– Com vocês, Tina e Themba — ou, o PT “moderno” e o PT antigo

Gleisi diz que crise no PSL é para encobrir problemas do Brasil

Osvaldo Bertolino, Portal Vermelho – 30/11/2005

Tina e Themba não é dupla sertaneja. É uma tirada que li em algum lugar. São os dois partidos que teriam sobrado à medida que a “globalização” foi estreitando a margem de manobra dos governos nacionais. Tina (There Is No Alternative — não há alternativa) seria o partido da situação — o dos resignados, dos que se imaginam “realistas” e dos que já se sentem à vontade neste admirável mundo novo “global”. Themba (There Must Be an Alternative — deve haver uma alternativa) seria a oposição: o partido dos que insistem em que há outro caminho, embora por enquanto não saibam nem por onde devam começar a procurá-lo. O confronto entre tinistas e thembistas se manifesta com intensidade no Partido dos Trabalhadores (PT).

Os thembistas abriram largos sorrisos com a vitória de Lula em 2002. Mas logo entraram em atrito com os tinistas. Desse confronto, o que chama a atenção é a debilidade, não o vigor desse partido. Como ainda estamos a pouco mais de 10 meses da eleição presidencial, é claro que esse quadro pode se alterar. Mas parece inegável que o PT chega manifestamente dividido ao final deste terceiro ano do governo Lula. Esse quadro de debilidade petista sugere importantes indagações. Será o PT uma combinação aleatória de tendências políticas sem correspondência com a estrutura de classes do país? Este partido estará fora de combate em 2006? Bastam cinco minutos de reflexão para ver que essas não são hipóteses convincentes.

Choque de interesses internos

O PT vive um dilema, é certo. Uma prova disso é a atuação petista nas renhidas polêmicas a respeito da política econômica e da política exterior do governo Lula. Este partido ainda tenta definir claramente uma posição a favor das forças interessadas no desenvolvimento do país. Há uma nítida divisão nesse sentido. E essa luta existe também dentro do aparelho do Estado — o governo Lula realiza uma política contraditória, que reflete o conflito entre as necessidades de desenvolvimento e as concessões ao capital especulativo. Dadas as condições políticas existentes, essa contradição é até compreensível. Mas o PT, para manter o papel de principal força política do campo progressista, será forçado a definir melhor o rumo.

O Brasil já está em pleno choque de interesses internos. Recrudesce a luta das correntes nacionalistas por soluções patrióticas para os problemas econômicos e financeiros do país e, de outro lado, a oposição dá sinais evidentes de que fez do golpismo a sua principal bandeira política. Ou seja: entramos numa fase de acentuação dos obstáculos ao desenvolvimento do país, fato que forçará as correntes políticas a se definirem por um ou por outro campo. Embora cresça e se firme a luta progressista, ela ainda não se traduziu, efetivamente, num grande movimento capaz de unificar no plano político as diversas correntes que a exprimem.

Sacrifícios aos trabalhadores

Em face da diversidade das correntes e tendências progressistas e nacionalistas, que se identificam por certos objetivos comuns, mas se distinguem por posições ideológicas e políticas diferentes, quaisquer tentativas de adotar formas rígidas de organização e direção poderiam estreitar o alcance do movimento. Amadurece, no entanto, a coordenação das diversas correntes progressistas em função de objetivos comuns, respeitadas as características e a autonomia de cada uma — como ficou demonstrado na recente reunião entre PT, PSB e PCdoB. A realidade parece indicar que o primeiro passo seria definir um conteúdo programático capaz de construir um fator de unidade e aglutinação de diferentes tendências.

O próprio aprofundamento da contradição entre a nação que se desenvolve e a dependência ao imperialismo suscita a necessidade de soluções capazes de unificar a ação política das correntes patrióticas. A indefinição de uma política progressista — ou a sua formulação apenas em termos de slogans gerais — pode conduzir a equívocos como o de identificar a luta pelo desenvolvimento do país com a atual política macroeconômica. Em certa medida, tal equívoco verifica-se agora em um setor do PT, identificado com a gestão de Antônio Palocci no Ministério da Fazenda, que defende subordinar o desenvolvimento do país à dependência ao capital especulativo e solucionar as dificuldades econômicas e financeiras pela imposição pura e simples de maiores sacrifícios aos trabalhadores e ao povo.

Uma premissa perigosa

Para este setor, parece estar havendo uma tentativa retardatária de aggiornamento (modernização), que levou partidos de esquerda, sobretudo europeus, a apresentar resultados catastróficos. Seria uma adaptação ao conservadorismo macroeconômico, que se autodefine como a única via capaz de modernizar o país. É uma premissa perigosa. No Brasil, há um movimento de intolerância da direita para com a “esquerda atrasada”. É uma marcha forçada do pensamento único neoliberal, para quem só existe liberdade e democracia dentro de seus modelos de sociedade — o que lembra as passeatas de 1964, as Marchas com Deus pela Família e Liberdade que saudavam o enterro do comunismo e purgavam temores na doação de alianças de ouro para salvar as finanças da nação.

(No dia 28 de outubro passado, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o yuppie Gustavo Ioschpe escreveu que “essa crise política pode ser um presente para a democracia brasileira: dá a chance de levar de rodo todo um núcleo antidemocrático que danificava o país na oposição e o faz de forma exponencialmente mais grave no poder”.)

É o canto da sereia. Na verdade, a direita rancorosa — cuja expressão política é a dupla PSDB/PFL e cujas teses são amplificadas pela “grande imprensa” — sabe que a união das forças progressistas ameaça o staus quo. O que é aceitável seria uma “esquerda democrática”, que expresse um movimento no sentido de se adequar a um mundo que não é mais aquele do Estado desempenhando papel importante na economia e garantindo os direitos da Constituição de 1988 — considerados pelos neoliberais antiguidades do mundo da brilhantina Gumex e da manteiga Aviação. Por isso, a esquerda tem urgência em diagnosticar corretamente os seus próprios problemas e fazer, com eficiência e justeza, o que deve ser feito. Só assim se avança de verdade.

Projeto de união nacional

A renovação que o governo Lula trouxe produziu o milagre da incorporação de uma esquerda combativa à direção do Estado, coisa jamais vista por estas bandas da Terra. Essa construção política assumiu a iniciativa dos debates e ganhou o direito de ser tratada como um protagonista entre iguais. Daí a intolerância da direita. Os problemas apareceram quando um lado do governo optou por fazer política em nome da “estabilidade monetária” e da “responsabilidade fiscal” — corretamente corrigida pelo vice-presidente da República, José Alencar, para “irresponsabilidade fiscal”. O debate não deve ser enfrentado por aí. Com o governo na condição de vidraça, muitos supõem que a oposição vai deitar e rolar na condição de estilingue. A situação social deverá ser a grande arena no combate eleitoral.

O problema, para a direita, não é apenas que o presidente Lula continua desfrutando de bons índices de popularidade e pode ter o apoio de uma coalizão partidária mais ampla em 2006. É que, para apresentar-se como alternativa programática consistente, ela precisa redefinir todo o campo do debate. Como fará isso? É preocupante constatar que reapareceram fantasmas como o da exacerbação irresponsável de conflitos sociais, o de chantagens parlamentares e até o da instabilidade política. Descartada a possibilidade de o Brasil desandar por causa dos primeiros desvarios da direita — as CPIs revelaram-se um autêntico 171, um estelionato político (a dos Correios obteve o sugestivo número 171 de assinaturas para a sua prorrogação) —, o governo Lula deve se preparar para golpes cada vez mais baixos. O confronto entre “tinistas” e “thembistas” no PT deveria convergir rapidamente para a formação de um projeto de união nacional contra o neoliberalismo.

– Aniversário da Petrobras: o cerco histórico da direita

Getúlio Vargas no Palácio do Catete anuncia a criação da Petrobras  

Por Osvaldo Bertolino

Em 3 de outubro de 1953, exatamente três anos após ter sido eleito para o segundo governo, o presidente Getúlio Vargas sancionou a lei que criou a Petrobras. O anúncio se deu num discurso no Palácio do Catete, a sede do governo, sobre suas principais realizações. “O Congresso acaba de consubstanciar em lei o plano governamental para a exploração do nosso petróleo. A Petrobras assegurará não só o desenvolvimento da indústria petrolífera nacional como contribuirá decisivamente para limitar a evasão de nossas divisas. Constituída com capital, técnica e trabalho exclusivamente brasileiros, a Petrobras resulta de uma firme política nacionalista no terreno econômico, já consagrada por outros arrojados empreendimentos, em cuja viabilidade sempre confiei”, disse.

Na país havia amadurecido a consciência de que o setor energético — especialmente a indústria do petróleo — é peça-chave do desenvolvimento econômico e social. Tanto que o Projeto de Lei que criou o monopólio do setor atingiu amplo consenso, apesar das pressões dos interesses internacionais já no momento da votação no Congresso Nacional.

A Petrobras nasceu como consequência da batalha pelo controle estatal do petróleo, condição fundamental para a defesa da soberania nacional. E, por ter esse simbolismo, nunca foi aceita pelas forças conservadoras, devidamente caracterizadas como entreguistas. Os recentes ataques à estatal, agora mais intensos por conta do pré-sal, são apenas mais um capítulo dessa história

Por trás dos arroubos dos patriotas de ocasião e raivosos publicistas que manifestam “indignação” com a profusão de denúncias oportunistas que envolveram a Petrobras estão questões como a batalha mundial pelo petróleo e, em torno dela, a soberania nacional e a união do Brasil com seus vizinhos. A união energética historicamente representou um dos maiores motivos de integração entre os povos. A União Europeia, para citar um exemplo recente, começou a surgir em 1951 com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Inicialmente, a preocupação básica era o suprimento de energia.

No caso da América do Sul, há um fator que facilita essa integração: os países da região, excetuando Brasil e Chile, têm mais energia do que necessitam. Não há nada mais natural do que vender o excedente a quem precise. Para que esse comércio ocorra, contudo, são necessárias obras gigantescas, que tendem a consolidar a ligação entre os países. Só o gasoduto entre Brasil e Bolívia, para se ter uma base, custou mais de US$ 2 bilhões. Ninguém faria uma obra desse porte se não fosse para ter uma relação de longo prazo. Essa ideia, no entanto, sempre enfrentou forte oposição dos interesses que dominam a economia mundial; a indústria do petróleo, que nasceu no final do século XIX, por ser fonte constante de riqueza se tornou desde cedo essencialmente monopolista.

Monteiro Lobato

No Brasil, a luta pela soberania energética é antiga. A confirmação da existência de petróleo no país foi uma vitória das forças patrióticas e progressistas, que sempre demarcaram campo com os entreguistas. O escritor Monteiro Lobato disse em seu livro O escândalo do petróleo, de 1936, que existiam duas visões geológicas: uma paga para “engazopar” o público, outra para o uso interno dos trustes. Até então, escreveu, o Brasil vivia em regime de compartimentos estanques. A imensa extensão territorial do país e a falta de bons transportes fizeram os brasileiros serem regionais. Nasciam e morriam em um desses compartimentos e quando alguém desejava viajar corria para a Europa. As coisas começavam a mudar graça ao petróleo; o brasileiro já circulava mais, de automóvel ou de avião, e estava descobrindo o Brasil rapidamente. O país estava se transformando em uma grande coisa.

Aquele homenzinho de grossas sobrancelhas percorria o país, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, pregando patriotismo. “Não temos petróleo? Falta-lhe (ao governo) em olhos o que lhe sobra em traidores vendidos aos interesses estrangeiros”, escreveu. Mas, afirmou, “havemos de dar olhos ao Brasil”. “Havemos de obrigá-lo a ver, a convencer-se da existência do gigantesco lençol subterrâneo. Se a fé move montanhas, a convicção rompe o seio da terra e arranca de lá os seus tesouros. Não sei, concluí em uma das minhas pregações, que sacrifício eu não faça para ver meu país arrancado à miséria crônica e elevado ao poder e à riqueza pela força mágica do maravilhoso sangue negro da terra”, asseverou.

Impulsionado por essa ideia, Monteiro Lobato escreveu cartas ao presidente Getúlio Vargas expondo o que considerava a verdade sobre o problema do petróleo no Brasil, que lhe renderia uma prisão. “O petróleo! Nunca o problema teve tanta importância; e se com a maior energia e urgência o senhor não toma a si a solução do caso, arrepender-se-á amargamente um dia, e deixará de assinalar a sua passagem pelo governo com a realização da ‘grande coisa’. Eu vivi demais esse assunto. No livro O escândalo do petróleo denunciei à nação o crime que se cometia contra ela (…). Doutor Getúlio, pelo amor de Deus, ponha de lado a sua displicência e ouça a voz de Jeremias. Medite por si mesmo no que está se passando. Tenho certeza de que se assim o fizer, tudo mudará e o pobre Brasil não será crucificado mais uma vez”, escreveu.

Batalha mundial

A decisão brasileira de nacionalizar suas reservas foi uma resposta aos propósitos dos monopólios que se formaram com a história do imperialismo do século XIX e do início do século XX. Eram tempos de partilhas de mercados, de guerras mundiais, de modificações nas correlações de forças e de soberanias nacionais ameaçadas. Na América Latina, território historicamente cobiçado pelos norte-americanos, o México nacionalizou seu petróleo em 1938 e a Argentina já explorava suas jazidas na década de 1940. Chile e Bolívia encaminhavam-se para o monopólio do Estado.

A formação do bloco socialista tirou do campo de visão dos grupos privados importantes reservas mundiais — um dos quatro maiores lençóis de petróleo, o do Mar Cáspio, passou para as mãos dos povos soviéticos. O drama do petróleo entrava em uma fase nova, marcada pelo avanço da democracia contra o imperialismo. Já naquela época, as concessões abarcavam regiões imensas.

Uma companhia norte-americana era concessionária de toda a Abissínia — hoje Etiópia. Na Arábia Saudita, metade do país estava nas mãos de outras duas empresas dos Estados Unidos. Em 1945, o Paraguai outorgou a uma petrolífera norte-americana concessões que compreendiam dois terços do seu território. Na Venezuela, regiões imensas foram entregues às companhias norte-americanas e inglesas. Os Estados Unidos controlavam mais de 80% do petróleo do mundo capitalista, cerca de 70% de toda a produção mundial. Em muitos países, como a Venezuela, populações miseráveis vegetavam em torno de poços riquíssimos.

A luta pelo petróleo nacional, portanto, brotou em plena batalha mundial pelas reservas petrolíferas. Era uma questão que requeria a união do povo brasileiro e um governo minimamente comprometido com a independência nacional. Apoiada na tenacidade dos pioneiros — como Monteiro Lobato —, e fortalecida pelo esclarecimento das campanhas do Partido Comunista do Brasil, com ampla mobilização esdudantil organizada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), a palavra de ordem O petróleo é nosso abriu caminho entre todas as barragens e emergiu como um grande movimento popular em defesa da soberania nacional.

Além da mobilização popular e das denúncias na tribuna do Congresso Nacional, os comunistas apresentaram três projetos sobre o petróleo. De autoria do deputado Carlos Marighella, o primeiro — subscrito por Maurício Grabois, Gregório Bezerra, Henrique Oest, José Maria Crispim, Jorge Amado, Abílio Fernandes e Diógenes Arruda Câmara — dizia que “as jazidas de petróleo e gases naturais existentes no território nacional pertencem à União, a título de domínio privado imprescindível”. Ou seja: só brasileiros poderiam pesquisar e lavrar petróleo e gás.

O segundo — não há registro conhecido de subscrição — declarava de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo. Isto é: a produção, importação, exportação, refino, transporte, construção de oleoduto, distribuição e comércio seriam exclusividade de empresas de capital nacional, com 51% das ações em poder do Estado.

O terceiro projeto de Marighella — subscrito por Maurício Grabois, Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Henrique Oest, Gregório Bezerra, Gervásio Azevedo, Jorge Amado e Abílio Fernandes — criava o Instituto Nacional do Petróleo, entidade autárquica com ampla competência. Além destes três projetos, Abílio Fernandes apresentou outro, em nome da bancada comunista, regulamentando a aplicação dos artigos 152 e 153 da Constituição de 1946, relativos às minas e demais riquezas do subsolo.

Segundo o projeto, “os decretos de concessões de petróleo e de autorizações de lavra” seriam “conferidos exclusivamente a brasileiros ou sociedades organizadas no país”. As propostas pararam na Comissão de Constituição e Justiça e o assunto passou a ser monopolizado por uma nova legislação que seria enviada ao Congresso pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. A concretização do monopólio estatal do petróleo, contudo, só viria no segundo governo do presidente Getúlio Vargas.

Ao longo dos debates, ficou evidenciada a importância da “batalha pelas reservas”. O deputado comunista Pedro Pomar disse na tribuna da Câmara que o problema fundamental do Brasil era produzir petróleo para o consumo doméstico e assegurar reservas para qualquer emergência. Segundo Pomar, os brasileiros não podiam ficar à mercê da política agressiva e provocadora de guerra dos norte-americanos.

Pai dos neoliberais

Desde cedo, os defensores da posse do petróleo pelo Estado compreenderam a importância dessa bandeira para o desenvolvimento nacional e a defesa da soberania do país. O petróleo é a base principal da economia e do poder do Estado nacional. Por ter essa importância, os entreguistas brasileiros nunca aceitaram a Petrobrás.

Nos anos 1940-1950, as ações para impedir a posse estatal do petróleo tinham muito a ver com o desdobramento do dramático episódio conhecido como “Guerra do Chaco”, tramada pela Standard Oil. No seu final, o Brasil assinou os Tratados de 1938 pelos quais ganhou uma região para pesquisar petróleo. O governo brasileiro havia construído a estrada de ferro Corumbá-Santa Cruz de la Sierra e recebeu a “área de estudo” como pagamento. O acordo seria desfeito em 1955, quando o governo do presidente Café Filho devolveu a área ao governo boliviano, que seria repassada à Standard Oil.

No caminho estava o pai dos neoliberais brasileiros, Eugênio Gudin, ministro da Fazenda. Ele se recusou a liberar os recursos necessários já aprovados no Congresso e destinados ao reinício das atividades do Conselho Nacional do Petróleo na região subandina boliviana. A mídia, que no Brasil combatia ferozmente o monopólio estatal do petróleo, saudou a atitude de Gudin como um gesto de “coragem e bom senso”. Em La Paz, o procedimento foi o mesmo. Festejaram, assim, o entreguismo brasileiro-boliviano, na pessoa de Gudin.

O alvo era a Petrobrás, que surgia como desmentido aos que só acreditavam nas maravilhas da iniciativa privada. Os monopólios privados sabiam que a estatal era a solução certa para o problema do petróleo brasileiro e que seria a base econômica-financeira do desenvolvimento nacional. Foi assim que começou a primeira campanha contra a Petrobras.

No início da década de 1960, no entanto, o monopólio estatal foi reforçado com a incorporação da importação de petróleo e da distribuição de derivados. A integração de todas as fases da indústria petrolífera — exploração, produção, transporte, refino e distribuição — no regime de monopólio permitiu ao país controlar a totalidade do seu petróleo. O setor evoluía em um ambiente iluminado pelo debate democrático e parecia intocável, apesar do assédio incessante das multinacionais.

Contratos de risco

Com a chegada do regime golpista de 1964, foram criadas as condições para a volta dos ataques privatistas. Já em 1965, a ditadura militar promulgou três decretos-lei: um que restituiu as refinarias estatizadas aos seus antigos proprietários e outros dois que retiraram a petroquímica e o xisto do monopólio estatal.

Em 1970, contrariando a essência da lei que instituiu o monopólio, a direção da Petrobras, cumprindo decisão do governo, reduziu o esforço exploratório, o que comprometeria o objetivo de atingir a auto-suficiência nacional. “A auto-suficiência no campo do petróleo, por mais desejável que seja, não é a missão de base da empresa”, declarou o então presidente da Petrobras, general Ernesto Geisel.

Ao mesmo tempo, a ditadura flertava com as multinacionais do setor. O primeiro resultado foi a associação da Petrobras à Mobil Oil e à National Iranian Oil Company para formar a Hormoz Petroleum Company, com atuação no Irã. Em outubro de 1975, Geisel, agora presidente da República, disse que as empresas multinacionais estavam autorizadas a explorar petróleo no Brasil, anunciando a adoção, pelo governo brasileiro, dos “contratos de ricos”.

Quatro anos depois, em dezembro de 1979, um telex da Presidência da Republica determinou à Petrobras a criação das condições necessárias à participação das multinacionais também na fase de produção. O objetivo era tornar os “contratos de risco” mais atrativos. No entanto, o país entrara na fase de lutas pela redemocratização e a decisão da ditadura provocou protestos.

Em manifesto de 28 de fevereiro de 1980, os sindipetros (sindicatos de petroleiros) disseram: “Estamos levantando a bandeira do ‘Petróleo é nosso!’, não pelo simples prazer de uma nova luta, mas pela vontade de preservar tudo o que foi conquistado com suor e sangue de nosso povo.”

Uma resolução das associações de geólogos de alguns estados e da Sociedade Brasileira de Geologia, dizia: “Conclamamos todos os colegas, principalmente aqueles que trabalham na Petrobras e outras empresas públicas, os sindicatos e associações profissionais, os parlamentares e todos os setores sociais do país para que retomemos juntos a luta: pela abolição dos contratos de risco; pela restauração integral do monopólio estatal do petróleo através da Petrobras; pelo controle da população sobre os recursos minerais e energéticos.”

De 1977 a 1988, foram assinados 243 “contratos de riscos”, que resultaram em 79 poços perfurados, em uma área de 1,5 milhão de quilômetros quadrados (superior à dos territórios da Inglaterra, Itália, Japão, Suiça, Grécia e Portugal juntos), e investimentos de US$ 1,25 bilhão, dos quais ingressaram no país US$ 350 milhões. Um resultado pífio. A Petrobras, no mesmo período, aplicou US$ 26 bilhões, perfurou 8.203 poços e descobriu os campos gigantescos de Marlin, Albacora e Barracuda — além de outros localizados onde vigoraram “contratos de risco”, nas áreas Sul-Tubarão, Estrela do Mar, Coral e Caravela.

Petrobras dividida

No governo do presidente Fernando Collor de Mello, surgiu a proposta do “Emendão”, uma tentativa de alterar a Constituição pela qual ele jurou fidelidade, que incluía a possibilidade de quebra do monopólio estatal do petróleo. O coordenador do Programa Nacional de Desestatização e presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Eduardo Modiano, disse que era possível reverter a tendência majoritária no Congresso Nacional contra a privatização da Petrobras. “Isso depende de emenda constitucional, mas acho que parlamentares e sociedade se sensibilizarão com o sucesso do programa de privatização e, aí, será viável a privatização da Petrobras”, declarou. A proposta recebeu, de pronto, o apoio do ministro do Planejamento, Paulo Haddad.

A ideia seria enterrada pelo presidente Itamar Franco, que declarou, em reunião com representantes da UNE, que a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce não seriam privatizadas. “Enquanto eu for presidente essas estatais não serão privatizadas”, declarou. Contudo, quando Fernando Henrique Cardoso (FHC) assumiu o Ministério da Fazenda o assunto voltou à baila. “Esse assunto (a privatização da Petrobras) depende do Congresso, porque trata da questão do monopólio”, afirmou.

No governo FHC, a ideia de privatizar a Petrobrás surgiu oficialmente em 1996 quando Luis Carlos Mendonça de Barros, então presidente do BNDES — um tucano de alta plumagem —, desceu do muro para colocar o guizo no pescoço do gato. Era uma voz que deveria ser levada a sério; ele foi um daqueles baluartes da tribo que ajudava a manter no exílio gente como FHC e José Serra. A privatização não se concretizou, mas a aprovação da Emenda Constitucional nº 9, em 9 de novembro de 1995, quebrou o monopólio estatal e iniciou o processo de abertura da indústria petrolífera e gasífera no Brasil.

O primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva interrompeu o processo de esfacelamento que estava sendo preparado pelos tucanos para vender a Petrobras, de acordo com José Sérgio Gabrielli, que assumiu a presidência da estatal. “A Petrobras estava sendo dividida em partes, estava em processo de esfacelamento. Eu acho que a empresa teria sido vendida se nós não tivéssemos interrompido esse processo”, disse ele. A Petrobras só alcançou tantos resultados (auto-suficiência em petróleo, anunciada em 21 de abril de 2006)) porque não foi parar no “balcão das privatizações”, destacou.

Era dos dividendos

Lula falou sobre a sensação de presenciar essa conquista da estatal. “Eu acredito que ser brasileiro, conhecer a história da Petrobras e viver o 21 abril de 2006 como eu vivi, eu acho que é uma dádiva de Deus”, afirmou. O presidente lembrou as críticas que a estatal enfrentou no decorrer de sua história. “Eu sei que a Petrobras desde 1953, com o decreto de Getúlio Vargas, foi vítima de críticas daqueles pessimistas que gostam de criticar tudo, daquele mesmo que disse que a Petrobras não ia dar certo”, comentou. Com a descoberta do pré-sal, a condição estratégica da Petrobras como esteio da soberania nacional foi elevada a um patamar nunca imaginado e ainda não totalmente dimensionado.

Após o gole de 2016, com a fraude do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a investida da direita impôs toque de silencio sobre o desmonte da Petrobras. Surgia a era dos dividendos como nova forma de saque, uma ofensiva que se utilizou das conhecidas fraudes da Operação Lava Jato. Com a volta de Lula à Presidência da República em 2023, iniciou-se a recuperação da empresa e a restauração da política de preços “abrasileirada”, sob ataque da mídia cartelizada que se reveza na artilharia, usando munições bem conhecidas desde o início da batalha pelo petróleo no Brasil.

São velharias requentadas que compõem o arcabouço das ideias que negam iniciativas do governo para a retomada dos investimentos, como o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a reindustrialização do país, a volta da indústria naval e a retomada das refinarias. Tudo revestido de adjetivações agressivas para desqualificar sobretudo o presidente Lula, um festival de impropérios que atinge todos os que de alguma forma se identificam com o desenvolvimento nacional.

– Guerrilha do Araguaia: o burro que comia jornais

Por Osvaldo Bertolino

Outra torpeza. Assim é o mais recente ataque do jornalista Leonencio Nossa ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e à minha biografia de Maurício Grabois, publicado no jornal O Estado de S. Paulo neste sábado (2). Carregado de agressões gratuitas, o texto parece ter sido escrito como vingança tardia a uma contestação que fiz sobre falsificações publicadas por ele no mesmo jornal em 6 de maio de 2013, parte da coletânea do meu livro Guerrilha do Araguaia – fatos, verdades e histórias.

Na época, flagrei seus erros no jornal e apontei distorções primárias em seu livro Mata!, também sobre o assunto. “A começar pela citação de informações sem revelar a fonte, como é o caso da origem da família Grabois, pesquisada por mim para a biografia do comandante militar da Guerrilha do Araguaia intitulada Uma vida de combates. Há evidências de que ele usou também informações do documentário Araguaia – a Guerrilha vista por dentro, igualmente sem citar a fonte”, escrevi. A denúncia motivou uma ligação dele para tentar me explicar o inexplicável.

Leia também:

A morte e a dignidade de um camponês do Araguaia

Para atacar o PCdoB, Estadão adultera a história

Leonencio Nossa e a biografia de Roberto Marinho

Neste artigo, Leonencio Nossa se utiliza de mais um embuste ao dizer, já no título, que “a China abandonou guerrilheiros no Araguaia para se aliar à ditadura”. Depois de afirmações desconexas e óbvias, como a de que o principal parceiro comercial do Brasil “vive momento de desaceleração econômica e mantém relação pragmática e foco nos negócios, que hoje se concentram na compra de commodities”, ele engata a falácia de que “um grupo de militantes do Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, foi convidado pelo regime de Mao Tsé-Tung, nos anos 1960, para treinar guerrilha na Academia Militar de Pequim”.

Não foi convite “do regime”, tampouco treinamento de guerrilha. Curso político-militar é outra coisa, bem diferente. Feito a pedido do PCdoB em Nanquim, não em Pequim. Além do desconhecimento dessa premissa básica, Leonencio Nossa se mostra, mais uma vez, péssimo analista de história. “Num idioma e numa cultura completamente diferentes, os brasileiros tiveram mais aulas de política internacional que de tiros e emboscadas. O anfitrião liderara, décadas antes, uma Longa Marcha a partir do interior chinês e vencera uma guerra civil que implantou o comunismo”, escreve, concentrando uma quantidade espantosa de desinformações em duas frases medíocres.

Parecer do Itamaraty

Aparentando escrever do que não sabe, como a repetição da invectiva sobre “guerrilha maoista” no Araguaia, ele chega a devaneios como o de que “Pequim não formou homens para guerra na selva”. E afirma que “o apoio da China à guerrilha começou a se esfacelar quando os diplomatas do país procuraram o Itamaraty para abrir mercado”, possivelmente tentando se apoiar na afirmação de que, ao defender a reaproximação com a China, um parecer do Itamaraty citou Maurício Grabois como integrante da “subversão” que tinha a República Popular da China como influenciadora, destacando que os chineses se comprometeram a não interferir na política interna.

Há uma farta documentação da época, utilizada em minhas biografias de Maurício Grabois e de Pedro Pomar, comprovando que a Guerrilha do Araguaia foi um movimento gestado e realizado por iniciativa do Partido Comunista do Brasil, reforçado pelos estudos das experiências revolucionárias na Rússia, na China, no Vietnã e em Cuba. Há uma teoria histórica, filosófica e política, que explica a Guerrilha. Mas isso é demais para Leonencio nossa, não à toa reincidente em grosserias como essas.

A coisa fica pior quando ele chega ao ataque à minha biografia de Maurício Grabois. “A biografia dele, feita dentro do partido, registra um equívoco em sua primeira edição (sic) ao dizer que a infantaria o teria matado”, escreve, tentando desqualificar a obra com a versão falsa sobre a sua origem e omitindo despudoradamente o autor, além de não citar a descrição minuciosa que fiz da operação que resultou em sua morte na publicação de 2012.

Nesse ponto, Leonencio Nossa parte para a baixaria sem freios. Diz que “o livro ainda registra que o comunista nascido em Campinas era de Salvador”, valendo-se de um dado incorreto, corrente quando a versão resumida circulou em 2004, e sonegando a informação de que, na obra completa, de 2012, esse fato foi por mim pela primeira vez devidamente esclarecido. E agride: “Leitor de Albert Camus, Grabois preferia o Estadão às publicações comunistas para se informar. Merecia um perfil decente, tipo tijolaço.” O que vem depois é um festival de desinformação e de propaganda contra a China e o PCdoB, bem condizente com a sua reincidência em grosserias.

Lenda do escravo

O jornalismo já foi definido, quando o jornal surgiu com força, como língua de papel, algo que lembra a lenda do escravo, de Esopo. A língua, bem utilizada, é, realmente, a maior das virtudes. Mas relegada a planos inferiores, se transforma no pior dos vícios. Com ela, as verdades mais santas, por ela mesma ensinadas, podem ser corrompidas.

Benjamim Constant, professor e estadista brasileiro, considerava o jornal um dos mais poderosos explosivos do século XIX. Mas houve também quem lhe deu o nome de “toalha da civilização”. Como qualquer instrumento, o jornalismo pode ser utilizado para o bem ou para mal.

O cronista Humberto de Campos conta uma historieta em que um engenheiro do Nordeste ensinou seu burro a comer jornal e que, por esse modo, conseguia atravessar a região devastada pela seca. Pela manhã, dava ao animal um exemplar do Jornal do Brasil e a tarde um do Pais. Um dia ele apareceu sem o burro. Indagado sobre a causa da morte do animal, respondeu que ele morrera de indigestão depois de comer um exemplar do Jornal do Comércio, edição de Natal.

Se alguém tiver ideia semelhante, que tome o cuidado de não levar o exemplar do Estadão com o artigo de Leonencio Nossa.

– A vida de combates de Maurício Grabois

Por Osvaldo Bertolino

O dia 2 de outubro de 2024 assinala a passagem dos cento e doze anos de nascimento de Maurício Grabois, um dos principais pilares da história do Partido Comunista do Brasil. Nascido na cidade paulista de Campinas e acidentalmente registrado pela segunda vez em Salvador (BA), era filho de judeus vindos da Ucrânia fugindo das perseguições antissemitas e dos castigos da guerra do Império Russo com o Japão.

Em 1930, Maurício Grabois desembarcou no Rio de Janeiro para fazer o “Curso Anexo” da Escola Militar do Realengo, onde ingressou em 1931. Mandado para o 1º Regimento de Infantaria em 1932, neste mesmo ano integrou-se à Federação da Juventude Comunista e logo assumiu a direção nacional de comunicação da organização. Por esta porta, Maurício Grabois entrou para o Partido Comunista do Brasil, à época com a sigla PCB.

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No Levante da Aliança nacional Libertadora (ANL) de 1935, Maurício Grabois estava no olho do furacão. Em seguida, mergulhou na clandestinidade para ajudar a manter o fio que sustentaria o mínimo de organização do Partido Comunista do Brasil — o jornal A Classe Operária. Mesmo nos tempos mais duros da repressão do Estado Novo, ele e mais alguns jovens intrépidos — entre eles, Amarílio Vasconcelos — mantiveram na ativa o órgão central do Partido.

Com a prisão de todo o Comitê Central, Maurício Grabois e Amarílio Vasconcelos começaram a articular a Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP), que seria integrada, mais tarde, por João Amazonas e Pedro Pomar, vindos do Pará; Diógenes Arruda Câmara, vindo da Bahia; e Luis Carlos Prestes, que estava na prisão. O objetivo era reorganizar o Partido Comunista do Brasil, meta alcançada com a realização da Conferência da Mantiqueira, em 1943.

Delegação na URSS

A vitória da democracia na Segunda Guerra Mundial criou as condições para o fim da estrutura do Estado Novo. Maurício Grabois e seus camaradas organizaram um grande movimento de massas que conquistou a anistia aos presos políticos — entre eles, Prestes —, a convocação da Assembleia Nacional Constituinte e a realização de eleições em 2 de dezembro de 1945.

Em 1º de fevereiro, ele e mais quatorze deputados, além do senador Luis Carlos Prestes, entraram no Palácio Tiradentes, no Distrito Federal — Rio de Janeiro, à época —, para tomar posse como constituintes eleitos. Quase oito meses depois, o país recebeu a Constituição que enterrou os entulhos do Estado Novo. Imediatamente depois, Maurício Garbois assumiu a liderança da bancada comunista na Câmara dos Deputados e liderou uma batalha gigantesca contra o que ele chamava de “restos fascistas”. Nesse período, escreveu intensamente para desmascarar as manobras anticomunistas. Além da Tribuna Popular, propôs o relançamento d’A Classe Operária, o que ocorreu em 9 de março de 1946.

Ao final da refrega iniciada logo nos primeiros dias de 1946, o Partido Comunista do Brasil perdeu seu registro legal no Tribunal Superior Eleitoral e todos os comunistas eleitos foram cassados. Em meados de 1955, Maurício Grabois chefiou o terceiro grupo, de 51 integrantes, que fez um curso de duração de mais de um ano em Moscou, ministrado pela Escola Superior do Comitê Central do Partido Comunista da União Soviética (PCUS).

Caminho da luta armada

Em 1960, no processo do V Congresso, ele iniciou a série de artigos de um grupo que recusou a revisão da linha revolucionária do Partido Comunista do Brasil, iniciada com a publicação da Declaração de Março, em 1958. Maurício Grabois foi o primeiro a escrever e deixou bem claro que havia no Partido Duas Concepções, Duas Orientações Políticas — título do seu artigo inicial.

Na Tribuna de debates, publicada no jornal Novos Rumos, cristalizaram-se duas posições antagônicas: de um lado ficaram, além de Maurício Grabois, entre outros, João Amazonas, Pedro Pomar, Carlos Nicolau Danielli e Ângelo Arroyo; de outro, estavam nomes como Luis Carlos Prestes, Mário Alves e Jacob Gorender. A polêmica evoluiu para a criação do Partido Comunista Brasileiro e a reorganização do Partido Comunista do Brasil — agora um PCB e outro PCdoB.

A chegada do golpe de Estado em 1964 fez com que o PCdoB optasse pelo caminho da luta armada. Maurício Grabois, João Amazonas, Ângelo Arroyo e Elza Monnerat foram para a selva do Araguaia, no Sul do estado do Pará, preparar a implantação de um núcleo do que seria a guerra popular. Além das tarefas práticas, Maurício Grabois e João Amazonas escreveram os estratégicos textos Atualidade do pensamento de Lênin Cinquenta anos de Luta — o primeiro uma crítica à tese do “Pensamento de Mao Tse-tung” como “nova etapa do marxismo” e o segundo um retrospecto das atividades ininterruptas do Partido Comunista do Brasil.

Para João Amazonas, Maurício Grabois foi o grande amigo, o grande camarada. “O Maurício Grabois foi um dos maiores propagandistas que o Partido já teve, um homem de muitas ideias”, afirmou. Em sua sala, na velha sede nacional do PCdoB na Rua Major Diogo, em São Paulo, João Amazonas conservava um quadro com a foto de Maurício Grabois em posição mais destacada entre outras referências comunistas. Ele também lembrou da constituinte de 1946, “na qual Maurício Grabois teve uma presença de espírito muito grande”.

Engraçado e pessoa distinta

Nas entrevistas que fiz para o livro Maurício Grabois — uma vida de combates, a admiração por ele foi unânime. Segundo Renato Rabelo, ex-presidente nacional do PCdoB e da Fundação Maurício Grabois, João Amazonas lembrava dele em tudo. “Era, na opinião dele, talvez o maior dirigente que o Partido teve”, disse. “Eles deviam ter uma ligação de amizade muito forte”, afirmou.

Edíria Carneiro, a companheira de João Amazonas, ao buscar na memória lembranças de Maurício Grabois estampava no rosto um semblante de carinho e bom humor. “Ele era muito engraçado”, disse ela, com o pensamento longe. Armênio Guedes, que morou com ele nos tempos da revista Continental, dos anos 1940, lembrou: “Era de um temperamento afável no trato com as pessoas, um sujeito de muita compreensão com o lado humano do militante. O Grabois e o Amarílio eram educados, não eram mandonistas.”

Do mesmo modo, Jacob Gorender lembrou de Maurício Grabois com reverência. “Tenho dele as melhores recordações. Era afável, fácil de se conversar. Foi um grande camarada, isso é fora de dúvida”, disse. Na sala de sua residência repleta de livros, de pé na porta, com a entrevista já encerrada, Gorender disse: “Não esqueça de registrar minha grande admiração por Maurício Grabois. Foi uma pessoa distinta. Estivemos em campos diferentes, mas isso nada tem a ver com sua integridade, simpatia e camaradagem.”

Atividade político-ideológica

Diógenes Arruda Câmara, em artigo publicado no jornal A Classe Operária de setembro/outubro de 1978, disse que “considerável foi sua atividade, tanto político-ideológica como prática, no trabalho de reorganização marxista-leninista do Partido de 1961 a 1962, contribuindo de forma destacada, juntamente com o camarada Amazonas, para o esclarecimento de importantes problemas da revolução brasileira e na elaboração do Programa do Partido, aprovado na Conferência Nacional Extraordinária de fevereiro de 1962”.

Sobre a atuação de Maurício Grabois na Guerrilha do Araguaia, Arruda afirmou: “Ali esteve desde os primeiros momentos, ali conviveu com as massas exploradas e oprimidas e sentiu sua grande revolta, ali atuou abnegadamente ombro a ombro com todos os camaradas, ali colaborou na elaboração de valiosos documentos políticos e militares, ali comandou as Forças Guerrilheiras do Araguaia, ali tombou como um bravo. Caiu com glória, caiu de arma na mão naquele campo de batalha da luta de classes, no Araguaia — ponto alto da referência da luta revolucionária e libertadora de nosso povo.”

Maurício Grabois e a Constituição democrática de 1946

Por Osvaldo Bertolino

Em 18 de setembro de 1946, a primeira Constituição brasileira de perfil amplamente democrático foi promulgada. Era uma quarta-feira, data da tomada de Camaiori, a primeira vitória da Força Expedicionária Brasileira (FEB) na Segunda Guerra Mundial dois anos antes, a pedido da “Associação dos ex-combatentes”. Após a solenidade de abertura daquela última sessão, os constituintes foram chamados, um a um, para assinar a nova Constituição. Era um momento solene, de emoção para a bancada comunista.

Falando à Agência Nacional, o senador Luiz Carlos Prestes, líder máximo do Partido Comunista do Brasil – à época, com a sigla PCB –, disse que aquele era um momento de grande satisfação para a bancada comunista e para todos os membros do Partido Comunista do Brasil. “Saímos do regime dos decretos-leis, de falta de garantias para os cidadãos e entramos, assim, no regime da lei, em que o Poder está em condições de garantir os direitos dos cidadãos e fazer justiça”, afirmou. “Para nós, é um momento de festa, porque é o resultado de muitos anos de luta e sacrifícios pela democracia. Somos insuspeitos para nos manifestar sobre a Constituição. Votamos contra o primeiro projeto, contra a maioria das emendas apresentadas e propostas. A Carta constitucional que hoje adotamos, cremos que não está à altura das aspirações e necessidades do nosso povo, mas é uma Carta democrática”, avaliou.

Mesmo com as ressalvas, o PCB seria um defensor intransigente do seu rigoroso cumprimento, concluiu Prestes. Carlos Marighella também falou à Agência Nacional. Segundo ele, apesar da rejeição da maioria das emendas apresentadas pela bancada comunista, com a nova Constituição o país saía oficialmente do regime de opressão, do arbítrio dos ditadores. Jorge Amado igualmente manifestou sua opinião à Agência Nacional. “A bancada comunista concorreu com seu esforço para a Constituição, defendendo o Programa Mínimo com que se apresentou ao eleitorado. E apesar de que a Constituição hoje promulgada ainda não é aquela que o povo reclama é, no entanto, mais um passo na consolidação da democracia. Por isso mesmo, os comunistas serão seus maiores e mais intransigentes defensores.”

A bancada comunista apresentou, em todo o processo constituinte, cento e oitenta emendas e uma grande quantidade de requerimentos. A atuação dos constituintes do PCB centrou-se basicamente na defesa da democracia, dos direitos trabalhistas e sociais, das liberdades políticas e individuais — com destaque para a liberdade partidária, sindical e religiosa — e da soberania nacional.

O presidente da República, Eurico Gaspar Dutra, pronunciou um discurso saudando a nova Carta. “Todos esperamos que a estrutura de governo que ele (o regime democrático) estabelece, vivificada pelo gênio político da nossa gente, venha a ser um instrumento hábil para que os brasileiros realizem a sua vida comum, alcançando o bem-estar coletivo e beneficiando-se de fecunda paz social”, disse ele a certa altura.

Segundo Maurício Grabois, os quinze “representantes do povo” honraram seus mandatos, travando duros embates com os reacionários que queriam impingir uma Carta constitucional fascista ao povo. Citou o Programa Mínimo de União Nacional defendido pelos constituintes do PCB e a luta pelo parlamentarismo e pela autonomia dos municípios, “negada vergonhosamente pelos demais partidos”. Mesmo com essas limitações, o povo deveria defender intransigentemente a nova Constituição, recomendou.

Pleno da Vitória

A luta dos comunistas pela Assembleia Nacional Constituinte vinha dos combates ao regime do Estado Novo de 1937, quando o governo do presidente Getúlio Vargas outorgou o que o PCB considerou uma Constituição parafascista. Quando a ideia ganhou força, os comunistas defenderam eleições presidenciais após a aprovação da nova Constituição, que sairia da Assembleia Nacional Constituinte.

Essa posição foi oficializada no “Pleno da Vitória”, como ficou conhecida a primeira reunião legal da direção nacional depois de vinte e três anos de vida clandestina, realizada entre 7 e 12 de agosto e de 1945. Em telegrama a Getúlio Vargas, cujo texto fora aprovado no Pleno, o PCB pediu uma reforma da Lei Constitucional que havia sido promulgada pelo presidente da República “a fim de colocar o problema da reconstitucionalização democrática da nação nos seus verdadeiros termos, através de um decreto que convoque no menor prazo a Assembleia Constituinte, como a maneira mais acertada e segura de derrotarmos política e moralmente o fascismo e garantirmos, ampliarmos e consolidarmos o progresso e a democracia para nossa pátria”.

Informe Político apresentado por Prestes delineou a proposta, segundo ele uma sugestão da Comissão Executiva do Partido. “Reclamamos a convocação de uma Assembleia Constituinte, em que os verdadeiros representantes do povo possam livremente discutir, votar e promulgar a Carta Constitucional que pede a nação”, diz o texto, que reprovou a ideia de eleições presidenciais com a Constituição golpista de 1937 em vigor. “O governo que aí temos é um governo de fato e qualquer eleição presidencial, enquanto estiver em vigor a Carta de 1937, inaceitável para qualquer patriota consciente, nada mais significa do que a simples mudança de homens no poder, a substituição de um governo de fato por outro governo de fato, igualmente armado dos poderes vastos e arbitrários que confere ao Executivo a referida Carta”, lavrou o Informe.

A ameaça de entregar uma Constituição discricionária de brinde ao presidente eleito, por meio da vigência sem reforma do Ato Adicional assinado por Getúlio Vargas em 28 de fevereiro de 1945 instituindo as eleições, era agravada pelos dois candidatos que se apresentaram para a disputa da presidência da República: o general Eurico Gaspar Dutra, que segundo João Amazonas fora um dos assinantes da Carta fascista de 1937, e o brigadeiro Eduardo Gomes. Segundo o Informe apresentado por Prestes, era evidente o desinteresse popular pelas duas candidaturas que traziam a marca de uma politicagem sem princípios, em que predominavam os interesses e paixões pessoais, servindo apenas para dividir o povo e dificultar o processo de organização das agremiações políticas.

Grabois, que seria o principal líder da campanha popular pela Constituinte, disse em comício dia 21 de agosto de 1945 em frente à estátua de Rio Branco, na Esplanada do Castelo na Esplanada do Castelo que o avanço da democracia dependia de amarras jurídicas e políticas que dessem consistência ao arcabouço institucional que sustentaria a democracia no país.

Ou seja: uma Assembleia Nacional Constituinte livremente eleita no menor prazo possível, conforme definiu o “Pleno da Vitória”. “Por quê? O partido Comunista do Brasil lança esta palavra de ordem, a Assembleia Constituinte livremente eleita no menor prazo possível porque quer que o Brasil marche realmente para a democracia. A verdade, como já disse o camarada Luiz Carlos Prestes, é que não se trata de substituição de um homem por outro, de um governo de fato por outro governo de fato. A verdade é que, para marcharmos para a democracia, temos de pôr de lado a Carta de 10 de novembro, Carta reacionária, outorgada contra a vontade do povo”, explicou.

A própria segurança de uma eventual Assembleia Nacional Constituinte estaria em risco com a vigência da Constituição de 1937, disse Grabois, que conferia ao presidente da República a prerrogativa de dissolver o parlamento quando bem entendesse. “Apelo, portanto, para todos os intelectuais democráticos e antifascistas, para os burgueses progressistas, homens e mulheres, jovens e velhos, para o próprio proletariado e para o povo em geral, no sentido de que todos nós, fortemente unidos, lutemos com todas as nossas forças pela eleição de uma Assembleia Constituinte livremente eleita no menor prazo possível”, afirmou.

