milhões deles que não procuravam trabalho e nem gostariam de trabalhar, entre eles dois milhões de mulheres cuidando de parentes e dos afazeres domésticos, 61,2% pobres, 47,8% pretas ou pardas.

Dados do Ministério do Trabalho e Emprego mostram que o desemprego entre jovens no Brasil é, na média, o dobro da população geral historicamente. De acordo o relatório sobre empregabilidade de jovens da OIT, chamado Global Employment Trends for Youth, publicado dia 11 de agosto de 2022, o número global de jovens desempregados pode chegar a 73 milhões. A projeção para 2022 era de que 27,4% das mulheres jovens em todo o mundo estariam empregadas, em comparação com 40,3% dos homens jovens. O fenômeno é mais notado nos países de renda média baixa.

Não é somente a falta de crescimento econômico que mingua os empregos. A tendência de enxugamento de postos de trabalho – acentuada pela onda de fusões e aquisições das grandes corporações – e a redução da oferta de cargos públicos, tanto pelos “ajustes” do projeto neoliberal a que os governos foram submetidos com a brutal Lei da Responsabilidade Fiscal quanto pelas privatizações – têm impacto direto sobre o emprego. É verdade que há muito mais coisas que o governo pode fazer. E os sindicatos também. E a sociedade também. Mas nada substitui o papel do próprio jovem nesse processo.

– A “ditabranda” da Folha vista com lupa.

“Estamos vivendo até hoje os efeitos do golpe de 64, que era desejado pela elite mais feroz, ignorante e vulgar do mundo, que é a brasileira. Ela é a responsável, e os militares executaram esse projeto. Aliás, o golpe é um divisor de água. Depois do golpe

O famoso orador romano Marco Túlio Cícero ensinou que uma boa história precisa responder as perguntas “quem?” (quis/persona), “o quê?” (quid/factum), “onde?” (ubi/locus), “como?” (quem admodum/modus), “quando?” (quando/tempus), “com que meios ou instrumentos?” (quibus adminiculis/facultas) e “por quê?” (cur/causa). Isso posto, quero diz que o editorial golpista do jornal Folha de S. Paulo não é algo sem maiores conseqüências. Não é mais um mero episódio dos devotos daquilo que o cineasta Billy Wilder chamou de “Big Carnival” (Grande Carnaval) — filme que no Brasil recebeu o nome de “A Montanha dos Sete Abutres” e que retrata o caso de um repórter especialista na arte da trapaça.

A “ditabranda” pode ser definida como a síntese da índole golpista da chamada “grande imprensa”, da qual a Folha é um dos veículos mais salientes. Desde 2002, sintomaticamente o jornal define a sua pauta pelas previsões tétricas. Não procede, portanto, a análise de Igor Ribeiro, editor-executivo da revista Imprensa — em um excelente texto, registre-se —, de que o jornal, após defender o golpe de 1964 e sofrer duras conseqüências dessa posição — desde ataques de grupos de esquerda até a censura rígida durante os anos de chumbo —, procurou se redimir apoiando incisivamente o movimento das “Diretas Já!”.

“Acertadas as contas com a sociedade, o Grupo Folha se notabilizou pelo projeto inspirado no jornalismo estadunidense moderno que, por um lado, ditava uma rigorosa assepsia ideológica e forte comprometimento democrático e, por outro, deixava o jornal à mercê do liberalismo econômico e das leis de mercado”, escreve ele. “O passado nem sempre glorioso ficou na história e, dentro da nova realidade, o jornal deu voz à pluralidade e ao bom senso. O debate democrático ganhou corpo com a participação recorrente de personalidades dos mais variados matizes ideológicos, fosse enquanto pauta, fosse enquanto colaborador”, afirma.

Jornalismo rarefeito

Diz o axioma que dois erros nunca se anulam. Aliás, geralmente somam-se para dar um resultado ainda pior. A “ditabranda” não está dissociada da denunciamania golpista recente, quando não faltaram teorias sem fatos — matéria-prima indispensável a qualquer acusação que se preze —, no particular palco da mídia, onde uma combinação quase macabra entre interesses de certas corrente político-ideológicas e dos grupos que controlam a circulação de informações com mão de ferro gosta de encenar seus atos.

