– Com vocês, Tina e Themba — ou, o PT “moderno” e o PT antigo

Gleisi diz que crise no PSL é para encobrir problemas do Brasil

Osvaldo Bertolino, Portal Vermelho – 30/11/2005

Tina e Themba não é dupla sertaneja. É uma tirada que li em algum lugar. São os dois partidos que teriam sobrado à medida que a “globalização” foi estreitando a margem de manobra dos governos nacionais. Tina (There Is No Alternative — não há alternativa) seria o partido da situação — o dos resignados, dos que se imaginam “realistas” e dos que já se sentem à vontade neste admirável mundo novo “global”. Themba (There Must Be an Alternative — deve haver uma alternativa) seria a oposição: o partido dos que insistem em que há outro caminho, embora por enquanto não saibam nem por onde devam começar a procurá-lo. O confronto entre tinistas e thembistas se manifesta com intensidade no Partido dos Trabalhadores (PT).

Os thembistas abriram largos sorrisos com a vitória de Lula em 2002. Mas logo entraram em atrito com os tinistas. Desse confronto, o que chama a atenção é a debilidade, não o vigor desse partido. Como ainda estamos a pouco mais de 10 meses da eleição presidencial, é claro que esse quadro pode se alterar. Mas parece inegável que o PT chega manifestamente dividido ao final deste terceiro ano do governo Lula. Esse quadro de debilidade petista sugere importantes indagações. Será o PT uma combinação aleatória de tendências políticas sem correspondência com a estrutura de classes do país? Este partido estará fora de combate em 2006? Bastam cinco minutos de reflexão para ver que essas não são hipóteses convincentes.

Choque de interesses internos

O PT vive um dilema, é certo. Uma prova disso é a atuação petista nas renhidas polêmicas a respeito da política econômica e da política exterior do governo Lula. Este partido ainda tenta definir claramente uma posição a favor das forças interessadas no desenvolvimento do país. Há uma nítida divisão nesse sentido. E essa luta existe também dentro do aparelho do Estado — o governo Lula realiza uma política contraditória, que reflete o conflito entre as necessidades de desenvolvimento e as concessões ao capital especulativo. Dadas as condições políticas existentes, essa contradição é até compreensível. Mas o PT, para manter o papel de principal força política do campo progressista, será forçado a definir melhor o rumo.

O Brasil já está em pleno choque de interesses internos. Recrudesce a luta das correntes nacionalistas por soluções patrióticas para os problemas econômicos e financeiros do país e, de outro lado, a oposição dá sinais evidentes de que fez do golpismo a sua principal bandeira política. Ou seja: entramos numa fase de acentuação dos obstáculos ao desenvolvimento do país, fato que forçará as correntes políticas a se definirem por um ou por outro campo. Embora cresça e se firme a luta progressista, ela ainda não se traduziu, efetivamente, num grande movimento capaz de unificar no plano político as diversas correntes que a exprimem.

Sacrifícios aos trabalhadores

Em face da diversidade das correntes e tendências progressistas e nacionalistas, que se identificam por certos objetivos comuns, mas se distinguem por posições ideológicas e políticas diferentes, quaisquer tentativas de adotar formas rígidas de organização e direção poderiam estreitar o alcance do movimento. Amadurece, no entanto, a coordenação das diversas correntes progressistas em função de objetivos comuns, respeitadas as características e a autonomia de cada uma — como ficou demonstrado na recente reunião entre PT, PSB e PCdoB. A realidade parece indicar que o primeiro passo seria definir um conteúdo programático capaz de construir um fator de unidade e aglutinação de diferentes tendências.

O próprio aprofundamento da contradição entre a nação que se desenvolve e a dependência ao imperialismo suscita a necessidade de soluções capazes de unificar a ação política das correntes patrióticas. A indefinição de uma política progressista — ou a sua formulação apenas em termos de slogans gerais — pode conduzir a equívocos como o de identificar a luta pelo desenvolvimento do país com a atual política macroeconômica. Em certa medida, tal equívoco verifica-se agora em um setor do PT, identificado com a gestão de Antônio Palocci no Ministério da Fazenda, que defende subordinar o desenvolvimento do país à dependência ao capital especulativo e solucionar as dificuldades econômicas e financeiras pela imposição pura e simples de maiores sacrifícios aos trabalhadores e ao povo.