O apelo era dirigido também ao governo, que deveria reforçar seu perfil democrático para estreitar as margens dos saudosistas do Estado Novo abrigados em seu interior. “O governo, por sua vez, precisa colocar-se novamente ao lado do povo, decretando a medida da Assembleia Constituinte. Para isso, sem dúvida, o governo precisa fortalecer-se com homens de prestígio popular, precisa transformar-se num governo de confiança nacional que, inclusive, terá meios bastantes, sob as condições que de fato se estabelecerão, para vibrar golpes certeiros na inflação e na carestia de vida, no emperrado problema da terra”, destacou.

Desprendimento de Getúlio Vargas

Vargas também estava em campanha pela Constituinte. Falando em um comício do movimento “queremista”, organizado por seus partidários em 3 de outubro de 1945 no Largo da Carioca, ele disse que vinha “recebendo de todos os recantos do país, através de telegramas, cartas e notícias de comícios públicos, insistentes apelos, agora reiterados pelo povo da capital federal naquela demonstração impressionante, para convocar uma Constituinte com poderes expressos para elaborar nova carta básica da organização política do país, isto é, uma nova Constituição”.

Poucos dias antes, o embaixador dos Estados Unidos, Adolf Berle Júnior, havia incitado um golpe de Estado em discurso pronunciado na cidade de Petrópolis. Getúlio Vargas ouviu um orador comentar o assunto no comício antes da sua fala, dizendo que “nenhum diplomata estrangeiro tem o direito de interferir na nossa vida política”. “E isso porque nenhum diplomata brasileiro nunca protestou contra as discriminações raciais americanas”, arrematou. Em seu discurso, Getúlio fez menção ao caso, sem citá-lo diretamente. “Sem dúvida, a eleição de uma Constituinte é um processo democrático, em perfeito acordo com as nossas tradições. Assim se fez em 1891, assim se fez em 1934, não precisamos, para isso, ir buscar exemplos nem lições no estrangeiro. Possuímos também a nossa tradição de democracia política, étnica e social”, disse.

Getúlio mostrou desprendimento para buscar uma solução ao impasse político que se acirrava. “Perante Deus, que é o supremo juiz da minha consciência, perante o povo brasileiro com o qual tenho deveres indeclináveis, reafirmo que não sou candidato e só desejo presidir eleições dignas da nossa educação política, entregando o governo ao meu substituto legalmente escolhido pela nação. Mas, se para realizar as aspirações do povo em relação à Constituinte e abrir com a sua convocação novas possibilidades a uma melhor solução do problema eleitoral, que julgam não estar colocadas em bases democráticas, dissipando assim dúvidas e conciliando todos os brasileiros, for necessário o meu afastamento do governo não hesitarei em tomar essa resolução espontaneamente, com o ânimo sereno de quem cumpre um dever até o fim”, discursou.

O presidente finalizou sua fala em tom de denúncia. “Devo acrescentar que atravesso um momento dramático da minha vida pública e que preciso falar ao povo com prudência e lealdade. A convocação de uma Constituinte é um ato profundamente democrático que o povo tem o direito de exigir. Quando a vontade do povo não é satisfeita, ficam sempre fermentos de desordem e revolta. E nós precisamos resolver o nosso problema político dentro da ordem e da lei. Devo dizer-vos que há forças reacionárias poderosas, ocultas umas, ostensivas outras, contrárias todas à convocação de uma Constituinte. Posso afirmar-vos que, naquilo que de mim depender, o povo pode contar comigo. Quero terminar apresentando-vos os meus agradecimentos por esta demonstração cívica de alta significação. Ela bem demonstra que o povo brasileiro possui educação cívica, sabe o que quer e sabe para onde vai. Diante dessa manifestação, que considero como uma delegação da vontade popular, me sinto largamente compensado das agruras que tenho sofrido por servir com devotamento ao povo brasileiro.”

Fantásticas mobilizações

Dois dias depois, o Secretariado Nacional reuniu-se na sede do PCB, na Rua da Glória número 52, para debater o assunto. Grabois disse que a fala de Getúlio foi uma vitória do povo. “O discurso do presidente Vargas, por ocasião da manifestação de 3 de outubro, foi a primeira grande vitória do povo na sua luta organizada pela convocação das eleições para uma Assembleia Constituinte. O senhor Getúlio Vargas deu mais um passo no caminho da democracia, ao afirmar que satisfará os anseios do povo. Cumpre agora à nação coroar a campanha pró-Constituinte, obtendo através das organizações políticas, sindicais e populares a vitória final, enfrentando todos os reacionários que, com medo do povo, reagem desesperadamente, tentando conduzir o país ao caos e à guerra civil. O resultado positivo da oração do presidente da República, fruto da luta do povo, deve servir de estímulo a todos os patriotas a prosseguirem no combate aos remanescentes do fascismo no país, contra a rearticulação nazi-integralista e pela união nacional”, declarou.

O pronunciamento de Getúlio reforçou consideravelmente a campanha do PCB pela Constituinte. Dali a poucos dias, Grabois estaria diante do que considerou as mais fantásticas mobilizações populares presenciadas por seus olhos. Em 6 de outubro de 1945, um sábado de clima agradável, ele participou do comício pró-Constituinte em Niterói, promovido pelo Comitê Municipal do PCB, que reuniu dez mil pessoas, segundo os organizadores. Afirmou para a multidão que a única maneira de consolidar a democracia no país seria a convocação da Assembleia Constituinte. Grabois, sempre que falava em público, fazia um breve retrospecto da história do PCB, um dado fundamental para respaldar a campanha pró-Constituinte que ganhara as ruas.

Em Niterói ele comentou a posição histórica que os comunistas assumiram frente aos grandes problemas nacionais e ao nazifascismo. Segundo Grabois, foram posições coerentes com as gloriosas tradições do PCB. “Nosso Partido, ao conquistar a legalidade não foi atrás das aventuras políticas dos que queriam arrastar o povo a golpes salvadores. Nosso Partido procurou marchar com o povo, sentindo os seus sofrimentos, auscultando suas reivindicações e procurando resolvê-las. A única solução que encontrou, pois, para tais problemas, foi uma Constituinte livremente eleita. E esta é hoje uma reivindicação de todo o povo, uma conquista do povo organizado”, discursou.

Grabois terminou a fala conclamando todos a não descansarem um só momento até a concretização da maior aspiração do Brasil: a Assembleia Nacional Constituinte. No encerramento do comício foi transmitido um pedido semelhante de Luiz Carlos Prestes, gravado em disco. Quatro dias depois, ele estava falando novamente em um dos comícios pró-Constituinte do PCB que se realizavam no Distrito Federal simultaneamente, dessa vez na Praça Quinze, no Rio de Janeiro.

A campanha pró-Constituinte do PCB se transformou em manifestações de massa, como demonstrou o gigantesco comício realizado no Largo da Carioca em 13 de outubro de 1945, um sábado, com início às 17h30. A essa altura, a bandeira da Constituinte levantada pelo PCB já era segurada por uma ampla gama de partidos e entidades populares.

Quando Grabois começou a discursar, a multidão presente impressionava. “Essa festa tem um grande significado na luta pacífica em que o povo brasileiro está empenhado para a convocação de uma Assembleia Constituinte livremente eleita”, iniciou. “Este comício tem um significado novo porque representa uma pujante demonstração de unidade, pois aqui estão presentes neste ato partidos políticos, Comitês Populares, o Movimento Unificador dos Trabalhadores, todos reivindicando o cumprimento da grande aspiração do povo: a convocação de uma Assembleia Constituinte. Nenhum acontecimento em nossa história teve a profundidade e a envergadura, como movimento popular, como está tendo em todo o Brasil a campanha nacional pela Constituinte. Nem na luta pela Abolição, nem a campanha republicana. Nem mesmo a vitoriosa jornada da anistia que arrancou dos cárceres os melhores filhos do povo alcançou tal mobilização de massas”, discursou.

O progresso da abertura democrática, lembrou Grabois, merecia os mais entusiasmados aplausos, mas era preciso consolidar aquela marcha. “Há cinco meses saímos de uma noite negra, em que não tínhamos liberdade para o funcionamento dos partidos políticos, liberdade de reunião, para uma nova situação em que estas liberdades fundamentais foram conquistadas. Incontestavelmente vivemos num clima de democracia. Entretanto, muito falta ainda para que consolidemos definitivamente a democracia em nossa terra. Precisamos consolidá-la. E somente através de uma Assembleia Constituinte é que isto conseguiremos. O povo organizado o conseguirá.”

Velhas raposas políticas

O país havia entrado em um processo que não deixava espaço para meio-termo: era o avanço ou o retrocesso. Existia no país, na visão de Grabois, uma fenda que separava duas tendências radicalmente opostas. “A luta pela Assembleia Constituinte está assumindo tal importância para o destino da democracia em nossa terra que polariza todas as forças verdadeiramente democráticas de um lado — o da Constituinte — e as forças reacionárias e pró-fascistas do outro lado. O que há de mais reacionário em nosso meio, as velhas raposas políticas, os remanescentes nazi-integralistas e os agentes do capital estrangeiro colonizador, se unem abertamente contra a convocação da Constituinte a fim de impedir a consolidação da democracia. Ainda há pouco tivemos uma demonstração na intervenção indébita do representante da potência amiga, o qual falou não como representante do ‘bom vizinho’, e sim dos elementos mais retrógrados do seu país, aqueles mesmos que combateram a política do grande Roosevelt.”

Sob intensos aplausos em cada pausa, Grabois prosseguiu o discurso pedindo ao presidente Getúlio Vargas compromisso efetivo com a democracia. “O governo, que nesses últimos tempos tem dado largos passos para a democracia, precisa continuar a marchar nesse sentindo, convocando a Assembleia Constituinte. O povo espera novos atos democráticos do governo e não medidas que significam retrocessos na marcha democrática em que o Brasil está empenhado. Por isso, estamos contra o último decreto do governo que modifica a Lei Eleitoral, marcando eleições simultâneas para presidente da República e governador, para o parlamento e as assembleias estaduais. Sem dúvida esse decreto está em profunda contradição com o discurso do senhor Getúlio Vargas pronunciado a 3 de outubro.”

Para Grabois, as vacilações de Getúlio comprometiam os esforços unitários na busca de uma solução pacífica da crise política. “Se o povo luta pela liquidação da Carta parafascista de 37, não é possível compreender que, em pleno período de derrota do nazismo, se dê direito a que vinte e um interventores outorguem Cartas do tipo parafascista da de 37 aos estados da Federação. Essa lei em nada facilitou a solução da crise política e institucional brasileira. Pelo contrário. Veio trazer mais confusão e fornecer elementos para os golpistas e reacionários continuarem a sua trama contra a ordem e a tranquilidade indispensáveis à consolidação da democracia. Fazemos esta crítica para mostrar ao governo que este não é o caminho da democracia.”

As últimas palavras foram uma espécie de declaração política diante da perspectiva de agravamento da crise política. “O verdadeiro caminho é o da Assembleia Constituinte para prosseguir no caminho no qual o governo contará com o apoio decidido do povo e, particularmente, do Partido Comunista do Brasil. Não há o que temer dos golpistas e conspiradores. O povo organizado afastará qualquer ameaça contra a ordem, porque a desordem só interessa aos fascistas. Nós, comunistas, reafirmamos nossa política inabalável de defesa da ordem e da tranquilidade. Não admitimos agitações estéreis. Lutaremos com o povo organizado. À frente do proletariado e do povo obteremos, no mais curto prazo, a convocação da Assembleia Constituinte.”

Manifestação no Palácio da Guanabara

O decreto de Getúlio foi contestado pela multidão no mesmo dia, na cara dele, no Palácio da Guanabara, a residência oficial da presidência da República. Após o comício, uma marcha gigantesca, anteriormente programada, percorreu o trajeto até lá empunhando archotes, bandeiras e cartazes alusivos à Constituinte. Dos ônibus, bondes, praças e janelas ecoavam saudações e se viam acenos aos manifestantes. À frente da marcha ia uma caminhonete com alguns dirigentes do PCB ao seu lado — entre eles, Grabois —, seguida de uma banda de música executando a marcha “Constituinte”, palavra repetida ininterruptamente em diferentes tons e formatos.

O Palácio Guanabara foi tomado pela multidão, que ocupou seus jardins, cujo espaço não foi suficiente para a presença de todos os manifestantes. A manifestação atingiu o auge quando Getúlio apareceu. A Tribuna Popular descreveu a cena assim: “Milhares e milhares de bocas prorromperam em estrondosas aclamações e o grito de ‘O povo quer a Constituinte!’ reboou uníssono e incessante, um grande grito histórico traduzindo os melhores sentimentos do povo, cada vez mais democrata e patriota. Foguetes estouravam no ar e extraordinária alegria dos homens e das mulheres, dos velhos e jovens subindo aos céus.”

Em seu discurso, o presidente lembrou o que dissera em 3 de outubro sobre a existência de poderosos reacionários contrários à convocação da Assembleia Constituinte, medida considerada por eles um golpe contra as eleições marcadas para 2 de dezembro de 1945. Segundo Getúlio, ele não podia tomar decisões que aumentassem a intranquilidade que a luta política trouxera ao país. O assunto, afirmou, precisava ser encaminhado com sabedoria e prudência, ouvindo todos os partidos políticos, as classes trabalhadoras e produtoras, todas as forças organizadas, enfim, para que elas assumissem as responsabilidades por suas atitudes perante a opinião pública.

Enquanto Getúlio falava, a multidão gritava pedindo a Constituinte. Impávido, ele prosseguiu: “Eu nunca assumiria a responsabilidade de praticar um ato que viesse provocar a luta e o derramamento de sangue dos brasileiros.” Cada um deveria estar ciente de que responderia, dali em diante, pelos seus atos, disse o presidente. “Eu vos prometo fazer essa consulta para que cada corrente de opinião assuma perante o povo a parcela de responsabilidade que lhe cabe”, afirmou.

Segundo o presidente, cada uma delas precisava dizer às claras se estava de acordo com os clamores populares ou se apoiava as correntes reacionárias. Foi aplaudidíssimo. Ainda encoberto pelos aplausos, Getúlio terminou: “Não vos devo, porém, prometer senão aquilo que posso fazer.” A multidão deixou o Palácio da Guanabara satisfeita com as palavras do presidente e gritando: Constituinte! O povo exige a Constituinte! O povo quer a Constituinte! Uma parte foi para a Praça do Russel, onde um novo comício foi realizado, com discursos até as 23h30.

Complô contra Getúlio Vargas

Grabois detectou que a ameaça do “comunismo” era um pretexto para as forças golpistas e se movimentou para desfazer a pecha colada por eles nas manifestações pró-Constituinte. Em artigo na Tribuna Popular, ele disse que não se podia esconder o papel do Partido Comunista do Brasil, uma das forças mais poderosas das que se batiam pela convocação da Assembleia, mas era errado dizer que a vitória da campanha beneficiaria apenas os comunistas. Não havia como negar, disse Grabois, que o PCB era o responsável pelo movimento que empolgava o país, fruto do trabalho das forças mais desenvolvidas politicamente, que compreendiam a realidade e interpretavam os acontecimentos de maneira justa, apresentando soluções adequadas para os problemas fundamentais do povo.

Ao tocar nesses problemas, os comunistas despertaram a consciência de amplas camadas do povo, que segundo Grabois abrangiam a classe média e a burguesia progressista. O caudal de povo nas ruas nas principais cidades do país não era um movimento espontâneo, mas resultado da visão descortinada pela política do PCB. “Não negamos que a Constituinte será também uma vitória dos comunistas. A vitória, porém, será de todas as forças democráticas. Isto compreendem outras correntes políticas, que sentindo os anseios e as aspirações das massas se incorporam à luta pela Assembleia Constituinte”, escreveu. Era uma luta política que precisava ser corretamente orientada para livrar o país da ameaça golpista e ao mesmo segurar os ímpetos dos que defendiam a passagem do carro à frente dos bois.

Na verdade, Getúlio Vargas estava sentado no epicentro da crescente tempestade que se formava no país. Ele não desconhecia as minúcias dos detalhes que transformava o desenrolar da crise em complô. O problema era que o Ato Adicional de 28 de fevereiro de 1945 instituindo as eleições se transformou em amarras que o deixava de pés e mãos atados. Só um gesto ousado, reformando a decisão anteriormente tomada, poderia dar vazão à torrente de manifestações que exigiam a convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Getúlio jamais pôde explicar por que decidiu levar sua indecisão até o limite, quando já não havia mais forças para sustentá-lo na presidência da República.

Preso entre a força das massas, impulsionadas pelo PCB, e os grupos que o ameaçavam, resolveu resignar-se quando viu que não havia mais volta e a contenda prosseguiria sem o seu protagonismo — o presidente foi deposto, em 29 de outubro de 1945, exatamente por conta das suas concessões democráticas. Os golpistas temiam que ele sucumbisse à tática do PCB de marcar as eleições presidenciais para depois da promulgação de uma nova Constituição, o que poderia significar a consolidação do processo de democratização do país.

Segundo Pedro Pomar, o golpe, aparentemente dirigido contra Getúlio Vargas foi na verdade contra o PCB. Ao não reagir, como queriam os comunistas, o presidente revelou sua origem de classe, seu desprezo pelo povo, a traição que mais uma vez cometia contra as massas que nele confiavam. Tanto os generais golpistas quanto Getúlio, segundo Pomar, quiseram atingir um duplo objetivo. Os golpistas, ao mesmo tempo em que sonhavam com uma nova ditadura pretendiam liquidar o PCB com um banho de sangue sobre o movimento operário nascente.

O líder do golpe, general Góis Monteiro, ex-chefe do Estado-Maior do Exército, falou abertamente que o golpe foi motivado pela influência que o PCB exercia sobre a grande mobilização popular alcançada com a campanha pró-Constituinte. “Nessa altura dos acontecimentos (quando houve o golpe) e percebendo os perigos para o país decorrentes das marchas e contramarchas, declarei várias vezes, pela imprensa e ao próprio senhor Getúlio Vargas, que não era possível pensar-se numa Assembleia Constituinte a não ser que todas as correntes partidárias estabelecessem um consenso geral nesse sentido, pois, do contrário seria deflagrar um movimento subversivo, porquanto não podiam admitir as Forças Armadas que fosse adotada a iniciativa do Partido Comunista”, declarou o general.

Nos dias seguintes ao golpe, o projeto de democratizar o país com a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte dançou em cima do muro. Os comícios foram proibidos. A Tribuna Popular foi invadida pela polícia e suas instalações destruídas. Sedes do PCB foram vandalizadas em diferentes localidades do país. Sindicatos e Comitês Populares sofreram todo tipo de ameaças. Até os integralistas se assanharam e partiram para as provocações. Em Pernambuco, nas cidades de Goiana e Arcoverde, grupos deles invadiram as sedes do Partido de armas em punho.

Risco de guerra civil

O Partido Comunista do Brasil não dança conforme a música. Grabois falava no palanque instalado no Largo do Machado em 12 de novembro de 1945, uma quarta-feira à noite, tão logo a proibição de comícios pró-Constituinte em todo o território nacional foi revogada. Recebido com ovação pela multidão, ele explicava que a troca de comando no governo não alterava a política do PCB. A campanha pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte entrava em uma nova fase, um ambiente que Getúlio Vargas caracterizou como angu com muita pimenta, segundo o marechal Oswaldo Cordeiro de Farias, que fora companheiro de Prestes na Coluna Invicta, o responsável por entregar ao presidente deposto o ultimato dos generais golpistas sob o comando de Góis Monteiro.

Cinco dias após o golpe, uma nota do PCB disse que a situação criada levava “a nação ao risco iminente da guerra civil, do terrível e desnecessário derramamento de sangue de seus filhos, que só não aconteceu devido à atitude firme e consequente do nosso Partido e de outras forças populares”. Pouco depois, em 10 de novembro de 1945, uma nova nota aplaudia José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) que assumira o posto de Getúlio, pelos “atos positivos e as manifestações de caráter democrático” que adotara. Decretos foram revogados. Artigos autoritários da Constituição foram suprimidos. E as constituições estaduais outorgadas pelos interventores foram derrogadas. O tom era bem mais ameno do que o da nota anterior.

Na verdade, as forças dos golpistas não permitiram que eles fossem além da deposição de Vargas. Tanto que no mesmo dia 10 de novembro de 1945 o PCB obteve o registro como partido apto a participar das eleições. No comício do Largo do Machado, que estava sendo realizado simultaneamente com outros dois, um na Vila Isabel e outro em Madureira, Grabois citou a última nota do Partido e disse que ao povo o que interessava, naquela nova conjuntura, era apoiar o novo governo, fortalecendo-o para que ele pudesse marchar firmemente para a democracia, para que ele pudesse “opor-se à pressão dos remanescentes fascistas”. Aquela era a política que o Partido Comunista do Brasil indicava ao povo. Não era uma política oportunista, enfatizou. “A nossa música é a música do povo e a nossa política é aquela que interessa realmente ao povo. Continuaremos a pregar a ordem e a tranquilidade. A desordem só pode interessar aos fascistas”, discursou.

O PCB, que nada tinha a ver com o angu, também rechaçou uma manobra da União Democrática Nacional (UDN), do brigadeiro Eduardo Gomes, que propunha a reforma da Constituição de 1937 como alternativa à convocação da Constituinte. Grabois não apostava uma moeda furada naquela jogada. No comício do Largo do Machado ele disse que a medida seria um retrocesso de onze anos na vida política do país. Significava lançar mão de uma Carta que vigorava em uma época de ascensão do fascismo. “Hoje, estamos vivendo em 1945 e não em 1935, 37 ou 39. Já não existem o exército nazista nem a Gestapo. Hitler e Mussolini estão mortos. O mundo marcha para a democracia”, discursou.

Dias que abalaram o Brasil

A segunda-feira, 12 de novembro de 1945, foi um dia de festa. A notícia dando conta de que o governo reconhecia a vontade popular e transformava em lei a reivindicação de convocação da Assembleia Nacional Constituinte se espalhou rapidamente pelo país e foi festejada efusivamente. No Rio de Janeiro, o Comitê Metropolitano do PCB correu para preparar um “comício monstro” no mesmo dia, no Largo da Carioca. O povo seria convocado por rádio para congratular-se com o governo pela decretação da Constituinte. Na verdade, a decisão do presidente se deu na forma de promulgação da Emenda Constitucional número 13, que delegava poderes constituintes aos parlamentares que seriam eleitos em 2 de dezembro.

Todos os compromissos dos comunistas assumidos anteriormente foram transferidos para dar lugar aos preparativos das comemorações. A solenidade de apresentação dos candidatos do PCB, anteriormente marcada para aquele dia no Instituto Nacional de Música, transformou-se em apresentação da plataforma dos comunistas para a Constituinte. Na sede do PCB, Grabois comentou a decisão. “O decreto concedendo poderes constituintes ilimitados ao futuro parlamento, a ser eleito em 2 de dezembro, vem demonstrar a justeza da causa defendida pelo povo brasileiro e liderada pelo Partido Comunista do Brasil, por uma Assembleia Constituinte. É uma legítima vitória do povo brasileiro e o governo deu um passo decisivo para a sua consolidação como um governo que quer marchar para a democracia e quer o apoio popular”, afirmou.

Prestes também, ao saudar a decisão, rememorou a campanha que tinha conquistado a consciência do povo. Mas muitos passos ainda precisavam ser dados para a consolidação da democracia no Brasil. “A convocação da Constituinte, hoje decretada, é uma vitória do proletariado e do povo. Com esse ato, o governo reconhece o desejo das amplas massas manifestado numa das mais memoráveis campanhas pela democracia em nossa terra”, comentou.

