– A unidade do sindicalismo brasileiro tem futuro?

Eis o que está em jogo no movimento sindical: uma oportunidade única para a unidade efetiva dos trabalhadores. Mas o ”esquerdismo” e o cutismo podem ser obstáculos poderosos a esta unidade.

Há uma equação que não fecha: no começo do ano passado, um informe da Organização Regional Interamericana de Trabalhadores (Orit) anunciou que o sindicalismo das américas daria um importante passo rumo ao seu fortalecimento porque seria formada uma nova central sindical do continente. ”Esse processo, que vem se desenvolvendo desde 2001, representa também um avanço regional do processo de unidade mundial, concretizado em novembro do ano passado quando foi criada a Confederação Sindical Internacional (CSI)”, dizia o texto. Ao mesmo tempo, as articulações excluíam setores importantes do movimento sindical — que começam a se articular em torno da Federação Sindical Mundial (FSM).

A questão é saber que efeito esta divisão terá no sindicalismo brasileiro. Tem sido fácil, nos últimos tempos, quebrar a unidade sindical em nome de concepções exclusivistas. O exemplo mais evidente disso é a forma como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) surgiu, em 1983, fundada por um grupo de sindicalistas ligados ao Partido dos Trabalhadores (PT). O episódio representou a consolidação de uma lamentável divisão no movimento sindical. Em um discurso aos principais líderes sindicais do país em 2002, o então senador eleito Aloizio Mercadante (PT-SP) lembrou que na Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), realizada em 1981, ”os sindicatos entraram unidos e saíram divididos”.

Imaginação infantil do sectarismo doutrinário

Mais tarde, um ilustre representante petista, o intelectual Florestan Fernandes, falando sobre a importância da unidade da esquerda na eleição para a Assembléia Nacional Constituinte de 1988 condenou energicamente a estreiteza política. ”A esquerda devora a esquerda; ela não parte de um equacionamento objetivo das tarefas políticas das classes trabalhadoras da cidade e do campo, no momento atual, mas de fantasmas que rondam a imaginação infantil do sectarismo doutrinário”, disse ele. É óbvio que para falar em esquerda e direita quando se trata do movimento sindical de hoje em dia é preciso tomar alguns cuidados.

Há pelo menos duas vertentes significativas que reivindicam o rótulo de ”esquerda” e que, de uma forma ou de outra, reproduzem certos ”fantasmas que rondam a imaginação infantil do sectarismo doutrinário”. A primeira é a própria CUT. É comum ouvir hoje dirigentes daquela central dizer que o ”novo sindicalismo” que motivou a divisão do movimento sindical na Conclat ainda é a referência cutista. Dizem que a CUT nasceu como uma central de trabalhadores, não de sindicatos. E que a central se diferenciou porque combateu as articulações entre sindicatos, as negociações de cúpula tentadas por um ou outro dirigente sindical de boa vontade. Tais manifestações são comuns, por exemplo, quando o assunto é a organização e a sustentação financeira dos sindicatos.

A outra vertente é a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas), de coloração trotskista. Para esta vertente, neste momento a unidade da classe trabalhadora só é possível com a luta implacável contra os ”colaboracionistas”. O termo põe num saco de gatos todas as tendências sindicais que não compartilham de sua opinião, mas o alvo, por ter as mesmas raízes, é a CUT. Exemplo disso é um artigo de José Maria de Almeida, um dos artífices da Conlutas, publicado pelo jornal Folha de S. Paulo no dia 16 de novembro de 2007, no qual ele escreve que, diferentemente da CUT, ”que traiu seus princípios de fundação”, a Conlutas não aceitará os recursos oriundos do imposto sindical.

Forma definida a um anseio difuso

Não há uma vertente sindical que se reivindica de ”direita”, mas muitas passam longe do que se convencionou chamar de esquerda. Algumas, no passado recente apoiaram abertamente o neoliberalismo. A questão é: como unir todas estas vertentes em torno de uma plataforma comum? O processo de união, no sentido mais amplo, com o funcionamento do fórum das centrais está ultrapassando o obstáculo mais difícil: a barreira ideológica. Este é um passo importante, mas o difícil mesmo é formar a vontade política necessária para deflagrar e sustentar um processo de unidade desse porte.

Este é um aspecto decisivo e nem sempre lembrado. O fórum das centrais pode dar forma definida a um anseio difuso que vem ganhando corpo entre os trabalhadores. A distância política entre as centrais mais fortes tenderá a se reduzir, como já começou a ocorrer. Mesmos os cutistas tendem a aceitar com menos constrangimento esta unidade — sob pena de ficarem falando sozinhos, não percebendo o tamanho das mudanças que estão sendo gestadas sob os nossos olhos. E qual será, afinal, a cara desse novo sindicalismo? Imaginar que teremos superado todas as seqüelas do sectarismo doutrinário e do conservadorismo é patente exagero.