Uma premissa perigosa

Para este setor, parece estar havendo uma tentativa retardatária de aggiornamento (modernização), que levou partidos de esquerda, sobretudo europeus, a apresentar resultados catastróficos. Seria uma adaptação ao conservadorismo macroeconômico, que se autodefine como a única via capaz de modernizar o país. É uma premissa perigosa. No Brasil, há um movimento de intolerância da direita para com a “esquerda atrasada”. É uma marcha forçada do pensamento único neoliberal, para quem só existe liberdade e democracia dentro de seus modelos de sociedade — o que lembra as passeatas de 1964, as Marchas com Deus pela Família e Liberdade que saudavam o enterro do comunismo e purgavam temores na doação de alianças de ouro para salvar as finanças da nação.

(No dia 28 de outubro passado, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o yuppie Gustavo Ioschpe escreveu que “essa crise política pode ser um presente para a democracia brasileira: dá a chance de levar de rodo todo um núcleo antidemocrático que danificava o país na oposição e o faz de forma exponencialmente mais grave no poder”.)

É o canto da sereia. Na verdade, a direita rancorosa — cuja expressão política é a dupla PSDB/PFL e cujas teses são amplificadas pela “grande imprensa” — sabe que a união das forças progressistas ameaça o staus quo. O que é aceitável seria uma “esquerda democrática”, que expresse um movimento no sentido de se adequar a um mundo que não é mais aquele do Estado desempenhando papel importante na economia e garantindo os direitos da Constituição de 1988 — considerados pelos neoliberais antiguidades do mundo da brilhantina Gumex e da manteiga Aviação. Por isso, a esquerda tem urgência em diagnosticar corretamente os seus próprios problemas e fazer, com eficiência e justeza, o que deve ser feito. Só assim se avança de verdade.

Projeto de união nacional

A renovação que o governo Lula trouxe produziu o milagre da incorporação de uma esquerda combativa à direção do Estado, coisa jamais vista por estas bandas da Terra. Essa construção política assumiu a iniciativa dos debates e ganhou o direito de ser tratada como um protagonista entre iguais. Daí a intolerância da direita. Os problemas apareceram quando um lado do governo optou por fazer política em nome da “estabilidade monetária” e da “responsabilidade fiscal” — corretamente corrigida pelo vice-presidente da República, José Alencar, para “irresponsabilidade fiscal”. O debate não deve ser enfrentado por aí. Com o governo na condição de vidraça, muitos supõem que a oposição vai deitar e rolar na condição de estilingue. A situação social deverá ser a grande arena no combate eleitoral.

O problema, para a direita, não é apenas que o presidente Lula continua desfrutando de bons índices de popularidade e pode ter o apoio de uma coalizão partidária mais ampla em 2006. É que, para apresentar-se como alternativa programática consistente, ela precisa redefinir todo o campo do debate. Como fará isso? É preocupante constatar que reapareceram fantasmas como o da exacerbação irresponsável de conflitos sociais, o de chantagens parlamentares e até o da instabilidade política. Descartada a possibilidade de o Brasil desandar por causa dos primeiros desvarios da direita — as CPIs revelaram-se um autêntico 171, um estelionato político (a dos Correios obteve o sugestivo número 171 de assinaturas para a sua prorrogação) —, o governo Lula deve se preparar para golpes cada vez mais baixos. O confronto entre “tinistas” e “thembistas” no PT deveria convergir rapidamente para a formação de um projeto de união nacional contra o neoliberalismo.

– Aniversário da Petrobras: o cerco histórico da direita

Getúlio Vargas no Palácio do Catete anuncia a criação da Petrobras  

Por Osvaldo Bertolino

Em 3 de outubro de 1953, exatamente três anos após ter sido eleito para o segundo governo, o presidente Getúlio Vargas sancionou a lei que criou a Petrobras. O anúncio se deu num discurso no Palácio do Catete, a sede do governo, sobre suas principais realizações. “O Congresso acaba de consubstanciar em lei o plano governamental para a exploração do nosso petróleo. A Petrobras assegurará não só o desenvolvimento da indústria petrolífera nacional como contribuirá decisivamente para limitar a evasão de nossas divisas. Constituída com capital, técnica e trabalho exclusivamente brasileiros, a Petrobras resulta de uma firme política nacionalista no terreno econômico, já consagrada por outros arrojados empreendimentos, em cuja viabilidade sempre confiei”, disse.

Na país havia amadurecido a consciência de que o setor energético — especialmente a indústria do petróleo — é peça-chave do desenvolvimento econômico e social. Tanto que o Projeto de Lei que criou o monopólio do setor atingiu amplo consenso, apesar das pressões dos interesses internacionais já no momento da votação no Congresso Nacional.