Ressalvou, no entanto, que o presidente da República em exercício poderia ter tomado alguns cuidados para garantir um processo efetivamente democrático. Um dos problemas apontados por Prestes foi a transformação da Constituinte em poder legislativo ordinário, depois de promulgada a Constituição. Tratava-se de matéria constitucional, algo, portanto, de competência exclusiva da Constituinte. Outro erro, apontou Prestes, era o estabelecimento de condições iguais para a atuação de deputados e senadores, eleitos sob critérios diversos — os primeiros pelo voto proporcional e os segundos pelo voto majoritário. Seria mais democrático se todos fossem eleitos pelo sistema proporcional.

Cinco dias depois de promulgada a Emenda Constitucional que oficializou a Assembleia Nacional Constituinte, Prestes, ladeado por Grabois, João Amazonas e Diógenes Arruda Câmara, anunciou o nome do engenheiro Yeddo Fiúza como candidato a presidente da República pelo Partido Comunista do Brasil. Nascido em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e radicado na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde foi prefeito, Fiúza, que também fora diretor-geral do Departamento Nacional de Estrada de Rodagens (DNER), não era membro do PCB. Foi apresentado por Prestes a uma pequena multidão formada por militantes, aliados e um numeroso grupo de jornalistas como o candidato de várias correntes políticas, o candidato do proletariado e do povo.

Segundo Grabois, as memoráveis campanhas como as da anistia e a grande jornada vitoriosa pela convocação da Assembleia Constituinte fizeram o povo tomar consciência dos seus direitos. Na curta campanha eleitoral, chamada pelo PCB de “quinze dias que abalaram o Brasil”, aquela torrente de público que compareceu aos comícios, encheram os comunistas de confiança, segundo ele. O PCB elegeria catorze deputados – entre eles, Grabois – e um senador, Luiz Carlos Prestes. Yeddo Fiuza obteve 9,7% dos votos presidenciais. A assembleia Nacional Constituinte seria palco de uma épica batalha dos comunistas por avanços democráticos no país, descrita na biografia Maurício Grabois – uma vida de combates. Após a promulgação da Constituição, ele assumiu o posto de líder do PCB na Câmara dos Deputados.

Mortos pela ditadura terão correção de certidões

Recriada em julho deste ano, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, que retomou seus trabalhos oficialmente na última sexta-feira, 30 de agosto, recomendou ao Conselho Nacional de Justiça a correção de certidões de mortos pela ditadura.

A medida consta como uma das recomendações feita pelo relatório final da Comissão Nacional da Verdade.

Marco importante na luta por justiça e reconhecimento das violações cometidas durante a ditadura militar, a Comissão Especial sobre Mortes e Desaparecidos Políticos indica que em 407 dos 434 casos de mortes e desaparecimentos que a CNV confirmou em 2014, os termos lavrados nos documentos não refletem a real causa dos óbitos.

De acordo com o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, a proposta é que o CNJ determine aos cartórios de todo o país que corrijam as certidões com um modelo de certidão no qual o Estado reconhece a morte não natural, violenta, causada por perseguição política pelas forças repressivas do Estado.

Representante de Familiares na Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos desde 2005, Diva Soares Santana, de 80 anos, tem a irmã Dinaelza Soares Santana Coqueiro, morta por militares durante a repressão à Guerrilha do Araguaia, no Pará, dada como desaparecida até hoje. No documento de óbito entregue à família, não constam informações básicas de como ela morreu e onde foi sepultada.

Para Andrea Depiere, professora de Direito da Universidade Federal de Sergipe, a retomada da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos, criada em 1995, e da Comissão da Anistia, criada em 2002, são passos importantes para o amadurecimento de uma Justiça por Memória, Verdade e Reparação. De 2015 a 2019, ela esteve à frente da Comissão Estadual da Verdade em Sergipe.

E o  Ministério Público Federal em São Paulo entrou com uma ação na Justiça Federal pedindo a responsabilização de 46 ex-agentes da ditadura militar por envolvimento direto ou indireto em torturas, mortes e desaparecimentos de 15 opositores à ditadura.

Segundo o órgão, todos eram ligados a unidades de repressão como o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), o Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e o Instituto Médico Legal em São Paulo.

A ação é no âmbito civil e pede, entre outras coisas, que estes ex-agentes ou suas famílias – no caso de eles já terem falecido – façam o ressarcimento ao Estado brasileiro, uma vez que o país precisou indenizar as vítimas da ditadura.

Entre os réus estão o ex-delegado do Dops Sérgio Paranhos Fleury, morto em 1979, e o ex-comandante do DOI-Codi Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015. (Agência Brasil)

– Pablo Marçal e Jair Bolsonaro ungidos pela Faria Lima e Wall Street

Por Osvaldo Bertolino

Um mundo abstrato, movido pelo giro concreto do dinheiro, define o que é o capitalismo, potencializado pela hipertofria do mercado financeiro, controlado e manipulado por agentes sem escrúpulos. Gente já definida como “lobo de Wall Street”, ou “yuppie”, bem representada em filmes e documentários como malandros, ladrões engravatados, geralmente aventureiros com ar de bem-sucedidos. No Brasil esses malandros ganharam projeção sobretudo com a criação do arcabouço político e “institucional” – cujo esteio é a imoral Lei de Responsabilidade Fiscal -, à margem do Estado Democrático de Direito regido pela Constituição de 1988.

É um fenômeno que ganhou grande relevância com a pretensão do projeto neoliberal de revogar o keynesianismo e a social-democracia, mitigadores das mazelas do capitalismo, para centrar fogo na resistência ao imperialismo, o projeto socialista. Para se impor, vale todo tipo de golpe para destruir as soberanias nacionais e populares, um mundo de corrupção e mantras autoritários difundidos pela guerra ideológica monopolizada por um gigantesco aparato midiático organimente ligado ao mundo financeiro. Com esses recursos, o imperialismo, que regovou os princípios do liberalismo formulados por Adan Smith, se torna radicalizado, valendo-se não raro de projetos políticos de extrema-direita.

É o que pode ser visto nestes dois artigos abaixo, sobre Pablo Marçal e Jair Boolsonaro, mera repetição da fala, em 1968, do então ministro do Trabalho e da Previdência Social da ditadura militar, Jarbas Passarinho, durante a reunião do AI-5 que instarou oficialmente o terrorismo de Estado: “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.” O terrorismo do projeto neoliberal está bem explícito nesses textos do Portal UOL e da Folha de S. Paulo relatando a falta de escrúpulos da Faria Lima e de Wall Street em relação ao nazifascimo contemporâneo no Brasil.

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Faria Lima já flerta com Marçal para derrotar Boulos

Andreza Matais, colunista do UOL – 27/08/2024

A Faria Lima vai esconder a predileção, mas em rodas fechadas empresários estão “encantados” com Pablo Marçal, segundo lideranças políticas e empresários com quem conversei nos últimos dois dias.

A avaliação nesse grupo é que Marçal pode tirar Guilherme Boulos da disputa e esse grupo faz de tudo para não ver o candidato do PSOL eleito.

Sobre Ricardo Nunes (MDB), atual prefeito de São Paulo, avaliam que seus bairros estão sujos, com calçadas esburacadas e que a cidade não tem zeladoria necessária.

Ninguém acredita que Marçal é uma boa pessoa, mas apostam que ele defende o empresariado e que seu jeito “deixa que eu resolvo” pode ser uma solução para a cidade.

Nesta terça-feira (27), terá um jantar na casa de Marçal para empresários. A coluna apurou que entre os convidados estão representantes de bancos. Se eles irão apoiar publicamente o candidato do PRTB a resposta é não. É o chamado voto envergonhado.

Um alto executivo de um banco disse à coluna que “a maioria é Nunes”, mas “todos acham que Marçal vai ganhar”.

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Por que tanta gente em Wall Street torce por uma vitória de Bolsonaro?

Brian Winter – Folha de S. Paulo, 05/09/2018

Pessoas íntegras admitem em conversas particulares que não há espaço para sentimentos

Por um candidato que odiava tanto a austeridade que nos anos 90 apelou pelo fuzilamento de um presidente que ordenou um corte de gastos?

Por alguém que quer mudar a composição do STF e indicar juízes ligados a ele? Que declarou seis semanas atrás que “na verdade não entendo de economia”?

Bem, há duas respostas.

Porque, graças em parte a Donald Trump, em 2018 a memória é curta. E porque os investidores estrangeiros, como muitos brasileiros, querem acreditar na possibilidade de um salvador.

Para a parte de Wall Street que investe em países como o Brasil, o ano foi horrível até agora.

Enquanto o mercado de ações dos EUA batia recordes, com o corte de impostos e as medidas de desregulamentação de Trump, o principal índice de mercados emergentes registrava queda geral de 9%, puxado pelas baixas na Turquia (-55%), África do Sul (-21%) e Brasil (-20%).

Um ano ruim quer dizer bonificação ruim e pode até significar a perda do emprego. O Brasil é grande o bastante para empurrar uma virada na categoria, mas isso só vai acontecer se um presidente “amigo do mercado” —Bolsonaro ou Alckmin— vencer.

Uma vitória do PT, em contraste, poderia causar nova queda dos ativos.

Nesse contexto, a maioria dos investidores parecia preferir Alckmin. Mas o equilíbrio está mudando, e não só porque ele continua estagnado.

A indicação por Bolsonaro de Paulo Guedes como ministro da Fazenda e depositário da ortodoxia econômica parece melhor a cada dia, aos olhos do mercado.

Sob a tutela de Guedes, Bolsonaro prometeu reforma nas aposentadorias e no mês passado chegou a mencionar a possibilidade do Cálice Sagrado de Wall Street —a privatização da Petrobras. Um investidor me disse, empolgado, que o Brasil pode ter seu primeiro presidente verdadeiramente liberal em pelo menos meio século.

Calma lá, você talvez diga: e quanto ao passado não tão distante de Bolsonaro?. É aí que entra Trump.

O presidente dos EUA era membro registrado do Partido Democrata até 2010 —mas na Casa Branca ele vem realizando os maiores sonhos republicanos em termos de corte de impostos e desregulamentação da economia. Os mercados financeiros estão sujeitos a modas, e a coerência ideológica está fora de moda.

Basta a explicação de Bolsonaro: “As pessoas evoluem”.

É claro que essa abordagem acarreta riscos. Um presidente que talvez não tenha grande compromisso com a austeridade será capaz de tomar as decisões duras necessárias para reduzir um deficit ainda maior que o da Argentina?

Ele conseguirá funcionar sem apoio claro no Congresso? (Ou, diante de oposição, cumprirá sua velha promessa de fechar o Congresso?) Alguns líderes que pisotearam instituições democráticas, de Recep Erdogan na Turquia a Daniel Ortega na Nicarágua, vêm enfrentando problemas.

Mas se você conversar com investidores sobre os riscos do autoritarismo, muitos tenderão a responder “ouvimos o mesmo sobre Trump, e as coisas estão ótimas” ou “qualquer um menos Lula”.

Há, por fim, o elemento moral. Como os investidores podem apoiar um candidato com posições como as de Bolsonaro sobre mulheres, minorias e direitos humanos?

Essa é a pergunta mais fácil. Conheço muitas pessoas íntegras em Wall Street que sentem repulsa por Bolsonaro. Mas elas admitem em conversas particulares que não há espaço para sentimentos. Como me disse uma, “meu trabalho é garantir que os títulos sejam pagos na data. Quanto ao resto — cabe aos brasileiros decidir”.

– Aurélio Peres, símbolo do PCdoB na resistência à ditadura militar

 

A biografia de Aurélio Peres, escrita pelo jornalista Osvaldo Bertolino, traça o perfil desse combativo líder popular no contexto dos grandes enfrentamentos com a ditadura militar nas décadas de 1970 e 1980.

Primeiro ele liderou a criação dos Clubes de Mães na zona Sul de São Paulo e depois o Movimento do Custo de Vida, que se espalhou pela cidade e chegou em outros estados.

Foram ações que visaram basicamente o combate à alta dos preços dos chamados gêneros de primeira necessidade, que castigava principalmente os lares das periferias.

Nesse processo, Aurélio Peres, como militante da Ação Popular Marxista-Leninista (APML) e depois do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), se incorporou também à luta sindical, transformando-se em importante liderança dos metalúrgicos de São Paulo, ao lado de personagens como Santo Dias e Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão. Acabou preso e brutalmente torturado do DOI-Codi e no Dops.

Foi salvo por sua ligação com lideranças progressistas da Igreja Católica — sobretudo o cardeal-arcebispo dom Paulo Evaristo Arns —, que acionaram o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh e que, numa atitude corajosa, enfrentou os assassinos dos porões da ditadura militar para livrar Aurélio Peres da morte.

Em 1978, Aurélio Peres se elegeu deputado federal pelo então MDB, com uma surpreendente votação para quem fez a campanha praticamente sem recursos.

Na Câmara dos Deputados, ele se destacou como umas das vozes atuantes na defesa dos trabalhadores e no combate à ditadura militar. Na campanha pela anistia, Aurélio Percorreu o país junto com o senador Teotônio Vilela, defendendo a volta da democracia e denunciando os crimes do regime.

Em 1982, se reelegeu deputado federal, com uma votação ainda mais expressiva, e participou com destaque das “Diretas já!” e do movimento que elegeu Tancredo Neves presidente da República.

O livro tem 558 páginas e descreve a vida de Aurélio Peres desde a sua infância nas lavouras de café no interior paulista, passando pela sua vida de seminarista e se estendendo por sua profícua atuação nos movimentos populares e sindical, ativismo que não abandonou quando exerceu seus dois mandatos de deputado federal.

Osvaldo Bertolino, com a experiência da produção de outras biografias, faz um retrato minucioso desse importante personagem da vida democrática brasileira, num período que pode ser considerado decisivo para os avanços obtidos com a Constituição de 1988, agora sob forte ameaça.

Para adquirir a obra, visite:
www.anitagaribaldi.com.br

Aurélio Peres autografa livro de sua biografia escrita pelo jornalista Osvaldo Bertolino

– A história da relação entre Getúlio Vargas e o Partido Comunista do Brasil

Por Osvaldo Bertolino

A primeira avaliação dos comunistas sobre Getúlio Vargas ocorreu no processo da Revolução de 1930, tida como oposta à tática de fazer uma terceira revolta após o levante do Forte de Copacabana em 1922 e o movimento de São Paulo e do Rio Grande do Sul de 1924, uma sequência da Coluna Prestes. Maurício Grabois, uma das principais lideranças históricas do Partido, avaliou que durante a campanha da Aliança Liberal, o movimento político de Getúlio, os comunistas não poderiam tomar posição ao seu lado devido às suas debilidades.

Tomasse posição ao lado de Getúlio, disse, o Partido estaria na prática servindo de ala esquerda e de agitação para o golpe da Aliança Liberal. “Ao tomar essa posição independente, apresentando candidato próprio à presidência da República (Minervino Pereira), o Partido desmascarou o caráter reacionário da Aliança Liberal e a posição antidemocrática do governo de Washington Luis. Também justa foi a posição de (Luiz Carlos) Prestes, não participando do movimento armado de 1930 e desmascarando seu conteúdo imperialista. Com esta atitude, Prestes aumentou seu prestígio em contraste com a desmoralização crescente dos participantes do golpe de 1930.”

Prestes, adepto da ideia de que o Brasil precisava passar por reformas estruturais, fora consultado por Getúlio para acompanhá-lo. Mas optou por um caminho próprio e no começo de 1930 lançou o célebre Manifesto de Maio — no qual defendeu um governo baseado nos conselhos de trabalhadores da cidade e do campo, soldados e marinheiros — e criou a Liga de Ação Revolucionária.

O Partido recebeu o documento de Prestes com um misto de apoio e críticas. Para os comunistas, conforme nota publicada no jornal A Classe Operária em 5 de julho de 1930, o Manifesto desmascarava ainda mais o “caráter reacionário” da Aliança Liberal de Getúlio. “Para nós, o Manifesto representa apenas a comprovação mais segura do aprofundamento da marcha para a esquerda, agravada pela penetração cada vez maior dos imperialismos inglês e norte-americano”, dizia o texto.

Revolução Constitucionalista

O documento reconhecia, “sem confessar abertamente”, a “justeza da linha política do Partido Comunista”. Mais adiante, as críticas: “Nós temos o direito de pensar que Luiz Carlos Prestes seja de novo arrastado para o jogo da Aliança e do imperialismo. Sua categoria social, a pequena burguesia, suas ligações com os elementos reacionários da Coluna Prestes e com a Aliança Liberal, suas vacilações anteriores justificam essa nossa opinião, que temos o dever de apontar às massas.”

Grabois reconheceria, em 1972, que aquela avaliação estava errada. Um documento escrito por ele e João Amazonas – outra liderança histórica do Partido –, intitulado Cinquenta anos de luta, diz que a dubiedade decorria de duas lacunas históricas: a pouca experiência política da classe operária e o precário conhecimento do marxismo. Como consequência, o Partido não compreendeu aquele processo político e não descortinou naquelas lutas o movimento por transformações democrático-burguesas.

Considerou que o proletariado nada tinha a ver com os fatos em desenvolvimento no país e adotou posições sectárias, se ausentando da situação real. Aplicando mecanicamente as teses da Internacional Comunista, defendeu a criação de um governo apoiado em sovietes de operários e camponeses. O Partido se isolou, principalmente após o levante de São Paulo em 1932, a chamada “Revolução Constitucionalista”, quando Getúlio abria caminho para consolidar o seu governo. O Partido só daria um passo adiante quando foi ajudado pela política da Internacional Comunista que orientava a formação de frente única contra o fascismo.

De acordo com Grabois e Amazonas, a política ampla, com o gume dirigido contra o fascismo e o imperialismo, levou à organização da Aliança Nacional Libertadora (ANL), que agrupou extensos setores populares e numerosos civis e militares que participaram da Revolução de 1930. Uma parte dos tenentes aderiu de vez ao governo de Getúlio, mas muitos ajudaram a fundar a ANL, que preparou e dirigiu o Levante antifascista de 1935.

O plano do capitão

Após a derrota da ANL, Getúlio jogou pesado contra os comunistas. Em quatro vezes sucessivas ele pediu — e conseguiu — ao Congresso que prorrogasse o estado de sítio por mais noventa dias. Prestes, que havia ingressado no Pàrtido, foi preso em 5 de março de 1936, depois de uma caçada comandada por Filinto Müller, o chefe da polícia política, que esquadrinhou o bairro do Méier, no Rio de Janeiro, e revistou casa por casa. Ele estava com a esposa, a alemã Olga Benário, que foi deportada grávida para a Alemanha nazista e morreu pouco tempo depois de dar à luz a menina Anita Leocádia Prestes, na câmara de gás da cidade de Bernburg.

Na prática, a onda anticomunista atingia a todos os que se opunham, minimamente que fosse, ao governo. Por qualquer motivo, os acusados eram considerados adeptos do “credo soviético” e encarcerados. Quando Carlos Marighella foi preso, em 1º de maio de 1936, a polícia alegou que encontrara em seu poder artigos datilografados, prontos para a impressão. Na Polícia Central ele foi amarrado e açoitado. Com um potente foco de luz apontado para os olhos, um torturador invisível dizia que Getúlio estava louco para saber onde se imprimia A Classe Operária, o órgão central do Partido.

Em 10 de novembro de 1937, como pretexto para contrapor-se a um novo plano dos comunistas de tomada do poder pela força, Getúlio proclamou a ditadura do Estado Novo. Na preparação do golpe, o governo interveio nos estados do Maranhão e Mato Grosso, e no Distrito Federal. O presidente da República transferiu comandantes militares de sua confiança para os estados onde seu controle era menor e em setembro de 1937 o Estado-Maior do Exército revelou o documento forjado sobre um novo plano de levante comunista — conhecido como Plano Cohen. Nos primeiros dias de outubro de 1937, a mídia divulgou o documento com grande alarde.

O texto fora redigido pelo capitão Olympio Mourão, integralista e membro do serviço de informações do Exército. O Congresso foi fechado, os partidos proscritos e uma nova Constituição, decretada pelo rádio na calada da noite do golpe, passou a conferir poderes ditatoriais ao presidente. Apesar da dura repressão, os comunistas mantiveram-se na ativa. A Classe Operária de fevereiro de 1938 publicou texto na capa com o título O “Estado Novo” não consegue consolidar-se. “A ditadura fascista de Getúlio é o mais nefasto governo que já pesou sobre a nação”, dizia o jornal.

Bloco pujante

Havia também mudanças significativas no cenário mundial. Pouco antes do Pacto de Munique, tratado assinado na cidade homônima em 29 de setembro de 1938 entre a França, a Inglaterra e a Alemanha nazista para isolar a União das Rapúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), o Partido advogou, no jornal 16 de julho de março de 1938 — A Classe Operária estava temporariamente nas mãos dos trotskistas, em São Paulo —, a unificação das forças democráticas “num só bloco pujante” para “seguir o caminho das potências democráticas, especialmente os Estados Unidos, contra o fascismo e todas as potências fascistas”. No Brasil, os fascistas também davam o ar da graça. Depois de flertar com o governo, em 11 de maio de 1938 os integralistas tentaram derrubar Getúlio e foram rechaçados.

Em um Manifesto do Birô Político, o Partido cobrou uma posição do presidente, que não poderia ficar calado diante do avanço nazifascista. “Os pan-americanistas de coração não podem ficar surdos aos apelos de Litvinov (Maxim Maximovich Litvinov, ministro das Relações Exteriores soviético), Roosevelt (Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos) e Cárdenas (Lázaro Cárdenas del Río, presidente do México), três personalidades marcantes entre os mais insignes estadistas da atualidade”, disse. “Por que só o nosso presidente se cala?”, perguntou o documento. Segundo Octávio Brandão, um dos fundadores do Partido, o governo era irresoluto, contraditório e vacilante entre as suas alas fascista e democrática.

Os fascistas estavam ativos. O jornal O Estado de São Paulo disse que os líderes da repressão, Filinto Müller e o capitão Felisberto Batista Teixeira, diretor da Delegacia de Ordem Política e Social (Dops), moravam “no coração dos brasileiros”. Segundo o Jornal do Brasil, a nação contraiu uma dívida com a polícia pela defesa da “nacionalidade” e da “civilização cristã”. As “atividades extremistas” deveriam ser condenadas por sua “incomparável e diabólica aptidão para corromper e envenenar”.

Como denunciaria Amazonas, a reação fascista escolhera justamente o dia 7 de novembro, aniversário da Revolução Russa, para conduzir Prestes brutalmente ao nefasto Tribunal de Segurança Nacional, em 1940. “Mas Luiz Carlos Prestes reafirmou-se na sua grandeza: perante o nefasto Tribunal, saudou os imortais povos soviéticos, prestou sentida e profunda homenagem à Revolução Socialista, dando-nos, assim, com sua corajosa atitude, um exemplo que jamais será esquecido e que os comunistas sempre terão presente em sua luta contra o nazifascismo, pela democracia, progresso e bem-estar da pátria e do povo brasileiros”, afirmou.

Telegrama de Mussolini

Discursando a bordo do encouraçado Minas Gerais, em 11 de junho de 1940, Getúlio disse que o Brasil havia criado “um regime adequado às nossas necessidades”, fazendo considerações interpretadas como elogios ao governo alemão e ao italiano. O ditador da Itália, Benito Mussolini, chegou a enviar um telegrama ao presidente brasileiro cumprimentando-o por ver “a nova realidade histórica europeia como realmente é, e não como querem as chamadas democracias”.