Esse jornalismo rarefeito, de baixa intensidade moral, é bem conhecido no Brasil. Ele chegou aqui nos anos 40, vindo dos Estados Unidos, num processo de “modernização” deflagrado por Pompeu de Souza, do Diário Carioca. Vocações literárias e evocações filosóficas foram substituídas por uma narrativa simples e linguagem empobrecida. Pompeu de Souza recebeu, apropriadamente, o título, concedido por Nelson Rodrigues, de “pai dos idiotas da objetividade”.

Como resultado, o que se vê é que o cidadão brasileiro presencia regularmente, com seus próprios olhos e ouvidos, a publicação de insultos, ataques pessoais, intrigas, falsidades, invenções, erros de fato e mentiras puras e simples. A “ditabranda” da Folha, vista com lupa, insere-se aí. São óbvios os laços que unem o ódio da direita na América Latina diante da franca ascensão da democracia progressista na região. O neologismo apenas expressou uma plataforma política latente, sempre recorrente quando os caminhos democráticos começam a ser pavimentados. Mais uma vez, a legião de “economistas”, “comentaristas”, politicólogos, provocadores e demagogos em geral que vive à sombra das oligarquias cumpre o seu papel histórico de erguer barricadas contra o progresso.

Apoio da Folha ao golpe

Mas a democracia está contra eles. O progresso está contra eles. A verdade está contra eles. Suas má-criações os fazem figuras subqualificadas e desmascaram o título de escolhidos para restaurar a ordem e a moralidade públicas. Na verdade, em nome dessas bandeiras o que se vê é o mesmo histórico amontoado de asneiras, meias-verdades e mentiras pela boca de pessoas que se julgam mais sábias do que todos.

Lembre-se que eles tentaram manter o presidente Luis Inácio Lula da Silva “sub judice” a fim de criar as condições para dar o bote. Esse poderoso braço do tráfico de informações da direita sonha em reviver cenas que predominavam no início da década de 60. Os métodos da direita magnetizada pela coesão que emana de clãs minúsculos estão de volta. São as mesmas faces, tangendo velhíssimos ideais. Recorde que o título do editorial do jornal Correio da Manhã que circulou no dia 31 de março de 1964 sintetizou numa palavra o desejo da elite brasileira naquele dia: ”Basta!”. No dia seguinte, 1º de abril, o jornal repetiu a dose: ”Fora!”.

A “grande imprensa” vinha entoando um coro muito bem afinado contra o governo do presidente João Goulart e incitando o golpe. A Folha do dia 27 de março de 1964, em editorial intitulado ”Até quando?”, indagou: ”Até quando as forças responsáveis deste país, as que encarnam os ideais e os princípios da democracia, assistirão passivamente ao sistemático, obstinado e agora já claramente declarado empenho capitaneado pelo presidente da República de destruir as instituições democráticas?”

Interesses terrenos

O jornal O Estado de S. Paulo do dia 14 de março de 1964 disse: ”(…) Depois do que se passou na Praça Cristiano Ottoni (…), após a leitura dos decretos presidenciais que violam a lei, não tem mais sentido falar-se em legalidade democrática, como coisa existente.” No dia anterior, cerca de duzentas mil pessoas participaram do famoso comício da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no qual foi anunciado que o presidente acabara de assinar, no Palácio das Laranjeiras, o Decreto da Supra (Superintendência da Política Agrária), que propunha um plano de desapropriação dos latifúndios improdutivos acima de 500 hectares, por interesse social. O presidente mexeu num vespeiro.

No dia 19 de março de 1964 — dia de São José, padroeiro da família — mulheres ricas paulistas lideraram a ”Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, incitando o golpe militar. Em nome da família, de Deus e da liberdade o movimento estava defendendo os interesses terrenos dos latifundiários, banqueiros e industriais. No dia seguinte, o jornal O Globo comentou: ”Sirva o acontecimento para mostrar aos que pensam em desviar o Brasil de seu caminho normal, apresentando-lhe soluções contrárias ao ideal democrático e ensejando a tomada do poder pelos comunistas, que o povo brasileiro jamais concordará em perder a liberdade, nem assistirá de braços cruzados aos sacrifícios das instituições.”