A Petrobras nasceu como consequência da batalha pelo controle estatal do petróleo, condição fundamental para a defesa da soberania nacional. E, por ter esse simbolismo, nunca foi aceita pelas forças conservadoras, devidamente caracterizadas como entreguistas. Os recentes ataques à estatal, agora mais intensos por conta do pré-sal, são apenas mais um capítulo dessa história

Por trás dos arroubos dos patriotas de ocasião e raivosos publicistas que manifestam “indignação” com a profusão de denúncias oportunistas que envolveram a Petrobras estão questões como a batalha mundial pelo petróleo e, em torno dela, a soberania nacional e a união do Brasil com seus vizinhos. A união energética historicamente representou um dos maiores motivos de integração entre os povos. A União Europeia, para citar um exemplo recente, começou a surgir em 1951 com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Inicialmente, a preocupação básica era o suprimento de energia.

No caso da América do Sul, há um fator que facilita essa integração: os países da região, excetuando Brasil e Chile, têm mais energia do que necessitam. Não há nada mais natural do que vender o excedente a quem precise. Para que esse comércio ocorra, contudo, são necessárias obras gigantescas, que tendem a consolidar a ligação entre os países. Só o gasoduto entre Brasil e Bolívia, para se ter uma base, custou mais de US$ 2 bilhões. Ninguém faria uma obra desse porte se não fosse para ter uma relação de longo prazo. Essa ideia, no entanto, sempre enfrentou forte oposição dos interesses que dominam a economia mundial; a indústria do petróleo, que nasceu no final do século XIX, por ser fonte constante de riqueza se tornou desde cedo essencialmente monopolista.

Monteiro Lobato

No Brasil, a luta pela soberania energética é antiga. A confirmação da existência de petróleo no país foi uma vitória das forças patrióticas e progressistas, que sempre demarcaram campo com os entreguistas. O escritor Monteiro Lobato disse em seu livro O escândalo do petróleo, de 1936, que existiam duas visões geológicas: uma paga para “engazopar” o público, outra para o uso interno dos trustes. Até então, escreveu, o Brasil vivia em regime de compartimentos estanques. A imensa extensão territorial do país e a falta de bons transportes fizeram os brasileiros serem regionais. Nasciam e morriam em um desses compartimentos e quando alguém desejava viajar corria para a Europa. As coisas começavam a mudar graça ao petróleo; o brasileiro já circulava mais, de automóvel ou de avião, e estava descobrindo o Brasil rapidamente. O país estava se transformando em uma grande coisa.

Aquele homenzinho de grossas sobrancelhas percorria o país, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, pregando patriotismo. “Não temos petróleo? Falta-lhe (ao governo) em olhos o que lhe sobra em traidores vendidos aos interesses estrangeiros”, escreveu. Mas, afirmou, “havemos de dar olhos ao Brasil”. “Havemos de obrigá-lo a ver, a convencer-se da existência do gigantesco lençol subterrâneo. Se a fé move montanhas, a convicção rompe o seio da terra e arranca de lá os seus tesouros. Não sei, concluí em uma das minhas pregações, que sacrifício eu não faça para ver meu país arrancado à miséria crônica e elevado ao poder e à riqueza pela força mágica do maravilhoso sangue negro da terra”, asseverou.

Impulsionado por essa ideia, Monteiro Lobato escreveu cartas ao presidente Getúlio Vargas expondo o que considerava a verdade sobre o problema do petróleo no Brasil, que lhe renderia uma prisão. “O petróleo! Nunca o problema teve tanta importância; e se com a maior energia e urgência o senhor não toma a si a solução do caso, arrepender-se-á amargamente um dia, e deixará de assinalar a sua passagem pelo governo com a realização da ‘grande coisa’. Eu vivi demais esse assunto. No livro O escândalo do petróleo denunciei à nação o crime que se cometia contra ela (…). Doutor Getúlio, pelo amor de Deus, ponha de lado a sua displicência e ouça a voz de Jeremias. Medite por si mesmo no que está se passando. Tenho certeza de que se assim o fizer, tudo mudará e o pobre Brasil não será crucificado mais uma vez”, escreveu.

Batalha mundial

A decisão brasileira de nacionalizar suas reservas foi uma resposta aos propósitos dos monopólios que se formaram com a história do imperialismo do século XIX e do início do século XX. Eram tempos de partilhas de mercados, de guerras mundiais, de modificações nas correlações de forças e de soberanias nacionais ameaçadas. Na América Latina, território historicamente cobiçado pelos norte-americanos, o México nacionalizou seu petróleo em 1938 e a Argentina já explorava suas jazidas na década de 1940. Chile e Bolívia encaminhavam-se para o monopólio do Estado.

A formação do bloco socialista tirou do campo de visão dos grupos privados importantes reservas mundiais — um dos quatro maiores lençóis de petróleo, o do Mar Cáspio, passou para as mãos dos povos soviéticos. O drama do petróleo entrava em uma fase nova, marcada pelo avanço da democracia contra o imperialismo. Já naquela época, as concessões abarcavam regiões imensas.