Pregações verbosas, empoladas, difusas

Mas é razoável supor que atingimos um patamar irreversível rumo a um movimento sindical mais arejado e mais combativo. Politicamente, já temos entre as principais organizações sindicais uma relação democrática robusta, com diálogo fluente entre as correntes políticas. O desafio agora é alçar esta organização a um novo patamar. O oxigênio da concórdia informal é sempre importante, mas só ele não é suficiente. Uma nova Conclat deve criar uma amálgama que dê firmeza a essa unidade. A dificuldade maior será com a tendência infantil, que acha que os problemas não estarão resolvidos enquanto não houver uma organização sindical pura — um sindicalismo predominantemente de ”esquerda”.

O ”esquerdismo” sempre achou que o capitalismo usurpa inexoravelmente as entidades sindicais que não fecham todas as portas e janelas para impedir que o capital malvado tome conta de suas organizações. São os ”fantasmas que rondam a imaginação infantil do sectarismo doutrinário” ditos por Florestan Fernandes. Suas pregações verbosas, empoladas, difusas, idealistas e repletas de declarações de princípios no fundo são completamente vazias de senso prático e nem de longe tocam nos problemas fundamentais da classe trabalhadora. São tendências especialistas em velhos chavões e velhíssimas fórmulas tonitruantes, tudo vago, impreciso e superficial.

Interesses de classe dos trabalhadores

Para unificar-se como é necessário, as organizações sindicais terão de assentar suas bases no interesse comum dos trabalhadores — que é a questão econômica. Politizar a luta sindical não quer dizer deixar de lado o critério de que acima das opiniões políticas e ideológicas, das opções religiosas ou pessoais, estão os interesses econômicos fundamentais, que são comuns a todos os trabalhadores. Um trabalhador, por mais distância que mantenha das questões políticas e ideológicas, compreende perfeitamente a identidade de interesses que o liga aos demais integrantes de sua classe social. Isto é fácil de demonstrar, de compreender e de sentir porque a própria realidade das relações de trabalho se encarrega de mostrar as causas fundamentais das desigualdades sociais.

A unidade do movimento sindical, portanto, só será verdadeira se estiver assentada no terreno comum dos interesses de classe dos trabalhadores. Somente esta sólida unidade pode enfrentar o bloco patronal, que até se fraciona em matéria de política, de religião ou de qualquer outra coisa, mas quando se trata de defender seus interesses se coesiona de forma compacta, homogênea. Para defender seus interesses, o patronato esquece suas divergências e une-se na defesa solidária de seus projetos, que são comuns frente aos projetos da classe trabalhadora. Enfim: a política do divisionismo no fundo é traição.

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Líderes e chefes

Domingo, 31 de julho de 2005. Jogavam Santos e Corinthians. Era um jogo marcado pela fraudulenta arbitragem daquele campeonato brasileiro para o Corinthians ganhar. Mas o Santos tinha Giovanni, o Messias (apelido carinhoso que ganhou da torcida), que simplesmente atuou como Pelé. Resultado: mesmo sendo um jogo marcado para dar a vitória ao Corinthians, o time da Vila Belmiro venceu por 4 a 2. Quando o jogo terminou, a torcida ainda rasgava a garganta com um grito que revelava a importância daquele jogador para o time. Giovanni marchou para o meio do campo com seu trote característico e um sorriso no rosto. No centro do gramado, socou o ar. A torcida explodiu.

Durante toda a partida, Giovanni fez sentir em campo sua presença e sua experiência. Funcionou como a cola que mantém as peças juntas, energizou o espírito do grupo. Ajudou a organizar o time no gramado, combateu ferozmente o adversário e também a displicência e os erros de seu time. Em suma: sua participação, como um líder inspirado e que inspira, foi fundamental para que o Santos enveredasse pelo caminho do êxito naquele jogo fatídico. A pergunta que fica é: que substância fez de Giovanni um líder com o poder de conduzir seu time à vitória? A capacidade de ser líder.

Líder precisa saber ouvir

Dunga é outro jogador que também ficou conhecido por sua liderança em campo. Só que um tipo diferente de liderança. Em um comercial que fez para uma linha de picapes, a GM anunciava que Dunga era ”respeitado por sua força” e ”temido por sua liderança”. Giovanni era o oposto de Dunga. A diferença está no modo como se concebe a liderança. Líderes não são temidos — são respeitados. E o respeito de que gozam não é angariado através do exercício da força ou do medo. Até porque as pessoas nutrem ojeriza, e não respeito, por aquilo que temem, por aquilo que lhes é enfiado goela abaixo.