Irritado com a repercussão de suas palavras, Getúlio fez novo pronunciamento, em 29 de junho, enfatizando que as críticas ao seu discurso partiram daqueles que interpretaram suas palavras “com comentário falseado e a publicação tendenciosa de frases isoladas”. Imediatamente após o imbróglio, o presidente determinou que o Brasil entabulasse conversações com os Estados Unidos para a defesa do hemisfério. Os norte-americanos temiam um ataque do Japão, uma das peças do Eixo nazifascista, e pretendiam aparelhar bases militares no Brasil.

O que era temor virou realidade no final de 1941, quando os japoneses atacaram Pearl Harbor. Os norte-americanos passaram à situação de beligerantes e apressaram o governo brasileiro nas negociações para permitir o uso das bases de Belém, Natal e Recife. Getúlio concordou. Estava aberta a porta para uma guinada radical da política externa brasileira.

Logo o governo adotaria uma posição de abrandamento das medidas repressivas. No teatro da Segunda Guerra Mundial, deflagrada em 1939, a URSS, invadida pelos nazistas em agosto de 1941, avançava para empurrar as forças de Adolf Hitler de volta a Berlim e as potências ocidentais se aproximavam de um concerto internacional. Getúlio determinou que o Brasil entrasse nessa aliança e entabulasse conversações com os Estados Unidos. Nos primeiros meses de 1942, o governo brasileiro deu demonstrações inequívocas de que estava caminhando para se aliar aos que combatiam o nazifascismo. Em 22 de janeiro, Getúlio decretou a pena de morte para certos atos de sabotagem. Pouco depois, o arquipélago Fernando de Noronha foi declarado zona militar.

Carne de canhão

Nos primeiros dias de fevereiro, Getúlio decretou medidas de precaução contra possíveis ataques aéreos e assinou o decreto que instituiu a base de Natal. Em 7 de março, tomou a medida mais importante — a formação da Comissão de Defesa Nacional, presidida pelo chanceler Osvaldo Aranha, com poderes extraordinários. Em meados de agosto, quando o Brasil já havia perdido uma razoável quantidade de vidas, cargas e navios, o governo reconheceu a situação de beligerância com as nações agressoras (Alemanha, Itália e Japão).

Os comunistas organizaram manifestações de rua, com faixas e slogans de protestos contra o Eixo nazifascista, para apoiar a decisão de Getúlio. O povo queria a guerra. Pela primeira vez o Brasil se engajaria em um conflito daquelas proporções e todos os brasileiros foram chamados a colaborar. Não restava dúvida de que Getúlio pendia para o lado dos aliados e recebia o devido reconhecimento dos comunistas.

Em carta a Agildo Barata em 22 de junho de 1942, Prestes disse não estar mais preocupado com seu antigo temor de que “os imperialistas quisessem fazer do nosso povo carne de canhão”. “Hoje, ao contrário, sou de opinião que só pelo sacrifício voluntário do sangue de nosso povo, pela participação ativa na luta dos povos antifascistas, onde for necessário, em qualquer parte do mundo, salvaremos nossas cidades da destruição e evitaremos o massacre de mulheres e crianças, para não falar da ignomínia que seria permitir, por omissão, a organização em nossa pátria de bases nazistas para o ataque ao povo americano”, escreveu. Para ele, seria urgente convencer o povo brasileiro da necessidade de fazer sacrifícios.

Passeata antitotalitária

Prestes também entregou uma mensagem ao comunista cubano Blas Rocas, em julho de 1942, que o visitara na prisão por arranjo de Osvaldo Aranha, dizendo que, a despeito dos sofrimentos, não estava disposto a viver em recolhimento pessoal. Considerava seu dever, e dos verdadeiros patriotas brasileiros, cessar todas as disputas de caráter interno e unir esforços para acelerar a derrocada das potências do Eixo nazifascista. A quinta-coluna, acrescentou, era mais forte no Brasil do que no resto da América, mas poderia ser imobilizada se as massas tivessem fé no programa antiEixo.

Grabois avaliou que, ao abrir caminho para o progresso do movimento patriótico e antifascista, aquelas medidas despertaram os pendores fascistas de setores do governo, nomeadamente do ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, e o aparelho repressivo chefiado por Filinto Müller. Em 4 de julho de 1942, dia da Independência dos Estados Unidos, os estudantes organizaram uma “passeata antitotalitária” que contou com o apoio do ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha, e a repulsa de Filinto Müller.

O chefe da repressão tentou impedir a passeata, desacatou o ministro da Justiça interino, Vasco Leitão da Cunha, foi preso e demitido. Foram demitidos também Francisco Campos, ministro titular da Justiça, e Lourival Fontes, diretor do execrado Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Felisberto Batista Teixeira, o diretor do Dops, também foi afastado. O peso desse setor havia levado o governo a reagir com timidez ao torpedeamento de vários navios da Marinha brasileira por submarinos alemães.

Obsessão anticomunista

Grabois disse que a política dos comunistas de união nacional contra o nazifascismo definia bem os campos entre patriotas, independentemente dos matizes das opiniões políticas, os que aspiravam para a pátria bem-estar, progresso e cultura; e os antipatriotas, os pró-nazismo, os quinta-colunistas, os vendidos ao Eixo por dinheiro ou pela fascinação dos mitos de superioridade racial, do Estado corporativo totalitário. A união nacional haveria de realizar-se em torno do presidente, que dirigia o país em guerra.

Antigas pendências e dissensões deveriam ser postas à parte diante do quadro supremo da pátria em luta, na mais difícil e penosa de todas as guerras, afirmou. Em outra dimensão, a união nacional deveria apoiar-se em uma estrutura popular. Para enfrentar certos aspectos do esforço de guerra, era necessário compreender a importância das organizações cívicas e de classe, como a Legião Brasileira de Assistência (LBA), a Liga da Defesa Nacional, a Sociedade Amigos da América, a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o movimento sindical.

Os comunistas imprimiam um ritmo acelerado na mobilização popular para liquidar o Estado Novo, mas ainda não se mostravam como corrente política organizada. A repressão ainda era intensa. Em 12 de janeiro de 1943, Dutra escreveu uma carta a Getúlio reclamando de críticas a ele por sua obsessão anticomunista pelo presidente da Sociedade Amigos da América, general Manuel Rabelo. Enviada em caráter “pessoal e secreta”, a carta queixava-se do tom ácido empregado por Rabelo em um discurso na cidade de São Paulo referindo-se ao “perigo comunista” como “espantalho e duende imaginários que serviam para distrair as atenções e deixar o povo desprevenido contra o inimigo real”.

Pacificação da família brasileira

Não era a primeira vez que os dois se estranhavam. Em 1942, o ministro da Guerra havia atacado Rabelo, também em carta a Getúlio, dizendo que ele estava “sempre cercado, em seus discursos e visitas, por elementos suspeitos de comunismo”. Em junho de 1943, quando Rabelo foi a Salvador organizar a seção local da Sociedade Amigos da América, Jacob Gorender, jornalista e futuro dirigente do Partido, fez uma entrevista com ele para a revista dos comunistas locais, chamada Seiva, publicada depois de aprovada pelo general, com críticas à indiferença do governo diante da vulnerabilidade do país depois de declarada a guerra, que resultou na prisão do repórter e dos demais integrantes da revista. “O ministro Gaspar Dutra mandou prender todos os redatores e a revista Seiva teve as portas fechadas”, rememora João Falcão, à época diretor de redação da publicação, em seu livro O Partido Comunista que eu conheci.

Rabelo escreveu a Getúlio que “a obstinada e doentia preocupação do ministro da Guerra em enxergar por toda parte o perigo comunista” era uma paranoia. “Ninguém mais sente a iminência desse perigo, sobretudo depois que a Rússia se aliou às Nações Unidas na luta contra os totalitários e principalmente depois da extinção do Comintern (a Internacional Comunista) e da adesão à Carta do Atlântico”, escreveu Rabelo, lembrando que o Brasil participava dessas alianças.

A conjuntura evoluiu para a abertura da segunda frente da guerra contra o nazifascismo, em 6 de junho de 1944, com o desembarque das tropas aliadas na Normandia. Em 17 de julho, o primeiro escalão da Força Expedicionária Brasileira (FEB) desembarcou em Nápoles, Itália. Era uma vitória importantíssima para os comunistas, que mobilizaram forças e organizaram grandes ações em favor desse objetivo — muitos comunistas alistaram-se e foram combater na Itália. “Fomos os primeiros a reivindicar a participação militar do Brasil e o fizemos de maneira consequente”, segundo Amazonas.

Para os comunistas, em 1944 já era possível falar publicamente das suas ideias. No ato do Dia Internacional dos Trabalhadores daquele ano, em 1º de maio, ocorrido no Instituto Nacional de Música, no Rio de Janeiro, Armando Coutinho, antigo militante do Partido preso várias vezes, elogiou os princípios democráticos da Carta do Atlântico e pediu a “pacificação da família brasileira”. Segundo o escritor Jorge Amado, no livro Homens e coisas do Partido Comunista, em uma reunião da Liga da Defesa Nacional, realizada dia 6 de junho de 1944, representantes da UNE e o dirigente comunista Ivan Ramos Ribeiro falaram abertamente do Partido.

Pânico entre os esquerdistas

Getúlio recebia aquelas notícias com insatisfação e, como era do seu feitio, mexeu as peças no tabuleiro político para mostrar que ainda detinha as rédeas do Estado Novo. Ele trocou o chefe de polícia, Nelson de Melo, por Coriolano de Góis, famoso por ter comandado violências da polícia para reprimir manifestações contra o governo, quando havia sido secretário da Segurança Pública em São Paulo no ano anterior, que resultaram em mortes de estudantes e de outras pessoas.

Segundo o jornalista José Soares Maciel Filho, redator de grande parte dos discursos de Getúlio, a nomeação de Coriolano “indiscutivelmente” fora “uma bomba” para causar “pânico entre os esquerdistas”. “Os elementos comunistas estão infiltrados nas camadas das classes liberais, principalmente no Poder Judiciário e entre os advogados”, escreveu ele em carta endereçada ao irmão do presidente, Benjamin Vargas.

Grabois logo cairia na rede de Coriolano, que montou um programa de “arregimentação” de comunistas em prol da ordem pública. Na primeira leva de detidos, entre 5 e 17 de julho de 1944, estavam, além de Grabois, Amarílio Vasconcelos, Armando Coutinho, Roberto Morena e Iguatemi Ramos. Em 25 de julho, eles estavam na plateia que ouvia uma conferência do senador comunista chileno Salvador Ocampo na sede da Liga de Defesa Nacional quando foram presos novamente. Acusados de aplaudir entusiasticamente os conceitos expressos “por aquele extremista”, ficaram detidos dez dias.

A ofensiva de Coriolano atingiu também as publicações que criticavam o governo, um processo que a revista norte-americana Times chamou de “censura meticulosa”. O jornal Correio da Manhã foi multado por criticar a nomeação de Coriolano. Outros meios de comunicação chegaram a ser suspensos. Foi o caso da revista Diretrizes, do jornalista Samuel Wainer, que, mesmo com o apoio da UNE e do chanceler Osvaldo Aranha, não se salvou. O próprio Aranha foi atingido pela mão pesada de Coriolano quando se preparava para assumir a vice-presidência da Sociedade Amigos da América, no Automóvel Clube do Rio de Janeiro. A polícia invadiu o prédio e impediu a cerimônia. Ao saber que Getúlio, seu aliado histórico, apoiava a truculência pediu demissão da chancelaria.

Ilha de autoritarismo

Segundo o dirigente do Partido Comunista da Argentina Rodolfo Ghioldi, que como representante do Secretariado Sul-Americano da Internacional Comunista acompanhou os primeiros anos do Partido, a renúncia de Osvaldo Aranha era um exemplo da prevalência da política do Estado Novo. A nomeação de Coriolano, de acordo com o comunicado de Rodolfo Ghioldi, foi comemorada em uma festa de aniversário do cônego Olímpio Melo que, como presidente da Câmara Municipal, assumira o cargo de prefeito do Distrito Federal quando o titular do cargo, Pedro Ernesto, foi preso pela polícia de Filinto Müller em 1936. Os reacionários “denunciaran la iminente amenaza comunista contra la família brasileña”, dizia o texto de Ghioldi.

Coriolano espalhou agentes por todos os lados, que sempre retornavam com informes dando conta da presença de inimigos do governo nas atividades políticas que emergiam pela cidade. As anotações eram minuciosas e classificavam os vigiados como comunistas ou não. Havia também os “mais ou menos comunistas”, como o padre francês Joseph Ducatillon que atraiu vários comunistas para uma palestra, todos devidamente identificados pelos agentes de Coriolano. Na ocasião, segundo as anotações da polícia, trinta oficiais militares ouviram um discurso de crítica ao governo feito pelo coronel Juarez Távora, novo chefe do Departamento Militar da Liga de Defesa Nacional. As informações também diziam que o jornalista Carlos Lacerda acreditava no fim da ditadura no Brasil com a florescente influência da URSS.

Grabois foi mais uma vez pego pelas garras de Coriolano em dezembro de 1944, depois de várias prisões dos mapeados pela polícia. O chefe da repressão tinha em mãos cem nomes de pessoas que deveriam ser detidas. Junto com Grabois foram presas mais dezessete — doze, além dele, classificadas como comunistas. Os “adeptos do credo vermelho” foram acusados de “feitura de boletins subversivos” e detidos, segundo a Delegacia de Segurança Social, “em consequência de ligações que mantinham em frequentes encontros”.

Mas o Estado Novo já era uma ilha de autoritarismo em meio ao oceano democrático que se formava com o iminente fim dos regimes do Eixo nazifascista. Essa constatação ficou evidente até para alguns próceres da ala fascista do governo, como o ex-chefe do Estado-Maior do Exército, general Góis Monteiro, e Dutra.

Retornando de Montevidéu em outubro de 1944, Góis Monteiro declarou que, conferenciando com oficiais pelo caminho, verificou “uma ansiedade geral para a volta do país a um regime constitucional legítimo”. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, disse que chegava “para acabar com o Estado Novo”. Na mesma época, Dutra visitou a FEB na Itália e ao retornar informou que estudou relatórios confidenciais sobre a situação política e aconselhou Getúlio a tomar medidas de “normalização constitucional” antes mesmo do fim da guerra.

Em 31 de dezembro de 1944, Getúlio anunciou uma evolução gradual do quadro institucional do país, com base em “ampla e livre consulta à opinião pública”, segundo o jornal O Estado de S. Paulo. Mas encaixou a advertência: estava atento à “agitação prematura” e às “perturbações demagógicas”. Os anátemas do presidente contra os movimentos democratizantes não impediram os comunistas de retomar suas atividades logo após a virada do calendário.

Evasivas e restrições

Em 22 de janeiro de 1945, conforme a escritora Carolina Nabuco, as teses dos intelectuais comunistas para o I Congresso Brasileiro de Escritores, promovido pela Associação Brasileira de Escritores (ABDE), obtiveram ampla cobertura da imprensa. Dentro de poucos dias ocorreria o evento, defendendo ideias como a redistribuição da terra nas áreas rurais, o combate sem trégua ao nazifascismo, a liberdade de expressão e a restauração da república na Espanha oprimida pelo regime do general fascista Francisco Franco.

Nomes que ficariam conhecidos como intelectuais comunistas ou ligados ao Partido estavam presentes. Entre eles, Astrojildo Pereira, Dalcídio Jurandir, Cristiano Cordeiro, Jorge Amado, Caio Prado Júnior, Carlos Drummond de Andrade e Nelson Werneck Sodré. Os que não eram comunistas também se posicionaram abertamente a favor da democratização do país. “Não havia diferença entre comunistas e não comunistas; éramos todos aliados”, disse o intelectual Antônio Cândido. Segundo a Declaração de Princípios do Congresso, os intelectuais consideravam “urgente a necessidade de ajustar-se a organização política do Brasil” para a conquista completa da liberdade de expressão e a eleição de um governo “pelo voto mediante sufrágio universal, direto e secreto”.

Parecia que a cabeça de Getúlio estava em sintonia com as dos intelectuais do Congresso da ABDE. Em 28 de fevereiro de 1945 ele promulgou a Lei Constitucional número 9, um Ato Adicional que abria caminho para eleições presidenciais e parlamentares. Segundo Amazonas, a decisão fora tomada de maneira dúbia, com evasivas e restrições para eventualmente complementar os órgãos do Estado Novo. No começo de março, Getúlio concedeu entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, publicada no dia 3, defendendo o restabelecimento das relações diplomáticas com a URSS e dizendo estar disposto a considerar uma anistia política, estudando caso a caso.

O presidente se afastava do grupo mais identificado com o fascismo e, consequentemente, se aproximava do Partido. O diplomata Orlando Leite Ribeiro foi designado por Getúlio para ser o elo com Prestes, ainda encarcerado, conforme relata o capitão Agildo Barata, líder do levante da ANL no Rio de Janeiro em 1935 e mais tarde um destacado dirigente comunista, no livro Vida de um revolucionário.

Tempos depois, Prestes avaliaria que Getúlio precisava dos comunistas. Não era mais possível ignorar o prestígio da política do Partido, que mostrara seu valor nas organizações que lutavam pela paz e no movimento sindical — o Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), surgido do departamento sindical que se organizou na Liga de Defesa Nacional e dirigido por Amazonas, gozava de grande prestígio entre os trabalhadores.

Mundo político

A essa altura, Grabois já era um articulador que buscava interlocução no mundo político. Quando Getúlio fez os primeiros movimentos dando sinais de que promoveria um “ato que reestruturará o regime”, como definiu o jornal Gazeta de Notícias em fevereiro de 1945, ele participou do grupo que assinou um telegrama endereçado a José Américo de Almeida, ex-ministro da Viação e Obras Públicas e pré-candidato à presidência da República apoiado por Getúlio para as eleições que deveriam ocorrer em 1938, que declarara em entrevista ao jornal Correio da Manhã ser favorável à ampla e irrestrita democratização do país. O telegrama dizia:

Queira aceitar nossos aplausos pelos pontos de vista de unidade e democracia defendidos em sua entrevista ao Correio da Manhã. Estamos certos de que sua sinceridade e experiência política muito contribuirão para garantir uma solução democrática aos nossos problemas, evitando que paixões partidárias deem armas a elementos antidemocráticos para entravar a marcha do processo da nossa democratização. Sua precisa e inteligente interpretação dos acontecimentos de 1937, tendo em vista a falta de unidade das correntes democráticas, serve como um brado de alerta na situação atual. Dentro de um espírito de compreensão e tolerância, esquecidos os ressentimentos, tendo por base um programa que objetive a grandeza da nossa pátria, junto caminharemos, independente de nossas convicções políticas e preferências por candidaturas, no sentido de garantir a democracia tão ansiada pelo nosso povo e heroicamente defendida pela Força Expedicionária Brasileira nos campos de batalha da Europa.

Assinavam também Álvaro Ventura, Iguatemi Ramos, Ivan Ribeiro, Roberto Morena, Amarílio Vasconcelos, José Medina Filho, Júlio Homem de Morais, Spencer Bittencourt e Armando Coutinho.

Poucos dias depois, Grabois assinou outro texto de igual teor, este endereçado a Joaquim Rodrigues Neves, Grão-Mestre da Maçonaria Brasileira.

Apresentamos a vossa senhoria nossas entusiásticas felicitações pelo grande exemplo de civismo dado com sua entrevista. Os pontos de vista de unidade e os conceitos patrióticos que vossa senhoria defendeu, aliados à sua clara visão dos problemas fundamentais do Brasil, constituem motivo de satisfação pata todos os brasileiros honestos. Desta maneira, a maçonaria, coerente com seu passado de luta antifascista, veio mostrar que está integrada no movimento de união nacional destinado a assegurar uma solução democrática e unitária para o país, através de um governo de coalizão nacional capaz de garantir eleições livres dentro de um clima de liberdade e confiança.

Assinaram também Álvaro Ventura, Iguatemi Ramos, Spencer Bittencourt, Ivan Ribeiro e José Medina Filho.

Não havia mais grandes riscos de perseguição policial. Getúlio acabara de nomear João Alberto Lins de Barros, antigo companheiro de Prestes na Coluna, para a chefia de polícia no Rio de Janeiro. Ele chegou declarando que a anistia deveria ser concedida “sem restrições” e anunciou que Prestes poderia receber as visitas que desejasse. João Alberto visitou o Cavaleiro da Esperança na prisão para estender-lhe a mão do governo. “Encontrei-o muito receptivo a uma reaproximação com Getúlio, querendo esquecer as queixas do passado”, disse o novo chefe de polícia, segundo testemunho do jornalista Murilo Melo Filho. Logo em seguida Prestes telegrafou ao presidente, cumprimentando-o pelo reatamento das relações com a URSS e cobrando a anistia.

A propósito das relações diplomáticas com a URSS, Grabois liderou um telegrama a Getúlio, com os seguintes dizeres:

Excelentíssimo senhor presidente da República

Palácio do Catete

O estabelecimento de relações diplomáticas do Brasil com a União Soviética vem reforçar a coesão das Nações Unidas e contribui eficazmente para elevar o prestígio internacional da nossa pátria e ampliar as condições para o progresso e efetiva democratização do nosso país. Essa medida é a concretização de anseios longamente alimentados pelo povo brasileiro, já irmanado com as armas soviéticas na luta pelo aniquilamento do nazi-fascismo, através da gloriosa Força Expedicionária Brasileira. A nação espera que esse ato seja acompanhado pela imediata concessão de anistia ampla e irrestrita a todos os presos políticos não comprometidos com o Eixo, a fim de comparecermos mais fortes e unidos na Conferência de São Francisco (refere-se à reunião de cinquenta países que criou a Organização das Nações Unidas), ocupando o lugar de sexta potência no Conselho de Segurança Mundial.

Assinaram mais de trinta pessoas, entre elas Alzira da Costa Reis — a esposa de Maurício Grabois —, Aydano do Couto Ferraz, Armênio Guedes e Henrique Cordeiro Oest.

Problemas programáticos

A campanha pela anistia crescia rapidamente e ganhava as ruas. Em 6 de abril de 1945, a UNE, a Liga de Defesa Nacional, o MUT e outras organizações promoveram a Semana nacional pró-anistia, que terminou com um comício “monstro” no Largo da Carioca, no dia 13.

Na tarde de 18 de abril de 1945, uma aglomeração se formou em frente ao presídio Frei Caneca para presenciar a saída de Prestes, beneficiado pelo decreto assinado por Getúlio que concedia “anistia a todos quantos tenham cometido crimes políticos desde 16 de julho de 1934”. Não foi possível vê-lo. Ele saiu escoltado pelos militares Trifino Correia e Orlando Leite Ribeiro. Segundo Murilo Melo Filho, a libertação de Prestes fazia parte de um pacote negociado pelo Brasil com a URSS para o restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países.

De acordo com o documento Cinquenta anos de Luta, nesse período os comunistas não abordavam as questões relacionadas à revolução. Tratavam apenas de problemas pragmáticos para um tempo limitado. Em 1944 chegaram à posição errônea de união nacional para a guerra e para a paz em torno de Getúlio, grave erro corrigido um ano depois. “Assim, ao término da guerra o Partido reconstruído realizou uma fecunda atividade entre as massas, lançando as bases para o rápido desenvolvimento de suas fileiras”, escreveram Grabois e Amazonas.

A bússola do Partido apontava para um norte bem definido: a redemocratização do país por meio de uma Assembleia Nacional Constituinte livremente eleita, uma tecla na qual os comunistas batiam fazia tempo. O primeiro objetivo seria trazer Getúlio para esse caminho, uma engenharia de precisão levando em conta o comportamento arisco do presidente e os sabotadores dos avanços democráticos. O apoio às ações do governo era cuidadosamente estudado. “Adotando essa orientação (de convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte), o Partido apoia, de certa forma, o governo de Vargas, que, então, tomava medidas de sentido democrático, pretendendo permanecer do poder”, escreveram Grabois e Amazonas referindo-se à Conferência da Mantiqueira de 1943.