Uma companhia norte-americana era concessionária de toda a Abissínia — hoje Etiópia. Na Arábia Saudita, metade do país estava nas mãos de outras duas empresas dos Estados Unidos. Em 1945, o Paraguai outorgou a uma petrolífera norte-americana concessões que compreendiam dois terços do seu território. Na Venezuela, regiões imensas foram entregues às companhias norte-americanas e inglesas. Os Estados Unidos controlavam mais de 80% do petróleo do mundo capitalista, cerca de 70% de toda a produção mundial. Em muitos países, como a Venezuela, populações miseráveis vegetavam em torno de poços riquíssimos.

A luta pelo petróleo nacional, portanto, brotou em plena batalha mundial pelas reservas petrolíferas. Era uma questão que requeria a união do povo brasileiro e um governo minimamente comprometido com a independência nacional. Apoiada na tenacidade dos pioneiros — como Monteiro Lobato —, e fortalecida pelo esclarecimento das campanhas do Partido Comunista do Brasil, com ampla mobilização esdudantil organizada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), a palavra de ordem O petróleo é nosso abriu caminho entre todas as barragens e emergiu como um grande movimento popular em defesa da soberania nacional.

Além da mobilização popular e das denúncias na tribuna do Congresso Nacional, os comunistas apresentaram três projetos sobre o petróleo. De autoria do deputado Carlos Marighella, o primeiro — subscrito por Maurício Grabois, Gregório Bezerra, Henrique Oest, José Maria Crispim, Jorge Amado, Abílio Fernandes e Diógenes Arruda Câmara — dizia que “as jazidas de petróleo e gases naturais existentes no território nacional pertencem à União, a título de domínio privado imprescindível”. Ou seja: só brasileiros poderiam pesquisar e lavrar petróleo e gás.

O segundo — não há registro conhecido de subscrição — declarava de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo. Isto é: a produção, importação, exportação, refino, transporte, construção de oleoduto, distribuição e comércio seriam exclusividade de empresas de capital nacional, com 51% das ações em poder do Estado.

O terceiro projeto de Marighella — subscrito por Maurício Grabois, Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Henrique Oest, Gregório Bezerra, Gervásio Azevedo, Jorge Amado e Abílio Fernandes — criava o Instituto Nacional do Petróleo, entidade autárquica com ampla competência. Além destes três projetos, Abílio Fernandes apresentou outro, em nome da bancada comunista, regulamentando a aplicação dos artigos 152 e 153 da Constituição de 1946, relativos às minas e demais riquezas do subsolo.

Segundo o projeto, “os decretos de concessões de petróleo e de autorizações de lavra” seriam “conferidos exclusivamente a brasileiros ou sociedades organizadas no país”. As propostas pararam na Comissão de Constituição e Justiça e o assunto passou a ser monopolizado por uma nova legislação que seria enviada ao Congresso pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. A concretização do monopólio estatal do petróleo, contudo, só viria no segundo governo do presidente Getúlio Vargas.

Ao longo dos debates, ficou evidenciada a importância da “batalha pelas reservas”. O deputado comunista Pedro Pomar disse na tribuna da Câmara que o problema fundamental do Brasil era produzir petróleo para o consumo doméstico e assegurar reservas para qualquer emergência. Segundo Pomar, os brasileiros não podiam ficar à mercê da política agressiva e provocadora de guerra dos norte-americanos.

Pai dos neoliberais

Desde cedo, os defensores da posse do petróleo pelo Estado compreenderam a importância dessa bandeira para o desenvolvimento nacional e a defesa da soberania do país. O petróleo é a base principal da economia e do poder do Estado nacional. Por ter essa importância, os entreguistas brasileiros nunca aceitaram a Petrobrás.

Nos anos 1940-1950, as ações para impedir a posse estatal do petróleo tinham muito a ver com o desdobramento do dramático episódio conhecido como “Guerra do Chaco”, tramada pela Standard Oil. No seu final, o Brasil assinou os Tratados de 1938 pelos quais ganhou uma região para pesquisar petróleo. O governo brasileiro havia construído a estrada de ferro Corumbá-Santa Cruz de la Sierra e recebeu a “área de estudo” como pagamento. O acordo seria desfeito em 1955, quando o governo do presidente Café Filho devolveu a área ao governo boliviano, que seria repassada à Standard Oil.