Qual a diferença dos editoriais de hoje em dia? A “ditabranda” da Folha tem como fio condutor, que perpassa e une esses tempos históricos, e um dos pontos de partida de sua pauta ideológica os ideais do Partido Republicano Paulista (PRP), que representava os fazendeiros de São Paulo após a proclamação da República. Apesar da distância no tempo, e da forma diferente de apresentação das propostas, as idéias do PRP não são estranhas às da Folha.

O fator humano

A marca da mídia à brasileira é exatamente a ojeriza ao pensamento avançado, humanista. A cada dia ela nos apresenta exemplos dos mais edificantes, como o desse neologismo infeliz. Sempre há uma teoria. Mas são teorias do que seria-se-fosse, baseadas em características e fenômenos de um país que eles imaginam, muito diverso do país real. Equacionar, operar, extirpar e outros vocábulos os embalam em seus cálculos frios. São fantasias e fantasmagorias que não se destinam a descobrir, orientar, provar, mas… Se destinam a que precisamente? A sofismar, a mistificar e mitificar, a ludibriar.

Qualquer que seja o problema, por mais complexo e multiforme, não lhes faltam engenho e arte para transformá-lo em gráficos e diagramas para dar-lhe denominação própria e original. Mas não lhe dão especificidade, ou não querem lembrar que informar e analisar requer arte e ciência, essencialmente ligadas ao homem. Nenhum resultado se pode esperar de informações e análises que eliminam o fator humano.

Pastel de vento

Nessa pregação golpista, o delírio teorizante atinge o auge. Como a presunção é o traço mais evidente, eles insistem no diagramar, no cronogramar, no organogramar, no topogramar para ver se com o inusitado da linguagem obtêm crédito. Pensam que podem vencer pelo choque, pelo cansaço do prolixo. Pode-se dizer que é uma mídia nominalista. Se a realidade — onde coisas e fenômenos estão há muito nominados — não corresponde às análises, muda-se o nome das coisas e fenômenos.

Pois saibam os que não sabiam que esse gosto pelo nome dos senhores de sua semântica esvazia o conteúdo das informações para pôr no lugar palavras ocas como esse neologismo da Folha. Ditadura vira “ditabranda”. Como alguém lembrou, vazio igual só o daqueles pastéis que a velhinha vendia na feira, apregoando: “Pastéis de camarão!”.

O comprador se aproxima, pega um, paga. Na hora de comer, diz: “Mas, minha senhora, não achei camarão nenhum!” Ela responde: “O senhor sabe como é, uns gostam, outros não gostam, uns podem, outros não, por isso não ponho.” São pastéis de vento, ou vento de pastéis. E como eles inventam nomes com facilidade, suas explicações se encaixam naquele tipo de resposta que se dá às crianças de certa idade que não perguntam para saber, mas pelo perguntar.

Desabafo do leitor

Muitas vezes essas falsificações são imposições a jornalistas, massacrados pela ditadura dos donos do poder, que sequer têm tempo de estudar as leis e meditar sobre os problemas nacionais, de auscultar o coração do povo, de ler e entender os processos sociais. Muitos nem foram formados neste espírito e, em terra de batráquio, precisam se agachar para não ser atingido pela língua do sapo. Desrespeitam abertamente a Constituição e outras cartas — esquecendo-se que Ruy Barbosa deixou escrito que a Constituição não é roupa que se recorte para ajustá-la às medidas deste ou daquele interesse.

A conseqüência, na vida real, é, para muitos, a perda de rumo, de oportunidades e eventualmente da própria perspectiva. Há algum tempo, a Folha publicou uma sugestiva carta de um leitor. “Desculpe, mas acabou a minha capacidade de absorver só notícias negativas. A Folha há muito deixou de praticar um jornalismo investigativo e entrou firme no jornalismo denunciativo, que não leva a nada”, disse ele. O leitor estava comunicando a perda da paciência com um determinado tipo de jornalismo. Ele não é o único nem a Folha a única publicação a colocar como prioridade de sua estratégia editorial a busca do pior em tudo.