A força dos comunistas aparecia por todos os lados. Em um curto espaço de tempo, saíram das cavernas do Estado Novo e começaram a respirar fundo o ar da democracia, sobretudo após o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa, entre os dias 8 e 9 de maio de 1945. Consideráveis setores da população viam no Partido o combatente de 1935, o adversário corajoso do Estado Novo, o patriota abnegado na luta contra o nazismo e, por isso, o mais perseguido.

Segundo Grabois e Amazonas, o povo identificava nos comunistas os heroicos combatentes que, sob a direção do líder comunista soviético Joseph Stálin, foram o fator decisivo da vitória sobre o hitlerismo. “Dezenas e dezenas de milhares de homens do povo afluem ao Partido. Aos atos públicos por ele organizados comparecem verdadeiras multidões. Se criam (sic), também, numerosos Comitês Populares, que agrupam grandes massas e seguem a política do PC do Brasil. O movimento sindical, ganhando impulso, procura se libertar do controle do Ministério do Trabalho e aceita os comunistas como força dirigente. Surgem no interior diversas Ligas Camponesas”, escreveram.

Visita a Monteiro Lobato

A força do Partido se mostrou também em comícios nos estádios São Januário, Rio de Janeiro, e Pacaembu, em São Paulo. Na capital paulista, o poeta chileno Pablo Neruda leu um texto sobre o papel de Prestes. O escritor Monteiro Lobato, adoentado, leu, por telefone, uma carta, numa transmissão pelos alto-falantes do estádio. Depois, ele recebeu uma delegação do Partido integrada por Prestes, Neruda e Pedro Pomar, também liderança comunista histórica.

Além da cortesia, a visita a Lobato teve o propósito de sondar a sua disposição para se candidatar a deputado federal nas eleições de 1945. Poucos dias depois, seu nome foi anunciado na chapa apresentada pelo Comitê Estadual paulista do Partido. Lobato desistiria da candidatura por discordar do apoio dos comunistas ao governo, que ele chamou de “perdão a Getúlio”.

No Estado Novo, o escritor fora condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional depois de ter enviado cartas ao presidente da República e ao então ministro da Guerra Góis Monteiro — que precedera Eurico Gaspar Dutra no cargo — dizendo que eles cometiam crimes de lesa-pátria com a vergonhosa subserviência às imposições da Standard Oil, sabotando na prática o potencial industrial petrolífero brasileiro. Cumpriu pena no Presídio Tiradentes, em São Paulo, parte dela em regime de incomunicabilidade. Na prisão, conhecera o comunista José Maria Crispim e se aproximou do Partido.

Os comunistas defendiam a realização das eleições presidenciais depois de aprovada a nova Constituição que sairia da Assembleia Nacional Constituinte. Essa posição foi oficializada no “Pleno da Vitória”, como ficou conhecida a primeira reunião legal da direção nacional depois de vinte e três anos de vida clandestina, realizada entre 7 e 12 de agosto e de 1945. Em um telegrama enviado a Getúlio, cujo texto fora aprovado no pleno, os comunistas pediram uma reforma da Lei Constitucional número 9 “a fim de colocar o problema da reconstitucionalização democrática da nação nos seus verdadeiros termos, através de um decreto que convoque no menor prazo a Assembleia Constituinte, como a maneira mais acertada e segura de derrotarmos política e moralmente o fascismo e garantirmos, ampliarmos e consolidarmos o progresso e a democracia para nossa pátria”.

O Partido estava confiante na aceitação da proposta pelo presidente da República, a julgar pelas palavras iniciais do telegrama. “O Comitê Nacional do Partido Comunista do Brasil, no ato de encerramento de sua primeira reunião pública plenária, em que foram tomadas resoluções que visam acelerar a nossa marcha pacífica para a democracia, vem reafirmar a v. excia. o seu apoio e aplausos às medidas de conteúdo democrático adotadas pelo governo, principalmente a partir do início deste ano”, dizia o texto.

Pronunciamento de generais

O Informe Político apresentado por Prestes delineou a proposta, segundo ele uma sugestão da Comissão Executiva do Partido. “Reclamamos a convocação de uma Assembleia Constituinte, em que os verdadeiros representantes do povo possam livremente discutir, votar e promulgar a Carta Constitucional que pede a nação”, diz o texto, que reprovou a ideia de eleições presidenciais com a Constituição golpista de 1937 em vigor. “O governo que aí temos é um governo de fato e qualquer eleição presidencial, enquanto estiver em vigor a Carta de 1937, inaceitável para qualquer patriota consciente, nada mais significa do que a simples mudança de homens no poder, a substituição de um governo de fato por outro governo de fato, igualmente armado dos poderes vastos e arbitrários que confere ao Executivo a referida Carta”, lavrou o Informe.

A ameaça de entregar uma Constituição discricionária de brinde ao presidente eleito, por meio da vigência sem reforma do Ato Adicional assinado por Getúlio em 28 de fevereiro de 1945 instituindo as eleições, era agravada pelos dois candidatos que se apresentaram para a disputa da presidência da República: o general Eurico Gaspar Dutra, que segundo Amazonas fora um dos assinantes da Carta fascista de 1937 – que, de acordo com Pomar, continha até antissemitismo indireto, consequência da marcha ascendente das forças nazifascista em todo o mundo – e o brigadeiro Eduardo Gomes. Segundo o Informe apresentado por Prestes, era evidente o desinteresse popular pelas duas candidaturas que traziam a marca de uma politicagem sem princípios, em que predominavam os interesses e paixões pessoais, servindo apenas para dividir o povo e dificultar o processo de organização das agremiações políticas.

Os comunistas corriam para acumular forças capazes de impedir um retrocesso no processo de democratização. Um sinal de que as coisas poderiam degringolar foi uma boataria que tomou conta do país a respeito de um suposto pronunciamento de generais contra a convocação da Constituinte. A Folha Carioca entrevistou Góis Monteiro, que negou o fato enfaticamente. Não era a primeira vez que se pronunciava contra essa boataria, disse. “As contradições da política não interessam às Forças Armadas”, sentenciou. O ambiente no país estava conturbado por declarações do embaixador dos Estados Unidos, Adolf Berle Júnior, na cidade de Petrópolis, contra a Constituinte e com pitacos anticomunistas.

Getúlio disse que a convocação da Constituinte era um direito do povo. A declaração ocorreu em um comício dia 3 de outubro de 1945 no Largo da Carioca, Rio de Janeiro, promovido pelo Comitê pró-candidatura de Getúlio Vargas à Presidência da República — um movimento que ficou conhecido como “queremista”. “Quando a vontade do povo não é satisfeita, ficam sempre sementes de desordem e revolta”, disse o presidente.

Confiança nacional

Ao comentar a declaração de Getúlio, Pomar disse que o governo sabia quais eram as aspirações da maioria da nação. “O povo saberá apoiar o governo no caminho da democracia”, destacou. Segundo ele, os reacionários tudo fariam para impedir a ampliação e a consolidação da democracia. “O Partido Comunista do Brasil, porém, reafirma sua serena orientação independente e ordeira, com mais um apelo à união nacional em torno da necessidade da convocação da Assembleia Constituinte”, disse.

Pomar entrevia naquela cortina de fumaça sinais de labaredas. Apelou para a formação de um governo de confiança nacional, “capaz não só de assegurar a ordem interna e a união nacional como também enfrentar os sérios problemas da carestia e da inflação, que servem como pretextos de desordem para os agentes reacionários do capital colonizador e monopolista”. Era o que restava naquele momento, disse ele com ênfase. Suas opiniões derivavam de um telegrama que enviara a Getúlio, aplaudindo o “discurso democrático de 3 de outubro”. Em nome de Prestes, que percorria o estado do Rio Grande Sul em comícios pró-Constituinte, Pomar escreveu:

Exmo. Sr. Presidente da República, senhor Getúlio Dorneles Vargas.

Palácio Guanabara — Distrito federal

O Comitê Nacional do Partido Comunista do Brasil vem aplaudir o discurso democrático de V. Excia., ontem pronunciado, no qual, coerente com os últimos passos dados pelo governo, V. Excia. apoia e reconhece o anseio democrático crescente do povo brasileiro a favor da convocação de uma Assembleia Constituinte como melhor caminho para alcançar a democracia em nossa pátria. O Partido Comunista do Brasil, fiel à sua orientação unitária e patriótica, de ordem e tranquilidade, para derrotar os remanescentes do fascismo vem reafirmar a V. Excia. sua posição decidida em prol da modificação da Lei Constitucional nº 9 e a convocação de eleições para uma Assembleia Constituinte que a Nação reclama. O Partido Comunista do Brasil que tem suas forças empenhadas na conquista pacífica dessa conquista democrática se compromete a redobrar esforços, em ação comum com outras correntes políticas, entidades de classe e organizações populares pela mobilização cada vez maior do povo em apoio a mais esta justa medida do governo, que derrotará os reacionários, que procuram entravar a marcha da democracia no Brasil.

Atenciosas saudações

Pelo Secretário-geral

PEDRO POMAR

No comício, Getúlio disse que vinha “recebendo de todos os recantos do país, por telegramas, cartas e notícias de comícios públicos, insistentes apelos, agora reiterados pelo povo da capital federal naquela demonstração impressionante, para convocar uma Constituinte com poderes expressos para elaborar nova carta básica da organização política do país, isto é, uma nova Constituição”. Ele ouviu de um orador referência do embaixador dos Estados Unidos, Adolf Berle Júnior, a um golpe de Estado. “Nenhum diplomata estrangeiro tem o direito de interferir na nossa vida política”, disse o orador. “E isso porque nenhum diplomata brasileiro nunca protestou contra as discriminações raciais americanas”, arrematou.

Em seu discurso, Getúlio fez menção ao caso, sem citá-lo diretamente. “Sem dúvida, a eleição de uma Constituinte é um processo democrático, em perfeito acordo com as nossas tradições. Assim se fez em 1891, assim se fez em 1934, não precisamos, para isso, ir buscar exemplos nem lições no estrangeiro. Possuímos também a nossa tradição de democracia política, étnica e social”, disse.

O presidente esclareceu que para atender àqueles reclamos, manifestados na forma direta e espontânea nos verdadeiros pronunciamentos populares, o governo teria de modificar a Lei Constitucional número 9, e não poderia fazê-lo sem a posição favorável dos órgãos autorizados de opinião — os partidos, as entidades de classe, as forças organizadas. “O meu dever é cumprir a lei. Farei tudo que de mim depender para que o povo escolha livremente os seus candidatos”, afirmou.

Tom de denúncia

Getúlio mostrou desprendimento para buscar uma solução ao impasse político que se acirrava. “Perante Deus, que é o supremo juiz da minha consciência, perante o povo brasileiro com o qual tenho deveres indeclináveis, reafirmo que não sou candidato e só desejo presidir eleições dignas da nossa educação política, entregando o governo ao meu substituto legalmente escolhido pela nação. Mas, se para realizar as aspirações do povo em relação à Constituinte e abrir com a sua convocação novas possibilidades a uma melhor solução do problema eleitoral, que julgam não estar colocadas em bases democráticas, dissipando assim dúvidas e conciliando todos os brasileiros, for necessário o meu afastamento do governo não hesitarei em tomar essa resolução espontaneamente, com o ânimo sereno de quem cumpre um dever até o fim”, discursou.

O presidente finalizou em tom de denúncia. “Devo acrescentar que atravesso um momento dramático da minha vida pública e que preciso falar ao povo com prudência e lealdade. A convocação de uma Constituinte é um ato profundamente democrático que o povo tem o direito de exigir. Quando a vontade do povo não é satisfeita, ficam sempre fermentos de desordem e revolta. E nós precisamos resolver o nosso problema político dentro da ordem e da lei. Devo dizer-vos que há forças reacionárias poderosas, ocultas umas, ostensivas outras, contrárias todas à convocação de uma Constituinte. Posso afirmar-vos que, naquilo que de mim depender, o povo pode contar comigo. Quero terminar apresentando-vos os meus agradecimentos por esta demonstração cívica de alta significação. Ela bem demonstra que o povo brasileiro possui educação cívica, sabe o que quer e sabe para onde vai. Diante dessa manifestação, que considero como uma delegação da vontade popular, me sinto largamente compensado das agruras que tenho sofrido por servir com devotamento ao povo brasileiro.”

Dois dias depois, o Secretariado Nacional reuniu-se na sede do Partido, na Rua da Glória número 52, para debater o assunto. Grabois disse que a fala de Getúlio foi uma vitória do povo. “O discurso do presidente Vargas, por ocasião da manifestação de 3 de outubro, foi a primeira grande vitória do povo na sua luta organizada pela convocação das eleições para uma Assembleia Constituinte. O senhor Getúlio Vargas deu mais um passo no caminho da democracia, ao afirmar que satisfará os anseios do povo. Cumpre agora à nação coroar a campanha pró-Constituinte, obtendo através das organizações políticas, sindicais e populares a vitória final, enfrentando todos os reacionários que, com medo do povo, reagem desesperadamente, tentando conduzir o país ao caos e à guerra civil. O resultado positivo da oração do presidente da República, fruto da luta do povo, deve servir de estímulo a todos os patriotas a prosseguirem no combate aos remanescentes do fascismo no país, contra a rearticulação nazi-integralista e pela união nacional”, declarou.

O pronunciamento de Getúlio reforçou consideravelmente a campanha do Partido pela Constituinte. Os comícios aprovavam uma proposta de telegrama a Getúlio pedindo que ele ouvisse os apelos populares. Segundo Grabois, nenhum acontecimento na história do Brasil teve a profundidade e a envergadura, como movimento popular, como aquela campanha. “Nem na luta pela Abolição, nem a campanha republicana. Nem mesmo a vitoriosa jornada da anistia que arrancou dos cárceres os melhores filhos do povo alcançou tal mobilização de massas”, disse.

Havia também as ameaças dos integralistas, caraterizadas como atrevimento dos nazifascistas, que levaram o Partido a mobilizar vários segmentos, inclusive o presidente da República. Telegramas foram enviados a Getúlio denunciando a rearticulação dos integralistas sob a máscara da Cruzada Brasileira do Civismo.

Poderosos reacionários

Na verdade, os comunistas enfrentavam uma batalha dura para manter em ação o projeto da Constituinte. O próprio Getúlio vacilava e deu um passo atrás ao modificar por decreto a Lei Eleitoral marcando eleições simultâneas para presidente da República, deputados e senadores. A lei também previa que os interventores outorgassem constituições estaduais. “Sem dúvida, esse decreto está em profunda contradição com o discurso do senhor Getúlio Vargas pronunciado a 3 de outubro”, denunciou Grabois.

Depois de um comício organizado pelos comunistas, a massa marchou para o Palácio da Guanabara, a residência oficial da Presidência da República, onde contestou o decreto de Getúlio. A manifestação atingiu o auge quando Getúlio apareceu. A Tribuna Popular, jornal dos comunistas, descreveu a cena assim: “Milhares e milhares de bocas prorromperam em estrondosas aclamações e o grito de ‘O povo quer a Constituinte!’ reboou uníssono e incessante, um grande grito histórico traduzindo os melhores sentimentos do povo, cada vez mais democrata e patriota. Foguetes estouravam no ar e extraordinária alegria dos homens e das mulheres, dos velhos e jovens subindo aos céus.”

Em seu discurso, o presidente lembrou o que dissera em 3 de outubro sobre a existência de poderosos reacionários contrários à convocação da Assembleia Constituinte, medida considerada por eles um golpe contra as eleições marcadas para 2 de dezembro de 1945. Segundo Getúlio, ele não podia tomar decisões que aumentassem a intranquilidade que a luta política trouxera ao país. O assunto, afirmou, precisava ser encaminhado com sabedoria e prudência, ouvindo todos os partidos políticos, as classes trabalhadoras e produtoras, todas as forças organizadas, enfim, para que elas assumissem as responsabilidades por suas atitudes perante a opinião pública.

Enquanto Getúlio falava, a multidão gritava pedindo a Constituinte. Impávido, ele prosseguiu: “Eu nunca assumiria a responsabilidade de praticar um ato que viesse provocar a luta e o derramamento de sangue dos brasileiros.” Cada um deveria estar ciente de que responderia, dali em diante, pelos seus atos, disse o presidente. “Eu vos prometo fazer essa consulta para que cada corrente de opinião assuma perante o povo a parcela de responsabilidade que lhe cabe”, afirmou.

Fora das fronteiras

Segundo o presidente, cada uma delas precisava dizer às claras se estava de acordo com os clamores populares ou se apoiava as correntes reacionárias. Foi aplaudidíssimo. Ainda encoberto pelos aplausos, Getúlio terminou: “Não vos devo, porém, prometer senão aquilo que posso fazer.” A multidão deixou o Palácio da Guanabara satisfeita com as palavras do presidente e gritando: Constituinte! O povo exige a Constituinte! O povo quer a Constituinte! Uma parte foi para a Praça do Russel, onde um novo comício foi realizado, com discursos até as 23h30.

Em um comício em Belo Horizonte, Minas Gerais, Prestes também fez severa crítica ao decreto. Em Juiz de Fora, outra cidade mineira, Prestes voltou a falar do decreto e demorou-se na contestação ao que chamou de “golpes salvadores”. “Apoiaremos o governo contra a desordem”, proclamou. Tomasse cuidado a militância para evitar pretextos. Na Tribuna Popular, Grabois chegou a dizer que o Partido Comunista do Brasil não vacilaria em desmascarar os fomentadores de desordens e greves, que procuravam iludir as massas tentando “arrastar a mocidade das escolas para uma greve sem objetivo a fim de entravar a marcha para a democracia no país”.

Mas, na falta de pretextos, os golpistas foram buscar argumentos fora das fronteiras brasileiras. Disseram que Getúlio, à semelhança do que fazia Juan Domingos Perón, na Argentina — que se preparava para as eleições que deveriam ocorrer no começo do ano seguinte —, estaria aglutinando apoio dos trabalhadores, com a ajuda dos comunistas, para conquistar o poder nas eleições presidenciais.

Com esse e outros argumentos, os candidatos à sucessão presidencial, brigadeiro Eduardo Gomes — pela União Democrática Nacional (UDN) — e o general Eurico Gaspar Dutra — pelo Partido Social Democrático (PSD) —, convenceram seus aliados militares, liderados pelo general Góis Monteiro, a deporem o presidente em 29 de outubro de 1945. Na verdade, Getúlio estava sentado no epicentro da crescente tempestade que se formava no país. Ele não desconhecia os detalhes que transformava o desenrolar da crise em complô.

Origem de classe

O problema era que o Ato Adicional de 28 de fevereiro de 1945 instituindo as eleições se transformou em amarras que o deixava de pés e mãos atados. Só um gesto ousado, reformando a decisão anteriormente tomada, poderia dar vazão à torrente de manifestações que exigiam a convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Getúlio jamais pôde explicar por que decidiu levar sua indecisão até o limite, quando já não havia mais forças para sustentá-lo na presidência da República.

Preso entre a força das massas, impulsionadas pelos comunistas, e os grupos que o ameaçavam, resolveu resignar-se quando viu que não havia mais volta e a contenda prosseguiria sem o seu protagonismo. Os golpistas temiam que ele sucumbisse à tática do Partido de marcar as eleições presidenciais para depois da promulgação de uma nova Constituição, o que poderia significar a consolidação do processo de democratização do país.

Segundo Pomar, o golpe, aparentemente dirigido contra Getúlio. foi na verdade contra os comunistas. Ao não reagir, como queria o Partido, o presidente revelou sua origem de classe, seu desprezo pelo povo, a traição que mais uma vez cometia contra as massas que nele confiavam. Tanto os generais golpistas quanto Getúlio, disse Pomar, quiseram atingir um duplo objetivo. Os golpistas, ao mesmo tempo em que sonhavam com uma nova ditadura pretendiam liquidar o Partido com um banho de sangue sobre o movimento operário nascente. Getúlio teve também as suas pretensões: voltar ao poder depois de provar aos adversários que seria impossível governar sem ele, mas antes esmagando o proletariado e seu Partido de vanguarda por meio de provocações grevistas tentadas por seus agentes.

Mas os golpistas e Getúlio viram seus sonhos desfeitos, avaliou Pomar. A democracia estava em ascensão e as grandes massas ficaram alertadas pelo trabalho de educação política em seis meses de legalidade dos comunistas. “Não assumimos nenhum compromisso formal ou secreto com Vargas. Apenas, em 1945, o movimento operário e democrático que defendíamos coincidia com as políticas de Vargas”, afirmou. “Seguíamos uma estrada paralela e por isso nos encontramos lutando em determinado instante pelos mesmos objetivos, sem fazer pacto algum”, esclareceu.

Interesses de classe

Diógenes Arruda Câmara, também histórico dirigente comunista, conta que o golpe foi preparado depois do discurso do embaixador norte-americano Adolf Berle em Petrópolis, Rio de Janeiro, dizendo que o “comunismo” era um perigo, que estava avassalando o Brasil, e deixando a entender que Getúlio fazia demasiadas concessões aos comunistas.

“Nós procuramos estabelecer um contato, e teve entendimentos antes do golpe dado contra ele em 1945. Dissemos: vamos à greve geral, vamos levantar as Forças Armadas! Nós tínhamos muita força, principalmente no Exército. E o Vargas disse: Prefiro renunciar e ir embora a fazer uma guerra civil. Porque começa comigo e vai terminar nas mãos dos comunistas. E o Vargas foi embora para a sua fazenda lá em São Borja e não quis enfrentar os golpistas no terreno que deviam ser enfrentados — através de uma greve geral, paralisando toda a vida do país, e através da luta armada. Porque os golpistas eram fracos. Quem tinha força nas Forças Armadas de fato era o Getúlio, naquele tempo, e os comunistas, o nosso Partido. E Getúlio não quis enfrentar a luta no terreno que era possível para garantir o processo democrático”, disse.

Prestes também falou que Getúlio não resistiu porque não quis. “No dia 29 de outubro, quando os tanques marchavam para depô-lo, por ordens do general Góis Monteiro, eu estava com o general Estillac Leal e o coronel Osvino Ferreira Alves. Nós mandamos um recado para ele: ‘Resista, porque alguns tanques vão virar os canhões contra o Alcio Souto, comandante das tropas. E a massa vai lhe apoiar.’ Mas ele preferiu ficar sentado de charuto na mão, esperando ordens para ir para a casa. Foi o mesmo caso de Perón, na Argentina: o povo clamava por armas para defendê-lo, em frente à Casa Rosada, mas ele preferiu fugir e abrigar-se num navio de guerra do Paraguai. Não foi para evitar derramamento de sangue que Getúlio deixou de resistir. Ele preferiu agir assim, pois compreendeu que, no choque, o nosso Partido cresceria muito. Preferiu optar pela defesa dos seus interesses de classe. Assim, ele e Perón acabaram agindo de forma semelhante: capitularam em defesa dos interesses de classe.”

Segundo Grabois, o apoio aos atos democráticos do governo Getúlio fora uma prova de que os comunistas estavam dispostos a realizar a união nacional. Por esse motivo, o golpe de 29 de outubro não mirava especificamente o presidente da República, mas o povo que apoiava seus atos democráticos e, sobretudo, o Partido Comunista do Brasil e as organizações genuinamente populares.

Angu com pimenta

Góis Monteiro falou abertamente que o golpe foi motivado pela influência que os comunistas exerciam sobre a grande mobilização popular alcançada com a campanha pró-Constituinte. “Nessa altura dos acontecimentos (quando houve o golpe) e percebendo os perigos para o país decorrentes das marchas e contramarchas, declarei várias vezes, pela imprensa e ao próprio senhor Getúlio Vargas, que não era possível pensar-se numa Assembleia Constituinte a não ser que todas as correntes partidárias estabelecessem um consenso geral nesse sentido, pois, do contrário seria deflagrar um movimento subversivo, porquanto não podiam admitir as Forças Armadas que fosse adotada a iniciativa do Partido Comunista”, declarou o general.