No caminho estava o pai dos neoliberais brasileiros, Eugênio Gudin, ministro da Fazenda. Ele se recusou a liberar os recursos necessários já aprovados no Congresso e destinados ao reinício das atividades do Conselho Nacional do Petróleo na região subandina boliviana. A mídia, que no Brasil combatia ferozmente o monopólio estatal do petróleo, saudou a atitude de Gudin como um gesto de “coragem e bom senso”. Em La Paz, o procedimento foi o mesmo. Festejaram, assim, o entreguismo brasileiro-boliviano, na pessoa de Gudin.

O alvo era a Petrobrás, que surgia como desmentido aos que só acreditavam nas maravilhas da iniciativa privada. Os monopólios privados sabiam que a estatal era a solução certa para o problema do petróleo brasileiro e que seria a base econômica-financeira do desenvolvimento nacional. Foi assim que começou a primeira campanha contra a Petrobras.

No início da década de 1960, no entanto, o monopólio estatal foi reforçado com a incorporação da importação de petróleo e da distribuição de derivados. A integração de todas as fases da indústria petrolífera — exploração, produção, transporte, refino e distribuição — no regime de monopólio permitiu ao país controlar a totalidade do seu petróleo. O setor evoluía em um ambiente iluminado pelo debate democrático e parecia intocável, apesar do assédio incessante das multinacionais.

Contratos de risco

Com a chegada do regime golpista de 1964, foram criadas as condições para a volta dos ataques privatistas. Já em 1965, a ditadura militar promulgou três decretos-lei: um que restituiu as refinarias estatizadas aos seus antigos proprietários e outros dois que retiraram a petroquímica e o xisto do monopólio estatal.

Em 1970, contrariando a essência da lei que instituiu o monopólio, a direção da Petrobras, cumprindo decisão do governo, reduziu o esforço exploratório, o que comprometeria o objetivo de atingir a auto-suficiência nacional. “A auto-suficiência no campo do petróleo, por mais desejável que seja, não é a missão de base da empresa”, declarou o então presidente da Petrobras, general Ernesto Geisel.

Ao mesmo tempo, a ditadura flertava com as multinacionais do setor. O primeiro resultado foi a associação da Petrobras à Mobil Oil e à National Iranian Oil Company para formar a Hormoz Petroleum Company, com atuação no Irã. Em outubro de 1975, Geisel, agora presidente da República, disse que as empresas multinacionais estavam autorizadas a explorar petróleo no Brasil, anunciando a adoção, pelo governo brasileiro, dos “contratos de ricos”.

Quatro anos depois, em dezembro de 1979, um telex da Presidência da Republica determinou à Petrobras a criação das condições necessárias à participação das multinacionais também na fase de produção. O objetivo era tornar os “contratos de risco” mais atrativos. No entanto, o país entrara na fase de lutas pela redemocratização e a decisão da ditadura provocou protestos.

Em manifesto de 28 de fevereiro de 1980, os sindipetros (sindicatos de petroleiros) disseram: “Estamos levantando a bandeira do ‘Petróleo é nosso!’, não pelo simples prazer de uma nova luta, mas pela vontade de preservar tudo o que foi conquistado com suor e sangue de nosso povo.”

Uma resolução das associações de geólogos de alguns estados e da Sociedade Brasileira de Geologia, dizia: “Conclamamos todos os colegas, principalmente aqueles que trabalham na Petrobras e outras empresas públicas, os sindicatos e associações profissionais, os parlamentares e todos os setores sociais do país para que retomemos juntos a luta: pela abolição dos contratos de risco; pela restauração integral do monopólio estatal do petróleo através da Petrobras; pelo controle da população sobre os recursos minerais e energéticos.”

De 1977 a 1988, foram assinados 243 “contratos de riscos”, que resultaram em 79 poços perfurados, em uma área de 1,5 milhão de quilômetros quadrados (superior à dos territórios da Inglaterra, Itália, Japão, Suiça, Grécia e Portugal juntos), e investimentos de US$ 1,25 bilhão, dos quais ingressaram no país US$ 350 milhões. Um resultado pífio. A Petrobras, no mesmo período, aplicou US$ 26 bilhões, perfurou 8.203 poços e descobriu os campos gigantescos de Marlin, Albacora e Barracuda — além de outros localizados onde vigoraram “contratos de risco”, nas áreas Sul-Tubarão, Estrela do Mar, Coral e Caravela.

Petrobras dividida

No governo do presidente Fernando Collor de Mello, surgiu a proposta do “Emendão”, uma tentativa de alterar a Constituição pela qual ele jurou fidelidade, que incluía a possibilidade de quebra do monopólio estatal do petróleo. O coordenador do Programa Nacional de Desestatização e presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Eduardo Modiano, disse que era possível reverter a tendência majoritária no Congresso Nacional contra a privatização da Petrobras. “Isso depende de emenda constitucional, mas acho que parlamentares e sociedade se sensibilizarão com o sucesso do programa de privatização e, aí, será viável a privatização da Petrobras”, declarou. A proposta recebeu, de pronto, o apoio do ministro do Planejamento, Paulo Haddad.