O caráter do jornalista

Topar tudo para conseguir uma “notícia” impactante tem um perverso efeito colateral: a corrosão do caráter do jornalista. Um jovem que chegue a uma redação e seja confrontado com a realidade cotidiana de trapaças de variadas espécies para a obtenção de notícias — mentiras sobre a natureza da reportagem para conseguir entrevistas e gravadores escondidos para colher flagrantes, para ficar apenas em dois exemplos — é rápida e inevitavelmente engolfado pela frouxidão dos valores.

Vemos, por exemplo, no jornalismo da “grande imprensa” gente como Diogo Mainardi — é rigorasamente apenas um exemplo, visto que muita gente como ele faz o mesmo em outros veículos —, que em sua coluna na revista Veja insulta o presidente Lula com a mesma virulência de David Nasser, na antiga revista O Cruzeiro, contra João Goulart e Leonel Brizola. Pela falta de educação e respeito, Nasser acabou levando dois bons socos do então governador gaúcho no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.

Como diria Nelson Rodrigues, “um paralelepípedo analfabeto, uma cabra vadia ou um bode de charrete” saberia que isso não é bom jornalismo. Nelson Rodrigues usou essas palavras para ironizar, em 1968, um debate que se estabeleceu na mídia sobre o seguinte tema: era melhor ou pior a introdução da TV em cores no Brasil? Como se vê, há toda uma tradição brasileira quanto a esse gênero de coisas. Os grupos de mídia no Brasil ganharam o poder e o status de hoje no submundo da ditadura militar.

Sermão da Sexagenária

Tudo isso prova um fato: o Brasil de mentira é o que se paralisa nas crises apocalípticas anunciadas por velhos coveiros e propaladas nas manchetes e editoriais dos jornais. O Brasil de verdade é o que, a despeito de seus imensos problemas, deixou de ser uma piada. Podemos, nesse vazio de inteligência da mídia, nos consolar com as palavras do Padre Vieira, no Sermão da Sexagésima, onde se vê a causa de o povo não acreditar nessa pregação recheada de ameaças, uma discurseira que põe palavras onde faltam idéias.

Lá se diz: “As razões não hão de ser enxertadas, hão de ser nascidas. O pregar não é recitar. As razões próprias nascem do entendimento, as alheias vão pegadas à memória, e os homens não se convencem pela memória, senão pelo entendimento. (…) O que sai da boca, pára nos ouvidos, o que nasce do juízo, penetra e convence o entendimento.”
Aspectos da China contemporânea
Osvaldo Bertolino *

A passagem dos 30 anos de reforma e abertura da China foi muito pouco comentada no Brasil. Meu entendimento é que isso se deve ao cerco que a mídia promove sobre qualquer assunto afeito ao progresso social. A China, com suas complexidades e peculiaridades

Foi assim que um seminário sobre o assunto, promovido pelo Instituto Brasileiro da China e Ásia-Pacífico no Rio de Janeiro, praticamente não apareceu no noticiário. Dada a importância do evento e o significado destes 30 anos de reforma e abertura da China, resgato alguns aspectos da China contemporânea — com a inestimável fonte informações que é a China Rádio Internacional.

Os participantes do seminário avaliaram que a política de reforma e abertura criada por Deng Xiaoping não só trouxe desenvolvimento rápido para a China, mas também deu uma contribuição significativa ao desenvolvimento da humanidade e do mundo. O diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP), Haroldo Lima, afirmou que o conceito de construção do socialismo com características chinesas apresentado por Deng Xiaoping indicou o caminho correto de desenvolvimento do país, trazendo para a China êxitos notáveis em um período curto de 30 anos. Ele acrescentou que, desde o início da prática de reforma e abertura, 250 milhões de chineses se livraram da pobreza, ocupando 2/3 da população que saiu da pobreza no mundo, o que foi uma grande contribuição para toda a humanidade.