Nos dias seguintes, o projeto de democratizar o país com a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte dançou em cima do muro. Os comícios foram proibidos. A Tribuna Popular foi invadida pela polícia e suas instalações destruídas. Sedes do Partido foram vandalizadas em diferentes localidades do país. Sindicatos e Comitês Populares sofreram ameaças. Até os integralistas se assanharam e partiram para as provocações. Em Pernambuco, nas cidades de Goiana e Arcoverde, grupos deles invadiram as sedes do Partido de armas em punho.

Mas a campanha pela convocação da Assembleia Nacional Constituinte entrava em uma nova fase, um ambiente que Getúlio caracterizou como angu com muita pimenta, segundo o marechal Oswaldo Cordeiro de Farias, que fora companheiro de Prestes na Coluna Invicta, o responsável por entregar ao presidente deposto o ultimato dos generais golpistas sob o comando de Góis Monteiro.

Cinco dias após o golpe, uma nota do Partido disse que a situação criada levava “a nação ao risco iminente da guerra civil, do terrível e desnecessário derramamento de sangue de seus filhos, que só não aconteceu devido à atitude firme e consequente do nosso Partido e de outras forças populares”. Pouco depois, em 10 de novembro de 1945, uma nova nota aplaudia José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) que assumira o posto de Getúlio, pelos “atos positivos e as manifestações de caráter democrático” que adotara, entre eles a convocação da Constituinte. Decretos foram revogados. Artigos autoritários da Constituição foram suprimidos. E as constituições estaduais outorgadas pelos interventores foram derrogadas. O tom era bem mais ameno do que o da nota anterior.

Posição de unidade

Na verdade, as forças dos golpistas não permitiram que eles fossem além da deposição de Getúlio. Tanto que no mesmo dia 10 de novembro de 1945 o Partido obteve o registro como apto a participar das eleições. Nas eleições, os comunistas elegeram catorze deputados e Prestes como senador. Getúlio também foi eleito senador por dois estados: Rio Grande do Sul pelo Partido Social Democrático, e por São Paulo, pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB). Mas deu as costas para a Constituinte. Grabois disse que ele recebeu muitos votos de amplas camadas populares e estava plantado em São Borja, no Rio Grande do Sul, onde se refugiou em sua fazenda. Para os comunistas, a atitude de Getúlio deixava o PTB, criado por ele, como linha auxiliar do PSD de Dutra, eleito presidente da República.

Um caso ocorreu quando o deputado e general Euclides Figueiredo (UDN-RJ) sugeriu a revogação de artigos da Lei de Anistia decretada em 18 de abril de 1945 que impedia a reintegração dos militares anistiados aos postos anteriormente ocupados. O deputado Segadas Vianna (PTB-DF), manifestando a posição da bancada trabalhista — que, segundo Grabois, entrou no Palácio Tiradentes na “garupa do ex-ditador” —, criticou a proposta.

No encaminhamento da posição da bancada comunista, Grabois disse que ao pôr em liberdade os presos políticos Getúlio não concedeu anistia. Tivesse concedido, o assunto estava encerrado. “Anistia significa esquecimento e vemos que o governo não esqueceu, mas, ao contrário, procura perpetuar mentiras contra brasileiros dignos e honestos”, afirmou. E lamentou a posição assumida pela bancada do PTB. “É triste para nós, democratas, ver que, neste recinto, tomam a defesa de uma causa ingrata aqueles que se dizem representantes dos trabalhadores e lhes pediram votos, prometendo pugnar, aqui, pelos interesses do proletariado. São esses homens que estão à vanguarda da reação no Brasil, colocando-se contra a democracia, contra os trabalhadores”, discursou.

Para Grabois, a vergonhosa decisão da bancada do PTB era uma traição também aos interesses nacionais. “Nós, comunistas, nos declaramos dispostos a esquecer todas as perseguições que sofremos. Ninguém mais do que nós, comunistas, teve o sentimento de esquecer tudo o que foi articulado contra nós, todas as torturas físicas que padecemos. Não vimos a esta tribuna desfiar as pretensões que nos foram feitas. Isso é do conhecimento de todos. Fazendo essa declaração de voto da bancada comunista, reafirmo a nossa posição de unidade, de cooperação e de paz. Achamos que o requerimento do deputado Euclides Figueiredo é o melhor teste democrático para os representantes (da Constituinte)”, finalizou, entre aplausos.

Briga na rua

Na verdade, o processo de democratização do país entrava em uma fase de declínio. A UDN, que no início do governo Dutra se opusera ao PSD e ao PTB, começava a rachar, com um grupo indo se juntar aos que atacavam os comunistas. Depois de certo tempo, Getúlio deu o ar da graça numa acalorada sessão da Constituinte. Aliomar Baleeiro (UDN-BA) apontou o dedo para Getúlio dizendo que ele era culpado pelo clima de repressão que voltava ao país. A fala incendiou a bancada getulista, cuja gritaria ganhou o reforço de alguns constituintes de outros partidos. Chegou-se às ameaças de agressão, que não se consumaram por conta da ação de outros parlamentares menos exaltados.

Ao remover águas passadas, Aliomar Baleeiro trouxera à tona velhos ressentimentos e provocara o instinto belicoso de Getúlio. Segundo o deputado baiano, se o ex-presidente quisesse se defender das acusações era só ocupar a tribuna que ele estava ocupando naquele momento. E foi o que Getúlio fez. Na tribuna, o ex-presidente começou a discursar calmamente, dizendo que quando as duas câmaras se separassem para assumir o papel legislativo ele prestaria informações ao país sobre o seu governo. Quando o ex-presidente foi aparteado pelo deputado Souza Leão (PSP-AL) dizendo que no passado ele não procedera assim, o caldo entornou.

Getúlio respondeu: “Quando for votada a Constituição, falarei ao público para definir minha posição perante a história de minha pátria. Mas, para que não suponham que haja nesta atitude qualquer vislumbre de receio, venho declarar que, se houver alguém que tiver contra mim motivos de ordem pessoal ou se julgar com direitos ao desagravo ou injúria, fora do recinto desta Assembleia, eu estarei à sua disposição.” O desafio de Getúlio, chamando seus desafetos para brigar na rua, foi recebido com espanto. Enquanto deixava o Palácio Tiradentes, o general Euclides Figueiredo, de pé no recinto, disse que se não houvesse quem aceitasse o desafio ele se candidatava ao pugilato. Foi contido por um grupo de parlamentares que o convenceu a desistir da ideia.

Logo surgiu a campanha para a cassação da legalidade dos comunistas, quando o obscuro deputado Barreto Pinto (PTB-DF) — eleito com apenas quatrocentos votos por conta da grande votação obtida por Getúlio e, segundo os comunistas, um integralista que ajudou a apunhalar o parlamento brasileiro em 10 de novembro de 1937 — defendeu a ideia em entrevista ao jornal O Globo.

O jornal foi ouvir o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Waldemar Falcão, que declarou: “Os senhores devem ler a lei eleitoral.” Mas os discípulos de Barreto Pinto, conforme diziam os comunistas, lendo ou não a lei eleitoral, com o apoio da mídia entraram de cabeça na campanha pela cassação do registro do Partido, que logo ganharia o reforço do ex-conselheiro do Tribunal de Segurança Nacional do Estado Novo, Himalaia Virgulino — caracterizado pela Tribuna Popular como um “lombrosiano”, indivíduo que apresenta traços físicos típicos de criminoso nato, segundo a teoria do criminologista italiano Cesare Lombroso, que iniciou os estudos da antropologia criminal ao publicar, em 1874, o livro L’uomo delinquente (O homem criminoso).

Aliança em São Paulo

Prevendo dias piores, Pomar aproximou-se de Adhemar de Barros, ex-interventor do Estado Novo em São Paulo e industrial, com vistas a estabelecer uma aliança eleitoral. A ideia inicial era apoiar Prestes Maia, o candidato de Getúlio. Prestes teria conferenciado com o ex-presidente sobre o assunto, segundo os jornais paulistas. Depois de algumas vacilações, Prestes Maia declarou que não aceitaria ser candidato e Getúlio voltou-se para a candidatura de Adhemar de Barros.

Em entrevista coletiva em São Paulo no dia 13 de dezembro de 1946, Pomar afirmou: “A nossa legalidade e a democracia são o nosso primeiro objetivo. A defesa da Constituição é para nós fundamental. Compreendemos que o momento é muito grave. Ainda não há unidade das forças políticas para a defesa da ordem constitucional democrática, que é o que nos interessa, por interesse ao povo brasileiro.”

O Diário da Noite, em sua edição de 21 de dezembro de 1946, disse que Prestes Maia pedira uma conversa com Adhemar de Barros, com quem conferenciou demoradamente sobre a situação política em São Paulo. O assunto seria o lançamento da candidatura de Adhemar com o apoio dos comunistas, questão tratada com Getúlio, conforme declaração de Pomar, segundo o jornal. “Por outro lado, são bastante conhecidas as relações do senhor Prestes Maia com o Partido Comunista, pois sua própria senhora é membro militante daquela organização”, afirmou o Diário da Noite.

A aliança foi fechada na tarde do dia 3 de janeiro de 1947. As candidaturas comunistas de Pomar e Arruda para deputado federal seriam transferidas para o então recém-criado Partido Social Progressista, pelo qual Adhemar de Barros se candidataria a governador. A aliança aproximava o industrial do eleitorado trabalhador e os candidatos comunistas se protegiam das ameaças do anticomunismo. De quebra, garantiam a candidatura ao Senado de Cândido Portinari. Adhemar de Barros seria eleito, assim como Pomar e Arruda.

Traição de Adhemar de Barros

Segundo Arruda, a eleição para o Senado foi fraudada. “Nós elegemos um senador, que foi o Cândido Portinari, o grande pintor. Ele foi eleito. Basta dizer o seguinte: o Roberto Simonsen, que havia sido apoiado pelo PSD, pelo Getúlio e por todo mundo, estava atrás da votação de Portinari cerca de 50 mil votos. Essa noite ia ser fechada a ata geral das eleições em São Paulo. Na noite seguinte, para surpresa, os quase 50 mil votos de diferença a favor do Portinari haviam passado milagrosamente… ou melhor dito: foram roubados e passados para Roberto Simonsen. Quer dizer: o Roberto Simonsen não foi eleito pelo eleitorado. Foi eleito pelo Tribunal Estadual Eleitoral de São Paulo. O verdadeiro senador eleito foi Cândido Portinari”, diz ele.

Naquele ambiente tensionado, São Paulo seria um tabuleiro decisivo para a sucessão do presidente Dutra e atraía a atenção de todas as forças políticas do país. Com os olhos voltados para os movimentos políticos no estado, o governo federal pressionava Adhemar de Barros, exigindo que ele eliminasse a força dos comunistas. Estes, por sua vez, conclamavam as forças democráticas para que cerrassem fileiras contra novos golpes na democracia.

Em 18 de setembro de 1947, o governador mandara dissolver um comício comemorativo do primeiro aniversário da Constituição, no Vale do Anhangabaú, segundo Pomar um acontecimento vergonhoso. Para ele, Adhemar de Barros atentava contra a Constituição, tentando evitar, por todos os meios, que a palavra dos representantes do povo, e especialmente dos comunistas, chegasse às grandes massas.

Pomar escreveu na Tribuna Popular que o governador tomava tal atitude porque “as tradições de liberdade da gente de Piratininga” estavam contra sua posição de mero interventor da “ditadura” em São Paulo. “Adhemar de Barros, se tem memória e se de fato é bom calculista, deve compreender que as forças que o elevaram ao governo do estado em 19 de janeiro longe de se enfraquecerem tornaram-se mais poderosas. E essas forças não compactuam com a sua traição”, escreveu.

Manifesto de Agosto

Uma das campanhas anticomunistas no estado de São Paulo dava conta de suposta reaproximação dos comunistas com Getúlio. As tropelias contra os comícios que citavam o ex-presidente eram denunciadas por Pomar e outros parlamentares comunistas sempre que surgiam informações de truculências promovidas pelo governo paulista. Na Câmara dos Deputados, Pomar protestou contra um projeto que considerava feriado o dia 29 de outubro, data do golpe que tirou Getúlio da Presidência da República em 1945.

Pomar, contudo, não apoiou a volta de Getúlio à Presidência da República. Segundo ele, sua candidatura era resultado de uma solução eleitoral reacionária para a crise do país. A base de seu argumento foi o impedimento à participação nas eleições das personalidades “mais populares do povo, como Luiz Carlos Prestes, João Amazonas, Gregório Bezerra e tantos outros líderes da classe operária”, depois da cassação do registro do Partido em 1947 e dos mandatos comunistas em 1948. A outra solução seria a golpista, não levada a cabo por conta das vacilações das classes dominantes.

O caráter e o sentido das eleições, segundo a visão dos comunistas, foram comentados por Prestes no Manifesto de Agosto de 1950, lido na íntegra por Pomar na tribuna da Câmara dos Deputados. Pressionado pelo deputado Aureliano Leite (PSD-SP) a dizer em quem os comunistas votaram, Pomar afirmou que não pretendia fazer um balanço geral, mas denunciar à nação os motivos que levaram a reação a afastar os comunistas daquele processo.

Pomar explicou que era fácil verificar que os comunistas não tiveram candidatos próprios. “Então vossa excelência quer dizer, com rodeios, em outras palavras, que os comunistas não votaram nessas eleições, não compareceram ao pleito?”, indagou Aureliano Leite. Depois de uma troca ríspida de perguntas e respostas, Pomar disse: “Vossa excelência está fazendo, aqui, um papel muito conhecido.” “Qual é? O de provocador?”, insistiu o deputado do PSD. “O de trapalhão, unicamente”, tascou Pomar.

Segundo Pomar, os comunistas diziam que tanto Getúlio como Cristiano Machado ou o brigadeiro Eduardo Gomes — os três principais candidatos à Presidência da República — não resolveriam os problemas que afligiam a grande maioria do povo. A atuação de qualquer um deles seria reacionária.

Guinada radical

Os comunistas haviam tomado uma linha que seria considerada esquerdista. O Manifesto de Janeiro de 1948 dizia que a luta pelas reivindicações imediatas das massas trabalhadoras deveria ser organizada dentro das entidades sindicais já existentes ou, onde isso fosse impossível, em novas organizações profissionais criadas nos próprios locais de trabalho. A indicativa de formação de associações profissionais estava vinculada à impossibilidade de atuação nos sindicatos existentes sob a intervenção do Ministério do Trabalho.

Grabois disse, num texto intitulado Mobilizar grandes massas para defender a paz e derrotar o imperialismo e a ditadura, de agosto de 1949, que a posição de abandonar os sindicatos oficiais, que a militância sindical havia compreendido esquematicamente a importância da criação das associações profissionais. O fundamental para os comunistas era a organização por local de trabalho e as lutas pelas reivindicações econômicas imediatas dos trabalhadores.

Os comunistas, apesar das duras críticas à estrutura sindical vigente, lutavam por eleições livres para as direções sindicais, sem a intervenção direta do Ministério do Trabalho, e o fim do imposto sindical como condições para o estabelecimento da efetiva liberdade sindical.

No balanço sobre o desenvolvimento da sua política sindical desde o início de 1948, a direção do Partido foi bastante crítica. O documento Ampliar a organização e a unidade da classe operária, aprovado em julho de 1952, diz que os comunistas não haviam posto em prática a unidade do movimento operário. A própria diretiva de organização nas empresas, acertada em princípio, para ser justa deveria ter apresentado claramente como tarefa precípua o reforço da luta dos trabalhadores e levá-los à conquista de seus sindicatos e não à criação de novas associações profissionais ou de uma nova organização sindical no país.

O debate se deu num contexo de guinada radical à esquerda. Segundo Arruda, o Partido saíra de uma posição “oportunista de direita”. “Hoje se olhando verifica-se, eu pelo menos acho, que a nossa linha política do período de 1945 a 1947 foi oportunista de direita. Nós acreditávamos que podíamos conquistar o poder através de um processo democrático, eleitoral, parlamentar etc. Éramos dirigentes jovens, os êxitos subiram à cabeça. Grandes vitórias, verdadeiramente desconhecidas na história do Partido e do movimento operário brasileiro. Bem… Mas nós tivemos muitas ilusões de classe. Entretanto, não podemos considerar, não creio correto, que era errada a política que adotamos em relação ao Getúlio. Tinham aspectos que deveriam ser corrigidos. Por exemplo: falar em ordem e tranquilidade — isso era uma atitude oportunista. Não querer realizar muitas greves — outra atitude oportunista. O apoio incondicional a Vargas — também uma atitude oportunista”, diz ele.

No Manifesto de Agosto, de 1950, os comunistas reafirmaram a linha esquerdista ao proporem a formação da Frente Democrática de Libertação Nacional (FDLN) que conduziria a massa pelo caminho das lutas revolucionárias, “como exigia os superiores interesses nacionais”. À medida que se agravava a situação do país e aumentava o perigo de guerra no mundo inteiro, cresciam a radicalização e a combatividade das massas trabalhadoras. E à frente delas deveriam estar os democratas e patriotas, que não podiam recear as formas de lutas mais altas e vigorosas, inclusive choques violentos com as forças da reação e os combates parciais que levariam o povo à luta vitoriosa pelo poder e à libertação nacional do jugo imperialista.

Reformas de base

Naqueles dias, os jornais divulgaram que Prestes se aproximava de Getúlio. Respondendo à pergunta de um jornalista sobre uma possível intervenção dos Estados Unidos no país caso ele fosse apresentado como candidato à sucessão de Dutra, Getúlio respondeu: “Recuso-me a acreditar nisso, pois pobre seria do país que dependesse da aprovação estrangeira para a escolha de seus dirigentes.” Ao comentar uma reportagem da revista norte-americana Time sobre os principais acontecimentos da metade do século XX no mundo, Getúlio disse que para ele os fatos mais relevantes foram “a Revolução Russa de 1917, a desintegração do átomo e a descoberta da penicilina”. “Pode-se acrescentar a primeira e segunda guerra mundial, pois sem uma não seria possível a Revolução Russa e sem a outra não se teria ainda resolvido o problema da desintegração do átomo”, complementou.

A repetição da Revolução Russa fez com que ele advertisse os jornalistas para a forma de divulgar o assunto. “Veja lá como vai publicar isso, senão ainda vão me considerar comunista”, recomendou. Getúlio comentou que nas eleições de 1945 e 1947 o Partido Comunista do Brasil se colocou contra o PTB e explicou que suas teorias sobre o que chamava de “reformas de base” em nada se pareciam com o “comunismo”. Não fazia sentido, portanto, segundo o ex-presidente, os boatos dos jornais dando conta de que Prestes fora visto atravessando a fronteira rio-grandense, fato que levou o chefe de polícia do estado a cercar todos os caminhos que levavam à fazenda Itu, no município gaúcho de Itaqui, onde Getúlio morava.

Segundo ele, os jornalistas estavam divulgando declarações que nunca dera e omitindo o que dissera. Um exemplo era a própria Time, que não publicou sua resposta sobre a iminência de uma guerra — hipótese considerada improvável por Getúlio — e sua opinião contrária à cassação do registro do Partido Comunista do Brasil. “Acho que o nosso governo, que tem imitado o governo americano em tantos pontos, também poderia imitá-lo neste”, falou. Sobre a ida de Prestes em sua fazenda, afirmou: “Essa foi uma medida ridícula. Se Prestes quisesse conferenciar comigo, ele não iria se arriscar a atravessar a imensa vastidão que separa a minha fazenda de qualquer centro urbano.”

Voto em branco

Os comunistas defenderam o voto em branco, mas, segundo o historiador Hélio Silva, muitos votos do Partido migraram para o PTB.  No documento Cinquenta anos de luta, Grabois e Amazonas escreveram que o Manifesto de Agosto mesclava questões programáticas e posições táticas, o que levava, na atividade prática, a interpretações esquerdistas. Além disso, apresentava a burguesia em bloco como força inimiga. “O Partido cai em posições sectárias, abstém-se de participar das eleições presidenciais de 1950, que levam Vargas outra vez ao poder. Diante do novo governo, o Partido se define. Sem levar em conta a situação real, adota atitude rígida de combate sistemático a Vargas, que obteve expressiva votação popular e representa, em certo grau, setores progressistas da nação”, avaliaram.

Eleito, Getúlio se deparou com problemas complexos. A alta do custo de vida, que se acelerou ainda no governo Dutra, agravou os conflitos sociais. A situação da balança de pagamentos se deteriorou rapidamente. O passivo foi coberto à custa de empréstimos contraídos no estrangeiro. Ao mesmo tempo, agravaram-se a falta de energia elétrica e os problemas com o transporte, afetando o desenvolvimento da economia.

O clima de “desassossego” se manifestava no governo, reflexo da luta entre as correntes nacionalistas e entreguistas. A solução adotada por Getúlio, de forte intervenção do Estado na economia, respondia à necessidade de “suprir as deficiências da iniciativa privada, ou acautelar os superiores interesses da nação, quer contra a ação predatória destas forças de rapina, que não conhecem a bandeira nem cultuam outra religião que não seja a do lucro”, segundo mensagem enviada pelo presidente ao Congresso Nacional.

A atenção do governo estava concentrada nas medidas que asseguravam o desenvolvimento pela via da industrialização, apoiado no capital nacional e orientado para o mercado interno. A heterogeneidade, no entanto, às vezes empurrava o governo para a colaboração com o capital estrangeiro, mas o presidente reforçava o controle nacional sobre todas essas operações. Por esse meio, pretendia solucionar os problemas da falta de divisas, do desemprego e da soberania do país. Para atingir esses objetivos, o presidente apelou para a colaboração dos trabalhadores e dos empresários, sob a arbitragem do Estado.

Ampla coalizão

O país que vagueava sem rumo começava a ter nova feição. Getúlio atendeu a algumas reivindicações dos trabalhadores das camadas inferiores das cidades, angariando considerável popularidade. Em 1951, uma lei proibiu os bancos e pessoas particulares de cobrar juros anuais sobre créditos superiores a 12%. Em janeiro de 1952, o salário-mínimo, sem aumento desde 1943, recebeu um reajuste considerável. Apesar dessas medidas, o impulso da onda grevista que surgia no país aumentou. Em 1951, 264 mil trabalhadores participaram de greves. Em 1952, esse número subiu para 411 mil e, em 1953, chegaria a 800 mil.

O PTB não dispunha de maioria no Congresso Nacional. Para ter governabilidade, o presidente formou uma ampla coalizão. Mas os partidos de direita, a mídia e muitas organizações empresariais formaram uma aliança conspiradora e passaram a hostilizar Getúlio. O apoio limitado à lógica da Guerra Fria e o estabelecimento do controle nacional sobre o petróleo com a criação da Petrobras provocaram irritação nos Estados Unidos que, em 1953, retiraram seus técnicos de uma comissão americano-brasileira de cooperação econômica criada por Dutra.

Quando Getúlio voltou à Presidência da República, o país já estava enquadrado no molde da Guerra Fria. Ele iniciou uma administração dúbia, cedendo aos setores golpistas das Forças Armadas, porta-vozes dos interesses militares norte-americanos, com o acordo militar Brasil-Estados Unidos — segundo Pomar um “tratado de colonização, de terror e de guerra”, conforme ele escreveu no jornal comunista Voz Operária —, ao passo que amainava a repressão política. Com o passar do tempo, o governo também enfrentou o imperialismo, criando uma lei de remessa de lucros para obrigar as empresas estrangeiras a investirem no país. O clima golpista se instalou. O pavio começou a arder atrás de Getúlio.