A ideia seria enterrada pelo presidente Itamar Franco, que declarou, em reunião com representantes da UNE, que a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce não seriam privatizadas. “Enquanto eu for presidente essas estatais não serão privatizadas”, declarou. Contudo, quando Fernando Henrique Cardoso (FHC) assumiu o Ministério da Fazenda o assunto voltou à baila. “Esse assunto (a privatização da Petrobras) depende do Congresso, porque trata da questão do monopólio”, afirmou.

No governo FHC, a ideia de privatizar a Petrobrás surgiu oficialmente em 1996 quando Luis Carlos Mendonça de Barros, então presidente do BNDES — um tucano de alta plumagem —, desceu do muro para colocar o guizo no pescoço do gato. Era uma voz que deveria ser levada a sério; ele foi um daqueles baluartes da tribo que ajudava a manter no exílio gente como FHC e José Serra. A privatização não se concretizou, mas a aprovação da Emenda Constitucional nº 9, em 9 de novembro de 1995, quebrou o monopólio estatal e iniciou o processo de abertura da indústria petrolífera e gasífera no Brasil.

O primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva interrompeu o processo de esfacelamento que estava sendo preparado pelos tucanos para vender a Petrobras, de acordo com José Sérgio Gabrielli, que assumiu a presidência da estatal. “A Petrobras estava sendo dividida em partes, estava em processo de esfacelamento. Eu acho que a empresa teria sido vendida se nós não tivéssemos interrompido esse processo”, disse ele. A Petrobras só alcançou tantos resultados (auto-suficiência em petróleo, anunciada em 21 de abril de 2006)) porque não foi parar no “balcão das privatizações”, destacou.

Era dos dividendos

Lula falou sobre a sensação de presenciar essa conquista da estatal. “Eu acredito que ser brasileiro, conhecer a história da Petrobras e viver o 21 abril de 2006 como eu vivi, eu acho que é uma dádiva de Deus”, afirmou. O presidente lembrou as críticas que a estatal enfrentou no decorrer de sua história. “Eu sei que a Petrobras desde 1953, com o decreto de Getúlio Vargas, foi vítima de críticas daqueles pessimistas que gostam de criticar tudo, daquele mesmo que disse que a Petrobras não ia dar certo”, comentou. Com a descoberta do pré-sal, a condição estratégica da Petrobras como esteio da soberania nacional foi elevada a um patamar nunca imaginado e ainda não totalmente dimensionado.

Após o gole de 2016, com a fraude do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a investida da direita impôs toque de silencio sobre o desmonte da Petrobras. Surgia a era dos dividendos como nova forma de saque, uma ofensiva que se utilizou das conhecidas fraudes da Operação Lava Jato. Com a volta de Lula à Presidência da República em 2023, iniciou-se a recuperação da empresa e a restauração da política de preços “abrasileirada”, sob ataque da mídia cartelizada que se reveza na artilharia, usando munições bem conhecidas desde o início da batalha pelo petróleo no Brasil.

São velharias requentadas que compõem o arcabouço das ideias que negam iniciativas do governo para a retomada dos investimentos, como o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a reindustrialização do país, a volta da indústria naval e a retomada das refinarias. Tudo revestido de adjetivações agressivas para desqualificar sobretudo o presidente Lula, um festival de impropérios que atinge todos os que de alguma forma se identificam com o desenvolvimento nacional.

– FHC: a face da corrupção do Plano Real

Por Osvaldo Bertolino

Roberto Civita, filho do fundador da Editora Abril, Victor, manteve por muito tempo em sua sala uma foto de Fernando Henrique Cardoso (FHC). “Pensam que a Abril apoia o programa de governo do Fernando Henrique. A questão está mal colocada. Não é a Abril que apoia o programa de Fernando Henrique. É o Fernando Henrique que apoia o programa de governo da Abril”, disse ele certa vez. Era a negação dos treze pontos que magnetizaram o país na campanha de 1989, embalados pelo slogan Lula lá.

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A fala de Roberto Civita pode ser associada a um pronunciamento de FHC, em 1995, sobre a ditadura militar durante a cerimônia de assinatura da lei que reconhece a morte de desaparecidos políticos. “Culpado foi o Estado, por permitir a morte na tortura em suas dependências. Culpados foram as tendências fundamentalistas que, ao invés de reconhecer diferenças e procurar convergências, insistiram no maniqueísmo”, discursou ele. FHC não explicou como poderia se fazer tudo isso à frente de tropas, fuzis e canhões.