Há líderes e chefes. O chefe para gerir lança mão da coerção, do uso da hierarquia como lâmina. O chefe impõe-se pela chibata exatamente porque não é líder. Abrir mão do individualismo monárquico é uma condição indispensável para o líder ter a capacidade de mediar suas próprias opiniões e intuições com o ponto de vista das outras pessoas. Dito de outra forma: o líder precisa saber ouvir. Muitas vezes, precisa mais escutar do que falar. Além de ouvir, o líder precisa também — óbvio — dominar a arte de dizer as coisas certas na hora certa. Precisa ter a capacidade de convencer, de gerar consenso. O chefe trabalha com um monte de burocratas — ou burrocratas — ditando regras e espalhando suas bílis.

Chefes são caudilhos toscos

Em outras palavras: se o papel e o microfone aceitam qualquer bravata dos chefes, o mesmo não acontece com a realidade. Chefes são caudilhos toscos. Sua capacidade de diagnosticar corretamente os problemas e fazer, com eficiência e justeza, o que deve ser feito é praticamente zero. O líder cria sistemas, que nada mais são do que uma série de ações que, pela eficiência que proporcionam, acabam se tornando padrão pelo período de tempo de uma determinada conjuntura.

O líder Luis Inácio Lula da Silva tem demonstrado destreza para conduzir o país em meio a sucessão de crises criadas pela mídia a serviço do setor UDN-DEM-tucano da sociedade brasileira. Lula vem se revelando um leão na arena política, mas a direita ataca atiçando o preconceito social e utilizando a pecha de um presidente fraco. No fundo, os direitistas querem um chefe. O uso do cachimbo entorta a boca, diz o povo. A direita brasileira nunca tibubeou: sempre que a democracia alargou o seu espectro ela recorreu ao autoritarismo. E sempre o fez em nome da ”democracia”. Os apelos ao autoritarismo, com a mesma retórica, estão de volta.

– Para onde vai o sindicalismo brasileiro?

A unidade dos trabalhadores sempre foi uma bandeira tida como definidora dos rumos que a dinâmica social assume em cada momento histórico. Agora, com a fundação da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), este tema volta a freqüentar com

George Wilhelm Friedrich Hegel certa vez disse com ironia que só os inteiramente ignorantes raciocinam de modo abstrato. Ultrapassar esta categoria de raciocínio é um desafio que persiste em pleno século XXI. E o movimento sindical talvez seja o setor da sociedade que mais precisa debater este tema. Isso porque a abordagem da realidade social não pode se dar sem uma formulação conceitual — isto é, sem uma teoria da vida social, com as suas categorias básicas, os seus pontos-de-vista, os seus princípios e processos metodológicos daí decorrentes. Mesmo o defensor mais empírico da luta social já parte para o trabalho com um estoque de conceitos e julgamentos — geralmente errados —, ainda que somente para justificar o seu empirismo.

O movimento sindical é um terreno fértil para o empirismo. O problema é que o empirismo leva ao pragmatismo. E o pragmatismo gera o caudilhismo, o mandonismo. Em lugar da atitude positiva, de enfrentamento dos problemas e da garimpagem de soluções, apareceram o autoritarismo e a procrastinação. Essa condição exalta os valores da competitividade, do individualismo e da concorrência entre os próprios trabalhadores. É um instrumento para se pisar em cabeças, não assumir falhas e jogar erros nas costas de quem está em posição mais frágil. Enfim: são valores opostos às concepções classistas e se contrapõem à solidariedade, à coletividade e à perspectiva transformadora da sociedade.

Contribuição efetiva das bases

O pragmatismo apenas se aproxima da solução dos problemas, sem atingi-los. Fica a meio caminho. Não serve sequer à unidade efetiva do movimento sindical. Um pragmático vai defender a unidade em torno de quê? Para qual objetivo? Um pragmático pode até defender a necessidade de instrumentos teóricos para o estudo da realidade social. Mas se atém à subordinação da luta a sistemas apriorísticos ou à fixação das categorias teóricas em moldes imutáveis. O conhecimento atinge essências sempre mais profundas e exige a constante incorporação de novas categorias. A meta estratégica é a mudança da estrutura social.

Se recorrermos à história da ciência social no Brasil, veremos que foram grandes os esforços para transformar a estrutura de classes existente em nosso país. Esforços guiados pelas idéias de superação das contradições sociais — o que significa luta pelo poder. O sindicalismo classista, portanto, precisa sempre ascender a planos teóricos mais elevados, onde se possa pôr constantemente em xeque a estrutura da sociedade. Não serve, para este pensamento, um aparelho conceitual de tipo imediatista, que resulta, no fim das contas, em mais fragmentação da vida social ao focalizar isoladamente aspectos de curto alcance. A unidade só serve de fato aos trabalhadores se for fundada na compreensão das categorias e princípios metodológicos para o conhecimento da vida social.