Empedernido tirano

Ao analisar aquela conjuntura, o Partido classificou o governo de Getúlio como de preparação de guerra e de traição nacional. O presidente era um instrumento útil e necessário aos imperialistas, que facilitava a completa colonização do Brasil pelos Estados Unidos. Grabois, no jornal comunista Voz Operária de 9 de fevereiro de 1952, desancou Getúlio ao lembrar a passagem do primeiro aniversário da sua posse. Chamou-o de “velho opressor e explorador do povo brasileiro”, “politiqueiro”, “latifundiário”, “tirano” e “demagogo”. “Há doze meses o empedernido tirano empolgava o poder através da intensa e cínica demagogia, fazendo sem o menor escrúpulo toda espécie de promessas, explorando com a mais deslavada má fé os profundos sentimentos anti-imperialistas do nosso povo e as aspirações das grandes massas a uma vida melhor.”

O presidente, afirmou Grabois, só foi eleito porque enganou o povo. “O politiqueiro da república velha, o ditador sem entranhas no Estado Novo, as vésperas das eleições de outubro de 1950, afivelava à face nova máscara e apresentava-se sem qualquer cerimônia aos trabalhadores como defensor dos interesses nacionais e reivindicações populares. ‘Trago-vos a bandeira das reivindicações sociais e do nacionalismo econômico’, afirmava com descaramento o candidato Vargas aos eleitores que buscavam por um novo regime social e desejavam a emancipação do país do jugo imperialista. Vargas proclamava-se solenemente candidato do povo e declarava não ser candidato nem dos interesses privados de grupos.”

Segundo ele, bastou um ano de atividade do governo para confirmar em toda a plenitude e justeza das palavras de Prestes e de seu Partido, antes das últimas eleições presidenciais, de que Getúlio continuaria a política de Dutra, “política de traição nacional, de guerra e de entrega do país aos monopolistas norte-americanos, de esfomeamento e perseguições contra o povo”. “Os atos do atual governo desmentem todas as afirmações demagógicas de Getúlio e negam todas as suas promessas de candidato. Na verdade, o governo de Vargas evidenciou ser um governo dos ricos contra os pobres.”

Para Grabois, a saída era contrapor sempre às soluções das classes dominantes a “solução de Prestes”, que indicava “a todo povo brasileiro o caminho da luta por um governo democrático popular”. “Se agirmos de outro modo, as massas serão novamente ludibriadas por qualquer aventureiro que apresente uma plataforma demagógica”, afirmou. “Diante do rápido desmascaramento do demagogo Vargas, quando os trabalhadores, pela própria experiência, começam a comprovar a justeza da orientação dos comunistas, devemos nos colocar audaz e corajosamente à frente da classe operária e do povo na luta por suas reivindicações políticas e econômicas imediatas, elevando cada vez mais o nível dessas lutas, aumentando-as sempre de acordo com o amadurecimento político e o grau de radicalização das massas, no sentido da luta pela paz, contra o imperialismo ianque, por um governo democrático popular.”

Derrubada do governo

O IV Congresso do Partido, realizado em 1954, deu forma às ideias que pontuaram os documentos desta fase dos comunistas, realçando o caráter anti-imperialista da revolução naquela etapa histórica. O Programa aprovado previa a substituição do governo por outro capaz de defender a soberania nacional, expulsando do território brasileiro os domínios e as missões dos Estados Unidos. Ao mesmo tempo, anularia os acordos lesivos com os norte-americanos e estabeleceria relações amistosas com a URSS e demais países do campo da paz.

No início dos debates do Congresso, Grabois polemizou com o histórico membro do Partido Fernando Lacerda sobre o governo de Getúlio. “Aproveitando os debates que se processam para o IV Congresso, arremete, agora, contra o Programa do Partido. Mas na reunião de dezembro do Comitê Central que aprovou o projeto de Programa do Partido manifestou Fernando Lacerda seu apoio ao projeto em debate. Assim agindo, dá uma demonstração de leviandade, de que não prima pela coerência, nem pelo respeito ao organismo a que pertence.”

Segundo Grabois, Fernando Lacerda pretendia suprimir do Programa toda referência à derrota ou à derrubada do governo Getúlio. “Esta sugestão, aparentemente inocente, se aceita, eliminaria do Programa do Partido sua essência revolucionária. Sob o pretexto de luta contra hipotéticos ‘delírios esquerdistas’. Fernando Lacerda procura impedir a luta firme e decidida do povo brasileiro pela derrubada do governo de Getúlio para acabar com o regime dos latifundiários e dos grandes capitalistas, dos imperialistas norte-americanos.”

Não havia no projeto de Programa, disse, a diretiva imediata de derrubada do governo Getúlio. “Onde está no Programa o apelo à ação para derrubar, agora, o governo de Vargas? Fernando Lacerda dá a entender que o Programa do Partido manda preparar tecnicamente a derrubada do governo Vargas, que o Partido está organizando a insurreição e assim alimenta ‘tendências e ilusões putchistas de certos democratas e patriotas e de importantes massas que os escutam’”, afirmou.

O problema era a visão estratégica sobre o país e não aquele governo especificamente. “Admitindo-se que tudo corra normalmente e que em 1955 haja eleições para presidente da República, é justa a afirmação do Programa do Partido de que é indispensável a derrubada do governo Vargas? Sim. Esta afirmação é inteiramente correta e oportuna. O Programa proclama: ‘Se queremos viver e prosperar, se queremos que nossa pátria alcance o futuro radioso a que tem direito, se queremos nos livrar da odiosa escravidão americana e tirar nosso povo do atraso, da miséria e da ignorância em que vegeta, é indispensável acabar com o regime dos latifundiários e grandes capitalistas a serviço dos imperialistas norte-americanos, derrubar o governo Vargas’. Fica, portanto, perfeitamente claro no Programa que o povo brasileiro só se libertará do jugo dos imperialistas norte-americanos, do atraso e da ignorância em que vive, liquidando com o regime de latifundiários e grandes capitalistas a serviço do imperialismo ianque.”

Não se tratava de simples mudanças de homens do poder, mas mudar de regime, substituí-lo por outro, democrático e popular, asseverou Grabois. “Todo Programa está impregnado dessa tese. Mas a luta contra o atual regime e pela conquista do regime democrático popular não é uma coisa abstrata, nem é um objetivo longínquo pelo qual só é possível lutar daqui a alguns anos, como deseja Fernando Lacerda. A luta por este objetivo é uma luta atual, a ser realizada de acordo com as presentes condições objetivas e subjetivas. Como, no entanto, lutar contra o atual regime, sem lutar pela derrubada do governo que representa os latifundiários e grandes capitalistas a serviço dos monopólios norte-americano contra o governo de Vargas?”

Suicídio de Getúlio

Aquela era a razão por que o Programa indicava a necessidade de substituir o “governo antipopular e antinacional, o governo de Vargas, por um governo democrático de libertação nacional”. “Para derrubar o atual regime de latifundiários e grandes capitalistas a serviço dos monopólios ianques é preciso lutar, hoje, pela derrota do governo de Vargas, sem especular se o governo Vargas deixará de existir ou não em 1955. Trata-se, agora, de unificar todas as forças democráticas, progressistas, nacionais e libertadoras para substituir o governo Vargas pelo governo democrático de libertação nacional. A maior ou menor rapidez na conquista deste objetivo dependerá do ritmo de fortalecimento e unificação das forças interessadas na libertação do Brasil do jugo imperialista norte-americano e na instauração de um regime de paz e felicidade para o povo.”

Para ganhar as grandes massas para o Programa do Partido, disse Grabois, era preciso empregar uma tática a mais ampla possível, utilizando, hábil e flexivelmente, todos os meios ao alcance e todas as oportunidades que surgissem. “A campanha eleitoral é uma dessas grandes oportunidades. As eleições despertam milhões para a vida política. Cada dia que passa o povo brasileiro revela abertamente o seu descontentamento com o governo antipopular e de traição nacional de Vargas e com a proximidade das eleições, manifesta por todos os modos seu desejo de mudar a política dos atuais governantes e de encontrar a saída para seus angustiantes problemas.”

O Partido teria de digerir o suicídio de Getúlio, em 24 de agosto sw 1954. A morte dramática do presidente pegou os comunistas no contrapé. Enquanto faziam oposição pela esquerda, a direita promovia um violento ataque ao seu governo. Vargas respondeu ao ultimato para que renunciasse dizendo que só sairia do Catete morto — como de fato aconteceu. Com a popularidade em alta, seu suicídio revoltou a população, que chorou sua morte, apedrejou a embaixada dos Estados Unidos e incendiou jornais, inclusive um do Partido, no Rio Grande do Sul.

O episódio ocorrera bem no auge dos debates do IV Congresso, apesar de não ter sido objeto de discussão. A proposta de Programa, no entanto, foi aprovada com a supressão das passagens em que Getúlio era pesadamente criticado. Prestes diria depois que, com o recrudescimento das ameaças da direita, os comunistas cogitavam apoiar o presidente em caso de golpe.

Força do povo

Em um Manifesto do Comitê Central, o Partido carimbou o governo do presidente Café Filho, o vice de Gertúlio, como “ditadura americana” e se disse disposto à união para salvar a democracia. E diagnosticou que novos e maiores perigos ameaçavam a vida e a segurança do povo brasileiro. Pela força das armas, os piores inimigos do povo conseguiram chegar ao poder. Os que levaram Getúlio ao suicídio eram os mais vis lacaios dos provocadores de guerra dos Estados Unidos, que protagonizaram um ato revelador da brutalidade dos métodos norte-americanos de dominação e pôs a nu a violência com que os agentes do Departamento de Estado faziam e desfaziam governos no Brasil. “Nós, comunistas, lutamos pela derrubada do atual governo e por um governo democrático de libertação nacional, mas estamos prontos a entrar em entendimentos com todas as forças políticas, líderes políticos e correntes patrióticas que queiram unir-se em torno de uma plataforma democrática a fim de derrotar eleitoralmente as forças da reação e do entreguismo”, dizia o documento.

Segundo Prestes, a mobilização popular surgida logo após a morte de Getúlio revelara aos comunistas que a real força do povo brasileiro, que estaria disposto a defender a liberdade e a independência da pátria, estava vertebrada pelos comunistas e trabalhistas, estes vistos agora como “irmãos”. “Foram os acontecimentos, portanto, que nos colocaram no mesmo terreno de luta. Trabalhistas e comunistas lutamos contra o mesmo inimigo, que é o imperialismo norte-americano, lutamos contra seus agentes em nosso país — os generais fascistas e os politiqueiros reacionários da UDN”, disse. Seria uma união contra os entreguistas, que deveriam ser derrotados nas urnas ainda em 1954, quando o país elegeria representantes para o Congresso Nacional, assembleias legislativas, câmaras de vereadores, além de alguns governadores e prefeitos.

O Comitê Central decidiu indicar ao eleitorado os nomes de Juscelino Kubitscheck e João Goulart aos cargos de presidente e vice-presidente da República. Para o Partido, em torno daquelas candidaturas poderiam ser agrupadas amplas forças que se oporiam ao golpe e defenderiam a Constituição e as liberdades democráticas para garantir a realização das eleições em 3 de outubro. Amazonas conta que ele e Lincoln Oest, este também membro do Comitê Central, conversaram com o candidato Juscelino Kubitschek. Segundo Amazonas, ele disse: “Vocês têm no Brasil o que: trezentos mil votos? Numa eleição presidencial trezentos mil votos não têm importância nenhuma. Agora, se eu for eleito vou mandar suspender essa perseguição jurídica que há aí contra vocês. Eu vou parar com isso.”

Juscelino Kubitscheck seria eleito com menos de trezentos mil votos de diferença em relação ao segundo colocado, com a vigorosa “campanha antigolpe” promovida pelo Partido. Mas a posse do presidente eleito só foi possível porque o ministro da Guerra, general Henrique Teixeira Lott, com uma ação armada neutralizou o golpe que pretendia “liquidar as liberdades públicas e rasgar a Constituição” para implantar “no Brasil uma ditadura terrorista a serviço dos monopólios norte-americanos”, de acordo com uma nota do Comitê Central do Partido.

Imposições de Prestes

Nos debates do V Congresso do Partido Comunista do Brasil, em 1960, que levariam à sua reorganização em 1962, Pomar disse que a atitude diante do governo de Getúlio no período 1951-1954 não fora correta. As consequências daquele erro também ficaram visíveis, mesmo antes do suicídio do presidente. Os comunistas sofreram golpes em sua própria carne. Era uma crítica a um artigo de Prestes que, segundo Pomar, superdimensionava o erro dos comunistas, que levava à ideia de que Getúlio fora um grande líder anti-imperialista que os comunistas ajudaram a matar.

Não queria excluir a responsabilidade dos comunistas no caso, mas ela deveria ser melhor pesada, afirmou. Pomar indagou: o que revelou a crise governamental de 1954, do ponto de vista do agravamento das contradições internas e anti-imperialistas? Por que Vargas não se matou em 1945, por ocasião do golpe de 29 de outubro? Lembrou que o Partido apoiava Getúlio e manifestara disposição de resistir ao golpe. Sempre, porém, na dependência de que ele tomasse a iniciativa de resistir.

Pomar revelou que aquele erro se devia ao sistema existente no Partido, a começar pela sua direção. Tanto o Manifesto de Agosto de 1950 como a decisão de abster-se na luta eleitoral de outubro de 1950 foram aprovados contra a vontade da maioria da direção. Foram impostos porque assim queria principalmente Prestes. Entre parênteses, disse que não queria lembrar, naquele momento, a imposição sobre a luta pela renúncia de Dutra, feita por Prestes em tais termos que seria quase impossível acreditar. Recordava também que a decisão de não aliar-se ao PTB nas eleições municipais de 1951 tinha sido levada adiante com o esmagamento impiedoso dos discordantes, que mesmo timidamente manifestaram-se contra a infantilidade da posição do Partido.

Naquela época já se podia observar certo desalento nas fileiras comunistas e perceber que a linha política claudicava diante dos acontecimentos que se precipitavam, como os de 24 de agosto de 1954 (data do suicídio de Getúlio) e os de 11 de novembro de 1955 (posse de Juscelino Kubitscheck), analisou. Pomar constatou que nas fileiras comunistas propagou-se rapidamente uma sensação de frustração, sobretudo nos setores da intelectualidade ligada aos comunistas ou sob a influência do Partido. “Cresceu a confusão ideológica em face das enormes vacilações da direção partidária e da sua impotência para enfrentar os ataques dos revisionistas”, comentou.

– Lideranças sindicais destacam, em nota, legado de Getúlio Vargas

Getúlio Vargas, presente!

Neste 24 de agosto de 2024 completam-se 70 anos da trágica morte do presidente Getúlio Vargas. Como estadista, modernizador, comprometido com o povo e com o país, sua memória deve ser reverenciada.

Todo trabalhador e trabalhadora do Brasil que tem carteira profissional, jornada regulamentada, férias, licença maternidade, representação e benefícios das convenções coletivas é herdeiro do legado de Getúlio. Todos os filhos e filhas de trabalhadores, criados sob a segurança proporcionada pela CLT, é herdeiro deste legado.

Como sindicalistas lutamos para que este patrimônio do povo brasileiro se fortaleça.

Getúlio rompeu com a oligarquia de fazendeiros que controlava o país antes de 1930 e conseguiu implementar um projeto de desenvolvimento que contemplava lutas sindicais, reformulando as relações de trabalho.

Em seu governo foi criado o Ministério do Trabalho e Emprego, regulamentada a sindicalização das classes operárias e patronais, criado o Primeiro Código Eleitoral do país, a carteira profissional e consolidadas diversas leis trabalhistas em 1º de maio de 1943.

Através da criação de grandes empresas nacionais como a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Companhia Vale do Rio Doce (atual Vale) e a Petrobras, estabeleceu-se o protagonismo de um sistema industrial na economia estimulando a mobilidade social. Com diferentes arranjos políticos e institucionais, o Brasil mudou de sociedade agrário exportadora de base rural para uma sociedade urbano-industrial.

Isso exigiu uma mudança de mentalidade contra a qual a elite de perfil escravocrata reagiu de forma contundente e violenta. Sobre sistemática pressão, em 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas decidiu tirar a própria vida ao invés de ceder às chantagens da elite golpista.

Seu suicídio desencadeou uma grande comoção nacional, como registrou o escritor Araken Távora [1]:

“Homens e mulheres, velhos e moços, caíam ao chão, sob fortes choques emocionais, enquanto outros não continham o pranto convulso. Os vivas a Getúlio misturavam-se aos versos do Hino Nacional, cantado por um côro de milhares de vozes. Cumpria-se, dramaticamente, a promessa de Vargas: ‘Só morto sairei do Palácio’”.

Quando a Carta-Testamento deixada pelo presidente foi transmitida pela Rádio Nacional, a comoção cresceu ainda mais.

Na Carta, Vargas enfatizou a soberania e a valorização do povo trabalhador, não deixou dúvida sobre as pressões políticas que precipitaram sua morte e disse que seus detratores se revoltavam “contra o regime de garantia do trabalho”. “Não querem que o trabalhador seja livre”, sentenciou.

Ao final, através de palavras carregadas de emoção, exaltou a população que quis libertar: “Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém” (…) “Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”.

A perseguição ao legado getulista adentrou os governos seguintes até consagrar-se no golpe de 1964. A ditadura militar e os anos subsequentes, de aprofundamento do neoliberalismo, foram marcados pela tentativa de dilapidar o que foi construído em termos de legislação trabalhista, patrimônio e soberania nacional.

Mas as mudanças protagonizadas por Getúlio Vargas foram sólidas e profundas e, mesmo com as investidas udenistas, mesmo com a ditadura militar e mesmo com a lógica dominante do mercado, o conjunto de leis consolidado em 1º de maio de 1943 ainda é o porto seguro da classe trabalhadora.

É por isso que lutamos, e é por isso que estamos aqui hoje prestando esta homenagem a este grandioso estadista brasileiro: Getúlio Dornelles Vargas!

Miguel Eduardo Torres, presidente da Força Sindical.

Ricardo Patah, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT).

Adilson Araújo, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Antônio Neto, presidente da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB).

Moacyr Tesch Auersvald, presidente da Nova Central Sindical de Trabalhadores (NCST).

José Gozze, Presidente da PÚBLICA, Central do Servidor.

Aires Ribeiro, presidente da Confederação dos Servidores Públicos Municipais do Brasil (CSPB).

Alberto Broch, vice-presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag).

Aldo Amaral de Araujo, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias e Obras de Terraplenagem no Estado de Pernambuco.

Alex Santos Custódio, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Betim.

Alvaro Egea, secretário geral da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB).

Antonieta Dorledo Farias, presidente do Sindicato dos Servidores do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais (Sisipsemg).

Antonio Vitor, presidente da Federação dos Trabalhadores em Alimentação de São Paulo.

Aprígio Guimarães, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria (CNTI).

Artur Bueno de Camargo Junior, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação (CNTA).

Assis Melo, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Caxias do Sul.

Augusto Vasconcelos, presidente do Sindicato dos Bancário da Bahia.

Canindé Pegado, secretário geral da União Geral dos Trabalhadores (UGT).

Clarice Inês Mainardi, presidente da Federação dos Municipários do Rio Grande do Sul (Femergs).

Cláudio Figueroba Raimundo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e Cultura (Cnteec).

Cristina Helena Silva Gomes, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Itapira.

Diany Dias, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas do Mato Grosso (Sintap).

Eduardo Annunciato (Chicão), presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo.

Eliseu Silva Costa, presidente da Federação dos Metalúrgicos de São Paulo.

Emerson Silva Gomes, vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Pesada (Sintepav) da Bahia

Eusébio Pinto Neto, presidente do Sindicato dos Empregados em Postos de Combustíveis do Rio de Janeiro.

Francisco Moura, presidente do Sindicato dos Taxistas do Ceará (Sinditaxi).

Francisco Pereira (Chiquinho), presidente do Sindicato dos Padeiros de São Paulo.

Gilberto Almazan (Ratinho), presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região.

Gilberto Dourado, presidente do Sindicato dos Telefônicos do Estado de São Paulo (Sintetel).

Gustavo Walfrido, presidente da Federação dos Bancários de Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Gustavo Walfrido, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT) de Pernambuco.

Jefferson Caproni, presidente do Sindicato dos Auxiliares e Técnicos de Enfermagem de São Paulo.

João Carlos Gonçalves (Juruna), secretário geral da Força Sindical.

Jose Avelino Pereira (Chinelo), presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Itatiba.

Jose Ferreira da Silva (Frei Chico), vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados.

José Francisco de Jesus Pantoja Pereira, presidente da Federação dos Trabalhadores no Comércio do Para e Amapá

José Ribamar Frazão Oliveira, presidente do Sindicato dos Empregados em Condomínios do Maranhão.

Lucia Maria Pimentel, diretora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Luiz Carlos Motta, presidente da Federação dos Comerciários de São Paulo (Fecomerciarios).

Marcelo Lavigne, presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT) Bahia.

Márcio Ayer, presidente do Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro.

Marcio Ferreira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Borracha de São Paulo (Sintrabor).

Maria Auxiliadora dos Santos, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Instrumentos musicais e Brinquedos do Estado de São Paulo.

Maria Bárbara, presidente da Federação dos Empregados em Estabelecimentos de Saúde do Rio de Janeiro.

Maria Lúcia Nicacio, presidente do Sindicato Trabalhadores Rurais de Manaus e Região.

Milton Baptista de Souza (Cavalo), presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos.

Murilo Pinheiro, presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo.

Nilson Duarte da Costa, presidente Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Pesada do Rio de Janeiro.

Nilton Neco da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores do Comércio de Porto Alegre.

Nivaldo Santana, secretário de relações internacionais da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Oswaldo Mafra, presidente dos Trabalhadores em Alimentação de Itajaí.

Paulo Ferrari, presidente do Sindicato dos Empregados em Edifícios de São Paulo.

Paulo Oliveira, presidente do Sindicato dos Empregados de Agentes Autônomos do Comércio (Seaac) de Presidente Prudente.

Pedro Francisco Araújo, presidente da Federação dos Trabalhadores em Segurança e Vigilância Privada do Estado de São Paulo.

Raimundo Firmino dos Santos, presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores na Movimentação de Mercadorias em Geral.

Renê Vicente, primeiro tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema).

Ricardo Pereira de Oliveira, presidente interino do Sindicato dos Metalúrgicos de Guarulhos e Região.

Rogério Fernandes, presidente da Federação dos Empregados em Serviços de Saúde de Minas Gerais.

Rosa de Souza, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Supermercados da Bahia.

Rui Oliveira, primeiro secretário da Associação dos Professores Licenciados do Brasil, Secção da Bahia (APLB/Sindicato).

Ruth Coelho Monteiro, secretária nacional de cidadania e direitos humanos da Força Sindical.

Sérgio Arnaud, presidente da Federação dos Servidores Públicos do Rio Grande do Sul.

Sérgio Butka, Presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da Grande Curitiba.

Sergio Luiz Leite, presidente da Federação dos Trabalhadores nas Indústrias. Químicas e Farmacêuticas do Estado de São Paulo (FEQUIMFAR).

Severino Ramos de Santana, presidente do Sindicato dos Comerciários de Recife.

Ubiraci Dantas, vice-presidente Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Valdir de Souza Pestana, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestre (CNTTT).

Valéria Morato, presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro).

Vicente Selistre, vice-presidente do Sindicato dos Sapateiros de Campo Bom.

Wilson Pereira, presidente Confederação Nacional dos Trabalhadores em Turismo e Hospitalidade (Contratuh).

[1] Távora, Araken, O Dia em que Getúlio Morreu, Editora do Reporter, 1966