O diretor do Instituto Brasileiro da China e Ásia-Pacífico, Severino Bezerra Cabral Filho, disse que a política de reforma e abertura dirigida por Deng Xiaoping foi a reforma política, econômica e social mais importante do mundo nos últimos 30 anos. Cabral Filho também destacou que, neste processo, a China tomou uma atitude programática e não imitou o modelo de desenvolvimento dos Estados Unidos e de países do Leste Europeu, mas explorou um caminho que atendia à sua própria situação — mantendo o rápido desenvolvimento econômico e a estabilidade social. Segundo ele, estudar este ”fenômeno chinês” tem um importante significado para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil e de outros países “em desenvolvimento”.

Um aspecto que merece observação especial é a acelerando do ritmo de urbanização chinês. De acordo com os dados oficiais, a superfície urbanizada da China subiu de 17,9% para 50% do território nacional. Durante este processo, as metrópoles que mais brilharam foram Beijing, Shanghai e Shenzhen. Xi´na — esta última a cidade com maior dificuldade na industrialização por causa do seu grande número de patrimônios culturais, conseguiu encontrar seu próprio modelo industrialização. A China possui oito famosas capitais antigas.

 

Princípios de política externa

Outro fenômeno chinês de grande relevância é a definição dos princípios de sua política externa. ”A China persistirá na via de desenvolvimento pacífico. Esta é uma opção estratégica feita pelo governo e pelo povo da China, de acordo com a tendência de desenvolvimento da nossa era e os próprios interesses fundamentais. A China é uma nação amante da paz e uma força sempre firme na defesa da paz mundial”, disse o presidente chinês, Hu Jintao, no 17º Congresso Nacional do Partido Comunista da China realizado em 2007.

Ele reiterou que a persistência na via de desenvolvimento pacífico constitui uma política inabalável para a China. Segundo Hu Jintao, trata-se de um compromisso fundamentado nos interesses da nação chinesa e do mundo. Trata-se uma definição decorrente do contexto da segunda metade do século passado, quando o mundo estava no período da Guerra Fria e a China não podia evitar as suas influências.

 

Cooperações com o exterior

A falta de um ambiente pacífico, tanto dentro como fora das fronteiras, impossibilitava o desenvolvimento nacional. A China de então era um país de economia atrasada, debilitado e empobrecido, que enfrentava grandes desafios à sua subsistência e ao seu progresso. Foi assim que o país começou a revisar suas políticas e reavaliar as relações com o mundo, além de considerar o futuro do país e tomar uma decisão histórica — 3ª Sessão Plenária do 11º Congresso Nacional do Partido Comunista Chinês realizada em 1978 definiu o modelo de crescimento e o desenvolvimento pacífico tornou-se parte da estratégia nacional.

O desenvolvimento pacífico significa buscar um ambiente internacional de paz em benefício do próprio desenvolvimento e defender a paz mundial com o desenvolvimento nacional. Durante este período, a China dedicou-se à construção econômica nacional, ao estabelecimento das cooperações com o exterior e ao melhoramento do ambiente externo. Como exemplo disso, a China vem promovendo as relações com os principais países e regiões, aprofundando o conhecimento e os intercâmbios com o Ocidente e mantendo a estabilidade do vínculo com as grandes nações.

O desenvolvimento melhora a vida dos chineses, aumenta o poderio e a importância internacional da China e traz oportunidades para o mundo. A China em desenvolvimento está dando suas contribuições para a paz mundial. Em assuntos como o Iraque, os conflitos palestino-israelenses, Kosovo, a questão nuclear da Península Coreana e o problema energético iraniano, entre outras importantes questões internacionais, a China desempenha um elevado papel de intermediação.

 

Enormes benefícios internos

Todo esse arcabouço teórico trouxe enormes benefícios internos. Um deles foi um deles é o salto educacional. Ao enumerar os principais eventos que afetaram a China nas últimas três décadas, a maioria dos chineses colocou o Exame Nacional para Entrada na Faculdade (Gaokao, em chinês) em primeiro lugar da lista. Em dezembro de 1977, 5,7 milhões de chineses participaram do exame nacional, o primeiro do tipo desde o começo da catastrófica Revolução Cultural (1966-1976).