Era um verdadeiro devaneio, uma abstração inconsequente, possivelmente influenciado pela concepção baseada na ideia de que os conceitos de esquerda e direita foram varridos pela ordem neoliberal. Como não havia mais a oposição básica que lhe daria sentido, Washington capitalista e Moscou socialista, prevalecia o triunfo definitivo do capitalismo, a “nova ordem mundial” do presidente dos Estados Unidos, George Bush pai, que seria o fim da história, na definição de Francis Fukuyama. Ou a proclamação do pensamento único, o primado de que qualquer ideia fora de sua órbita representava o atraso. Defendê-la era coisa para caipiras e neobobos, segundo FHC.

Caipiras e neobobos

Em 15 de julho de 1996, em visita a Portugal, ele declarou: “Como vivi fora do Brasil, na Europa, no Chile, na Argentina, me dei conta disso: os brasileiros são caipiras. Desconhecem o outro lado e, quando conhecem, se encantam. O problema é esse.” Mais adiante ele diria: “Só quem não tem nada na cabeça fica repetindo que o governo só se preocupa com o mercado, que é neoliberal. Isso é neobobismo.” A mídia, coalhada de “economistas” e “comentaristas” afinados com a ideia de FHC, propagava essa cantilena diuturnamente.

FHC tangia politicamente aquilo que o jornalista Aloysio Biondi chamava de destruição da “alma nacional”. Sob a alegação de que era preciso reduzir a dívida interna e o déficit público, o governo vendeu tudo: bancos, ferrovias, empresas de energia, telefônicas, siderúrgicas e até estradas e portos. Biondi chamou os responsáveis por essa destruição de “clones malditos dos intelectuais de ontem”, que “destruíram o que havia sido construído ao longo de décadas”. “Destruíram mais. Destruíram o sonho, a alma nacional. O que somos hoje? Um quintal dos países ricos? Não. Somos um curral”, escreveu ele no livro O Brasil privatizado.

Investiram contra o trabalhador, o funcionalismo público, o aposentado, o agricultor, o empresário nacional e o Estado, patrocinando desemprego, cortes na aposentadoria e nos direitos trabalhistas, falsas reformas do funcionalismo, falências, facilidades para importações e juros escorchantes – jogando, assim, um seguimento da população contra outro, afirmou. Até o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, foi posto a serviço dessa desconstrução nacional. (Biondi chamava o banco de Banco Nacional de Desmantelamento Econômico e Social.) Sem demanda e sem infraestrutura, a produção estagnou.

Conta da “estabilidade”

Em 1994, Lula disse que a conta da “estabilidade” — o Plano Real — seria posta na mesa do povo e ela seria salgada. Isso porque FHC escondeu seu real programa de governo. A maioria da sociedade, ansiosa pelo controle da inflação que castigava o país desde que o “milagre econômico” dos generais golpistas começou a fazer água, em meados da década de 1970, não viu as cláusulas do contrato escritas com letras minúsculas.

Uma delas era a cadeira da presidência do Banco Central, que passou a ser um dos postos mais importantes entre todos os ocupados pela legião de “economistas” que foi instalada nos mais destacados postos do governo e fez da passagem por Brasília um trampolim para uma abastada carreira no mercado financeiro. Até então, os ocupantes de cargos no Banco Central só eram conhecidos por quem tinha algum interesse específico na área financeira. Na “era FHC”, eles ganharam uma independência nunca vista no Brasil.

Era o que chamavam de “despolitização da moeda”, a criação de resistências – ou mesmo impossibilidades – a políticas de prioridades aos investimentos públicos, ideia que levou os dois governos FHC a uma conduta ideologicamente reacionária e politicamente fisiológica e clientelista. Em suas eleições, prevaleceu a linguagem publicitária, que substituiu o debate político franco, direto, com o uso de mais clipes e menos papo, menos verbo e mais efeitos especiais. Foram, enfim, eleições ajustadas ao molde neoliberal.

No plano político, o país passou a ser dirigido por um insólito concerto de facções da direita, cujo esteio era a aliança do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) com o Partido da Frente Liberal (PFL), constituída sob uma boa representação no Congresso Nacional e uma vasta rede de vereadores, deputados estaduais e prefeitos. As decisões eram tomadas entre quatro paredes, longe dos olhos do povo, muitas vezes tramadas com corrupção desbragada – não foram poucos os aliados de FHC pegos com a galinha no saco e nada sofreram. A corrupção rondou o Palácio do Planalto e não existiu uma condenação veemente por parte do governo.