A questão é aprender a manejar este instrumental na análise concreta da realidade concreta e assim criar as condições para a formulação de propostas factíveis. Aqui está a chave para a disputa típica entre capital e trabalho no Brasil de hoje. Nesta disputa, é necessário abrir espaços para a participação dos trabalhadores de maneira efetiva, não apenas retórica. A realidade brasileira exige das organizações sindicais uma nova postura, que incorpore a contribuição das bases, que estimule o debate franco — fazendo críticas responsáveis e autocríticas sinceras.

Conteúdo e forma da dinâmica social

Essas organizações, em sua maioria, ainda são verticalizadas — concentram as decisões nas cúpulas e desestimulam a colaboração das bases. Em muitos casos, suas ações não sensibilizam o conjunto dos trabalhadores e inibem a formação do pensamento coletivo, gerando um ambiente de indiferença e uma cultura de comportamentos pragmáticos e de performances recolhidas. Um sindicalismo que enfrente este desafio deve ter sempre presente a determinação de romper o círculo do pragmatismo e do corporativismo.

Vivemos ainda a época dos impérios e do expansionismo, de relações entre países baseadas numa lógica metrópole-colônia, de guerras por mercados. O Brasil, ao assentar a dinâmica da sua economia no mercado financeiro internacional, se transformou numa das mais evidentes vítimas deste desbalanceamento de forças — que encrenca a vida de muitos para beneficiar a de poucos. A solução deste problema passa mais pelo conteúdo do que pela forma da dinâmica social.

Revolução burguesa sem o proletariado

O fato de a teoria fundamental das forças que expressam a luta por mudanças estruturais em nossa sociedade ter sido duramente atingida pelo turbilhão pós-Muro de Berlim não é algo inexplicável. Essa derrota em larga escala decorre fundamentalmente das deficiências no plano teórico. Portanto, só a reanimação teórica e prática do movimento transformador pode dar um sentido real de mudanças para a nova correlação de forças políticas e sociais que vai se formando no país. E nela não cabem caudilhismo, sectarismo doutrinário e estreiteza política.

Em grande medida, nosso atraso econômico e social se deve ao fato de a maioria dos governos da República ter excluído os trabalhadores de seus projetos. Mesmo no período em que o país deu um passo importante para o seu desenvolvimento, depois da revolução de 1930, o governo tentou realizar a ”revolução burguesa sem o proletariado” — segundo Nelson Werneck Sodré. O pano de fundo do problema tem coloração liberal. E um dos pré-requisitos para esse modelo é o de garantir força de trabalho barata — incluindo nesse conceito, além do achatamento salarial, o enfraquecimento dos sindicatos e a ”flexibilização” das leis trabalhistas.

Consolidar a mudança de rumo

O primeiro passo para que os trabalhadores façam com que os ventos soprem a favor de novos rumos é, sem dúvida, se organizar. Só assim haverá força suficiente para uma pressão por mudanças. Os trabalhadores, hoje, mais do que nunca, precisam desenvolver estudos de primeira, argumentos sólidos e linhas de raciocínio claras. Não há, portanto, por que não insistir na elaboração de uma ampla e unitária atuação do movimento sindical.

É enorme a responsabilidade do movimento sindical classista neste momento. Isolar e combater o conservadorismo é uma ação que requer arte e engenhosidade. A extensão que a crise social adquiriu está transformando a luta pelo poder no Brasil em impasses políticos. Esse quadro requer alternativas realistas, uma unidade capaz de mobilizar a esperança que levará o país a consolidar a mudança de rumo. Em política, mudança implica numa busca pela hegemonia no processo de governar.

Desprendimento e disciplina política

Mas a mobilização popular em torno de um grande projeto como este, num processo de prazo longo, só pode se desenvolver num ambiente de unidade verdadeira. Por isso, o debate sobre essa questão é tão premente. Qualquer proposta de solução da crise fora desse ambiente seria aventureirismo inconsequente. É, sem dúvida, uma engenharia de grande envergadura, que exige flexibilidade tática para fazer os objetivos encadear sempre na perspectiva da solução que preconizamos, acompanhando a vida e suas nuances.

Não se está aqui defendendo um clube em que imperam discussões e debates intermináveis. Está se dizendo que devemos buscar, já, um patamar mínimo de unidade de ação de forma sólida — não apenas retórica. Não atingiremos esse patamar com comportamentos imediatistas, corporativistas e economicistas. Para enfrentar essas contradições com eficiência, a realidade exige desprendimento, serenidade e uma boa dose de disciplina política. Fora disso, a unidade não passa de papo furado.