Nos últimos 30 anos, milhões de estudantes graduaram-se de instituições de ensino superior de vários tipos, para formar uma força de trabalho de alta qualidade. De acordo com dados oficiais, as instituições de ensino superior chineses inscreveram cerca de 53,86 milhões de estudantes nas últimas três décadas, dos 128 milhões de participantes do Gaokao. Ao mesmo tempo, o governo fez grande esforços para desenvolver a educação obrigatória e a ocupacional, com a finalidade de melhorar a qualidade de todos os cidadãos.

 

Educação nas áreas rurais

Nos últimos 30 anos, mais de 100 milhões de estudantes formaram-se nas escolas ocupacionais de diferentes tipos. Em 2007, as escolas profissionais contavam com 80 milhões de estudantes. Até 2000, a China alcançou sua meta de garantir a educação obrigatória para as crianças e eliminar o analfabetismo entre os jovens e cidadãos de média idade. O grande sucesso nas reformas econômicas ajudou o desenvolvimento da educação no país.

Com recursos financeiros suficientes, o governo chinês passou a aumentar o investimento na educação e adotar políticas mais favoráveis, com a maior importância dada à educação nas áreas rurais. Em 2003, um programa de ensino à distância foi lançado para cobrir 360 mil escolas primárias e secundárias rurais, beneficiando mais de 100 milhões de estudantes. Em 2004, o governo central investiu 10 bilhões de yuans (US$ 1,45 bilhão) para construir mais de 8,3 mil internatos nas áreas rurais.

Em 2006, a China emendou sua Lei de Educação Obrigatória para isentar os estudantes primários e os estudantes nos primeiros três anos do ensino secundário de taxa de matrícula e outras taxas administrativas. A medida foi adotada primeiro nas áreais rurais do oeste do país, região menos desenvolvida, em 2006, e ampliado para o país inteiro em 2007.

 

A meta de “Educação par Todos”

Além de fazer grandes esforços para alcançar sua meta de ”Educação para Todos”, o governo chinês também tem encorajado estudantes chineses a estudar no exterior. O número subiu de 860 em 1978 para 144,5 mil em 2007. Até o momento, 319,7 mil estudantes chineses voltaram ao país após terem terminado o estudo em outros países.

A China também abriu suas portas a estudantes de fora. Nos últimos 30 anos, 1,23 milhões de mais de 180 países e regiões estudaram em instituições de ensino chinesas.

Até o momento, a China assinou acordos de cooperação e intercâmbio educacionais com 188 países e regiões. O país asiático e 33 países e regiões firmaram acordos de reconhecimento mútuo de diplomas. Com o sucesso da reforma e um maior prestígio internacional do país, o chinês tornou-se um idioma atrativo e útil para os estrangeiros. Até agora, o número de estrangeiros que estudam chinês ultrapassou 30 milhões.

No campo, o país também passa por uma revolução. Entre a população chinesa de 1,3 bilhão, mais de 800 milhões vivem no campo rural. Sendo assim, o governo chinês prioriza a produção agrícola e a elevação do nível de vida dos camponeses. A informatização no campo rural chinês prioriza que os camponeses dominem a tecnologia e informações, a fim de melhorar a produção e administração. Nos próximos cinco anos, a China investirá um bilhão de yuans (cerca de 250 milhões de reais) ao campo rural, destinado à infra-estrutura de informações e formação de técnicos.

A construção da indústria básica e da infra-estrutura também foi reforçada de forma significativa, dando um suporte crescente ao desenvolvimento econômico e social do país. Entre 1979 e 2007, os capitais destinados aos dois setores somaram aproximadamente 30 trilhões de yuans, representando 38% do total dos investimentos no país. Um grande número de projetos essenciais como transmissão de gás natural oeste-leste, transmissão de água sul-norte e reflorestamento de terras de cultivo foram concluídos ou seguem em ritmo acelerado.

A produtividade da indústria de base e o nível infra-estrutural da China aumentou significativamente. A capacidade de abastecimento da agricultura, energia e matérias-primas subiu para um novo patamar. Foram criadas redes de transporte e telecomunicações que cobrem todo o país. As instalações de educação, cultura, educação e esporte também tiveram aprimoramentos. Tudo somado, pode-se dizer que a China hoje é um exemplo de como uma sociedade pode se desenvolver de forma democrática e harmoniosa.