Cartão vermelho

Essa constatação ajuda a compreender a afirmação de José Serra, candidato da direita à sucessão de FHC em 2002, de que, “numa perspectiva republicana, o governo é para servir às pessoas, não aos partidos” (ideia que serviria de base para o lavajatismo que levou ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016). Há, nessa afirmação, dois sofismas. O primeiro é a deliberada generalização das “pessoas”. O segundo é a tentativa demagógica de negar que os partidos são expressões da democracia. Era o crepúsculo da “era FHC”, um autêntico fim de feira.

Serra dizia que enfrentaria o desafio de neutralizar a dicotomia entre inflação baixa, represada pelos juros altos, e crescimento econômico, sem mexer nos fundamentos do Plano Real. Ele dizia que era possível. O povo não acreditou. Como não dava para servir a dois senhores, logou mostrou que estava claramente a serviço do capital financeiro. Não existia explicação plausível para a conciliação entre juros altos, uma bola de chumbo atada ao tornozelo da produção, e a geração de empregos. FHC prometeu conciliar esses conceitos opostos e não cumpriu. Nem tentou, o que demonstrava mais uma demagogia eleitoreira.

Lula chegou às eleições de 2002 com força porque fez as três campanhas anteriores defendendo coisas básicas como o direito a todo brasileiro de ter no mínimo três refeições por dia. A esperança de avanço social com o projeto neoliberal não existia mais. O povo olhava para a “era FHC” e só enxergava inépcia e fracasso. FHC e Serra receberam cartão vermelho, uma grande conquista para o país.

– A herança maldita do Plano Real

Por Osvaldo Bertolino

No início de 1993, o ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, Eliseu Rezende, apresentou ao então presidente da República uma lista de empresas estatais que ele considerava passíveis de serem privatizadas com a meta de arrecadar US$ 30 bilhões para liquidar a parcela mais cara da dívida mobiliária. Formada por papéis do governo, ela correspondia, à época, a US$ 37 bilhões (hoje, passa de R$ 7 trilhões).

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Quando se falavam por telefone, Itamar Franco e Eliseu Resende usavam uma linguagem cifrada. Cada US$ 1 bilhão da dívida interna equivalia a um pé de café. “Vamos arrecadar seis pés de café com a privatização da Vale”, disse Rezende. O presidente respondeu: “Cuidado que o espírito do Severo Gomes vai lhe puxar os pés esta noite”. Era uma referência ao senador por São Paulo e um dos porta-vozes do nacionalismo brasileiro, falecido num acidente de helicóptero em 12 de outubro de 1992.

O Brasil se debatia com a crise da dívida externa, base da disparada da inflação e herança do “milagre econômico” da ditadura militar, saindo da fase em que Fernando Collor de Mello sofreu impeachment. Havia o dilema sobre o rumo do país, traumatizado pela primeira experiência efetiva do projeto neoliberal, ensaiada no final do governo José Sarney. Era a nova cartilha do capitalismo, a transformação do Estado em comitê de administração da ciranda financeira, uma gigantesca redistribuição da riqueza social a favor dos ricos.

A ladainha ganhou decibéis cerca de dez anos antes, pelos governos de Margareth Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (Estados Unidos), a pregação fundamentalista de que as “forças de mercado” substituiriam com sucesso a “vontade dos governos”. O mundo havia sido inundado pelo sistema de petrodólares, que se originou no início dos anos 1970 no pós-colapso de Bretton Woods, o episódio do abandono, pelo presidente dos Estados Unidos Richard Nixon e seu secretário de Estado, Henry Kissinger, do padrão ouro internacional.

Era o molde do Consenso de Washington, as regras do projeto neoliberal, pelo qual as economias seriam entregues aos gestores de imensas massas de capital capazes de mover-se, com velocidade eletrônica, de uma ponta a outra do planeta, com o método de tomar empréstimos na moeda X, trocá-la pela moeda Y e jogar na queda da primeira para pagar menos no vencimento do débito e colocar no bolso a diferença.

Dedo na ferida

O presidente Itamar Franco era um enfático oponente do neoliberalismo. Deixou isso claro num encontro com o então presidente do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), João Amazonas, quando ainda era vice-presidente. Itamar disse que não concordava com a política de Collor e defendeu os interesses nacionais e democráticos. Logo após a sua posse, iniciou-se uma campanha contra ele, criticado por se opor à “modernidade” de Collor, uma manobra para minar a base de estabilidade e de sustentação do seu governo.

Uma onda se formou na mídia nacional e internacional. “Não temos dúvidas da enorme pressão que sofrerá o governo recém-empossado para que se enquadre na estratégia da reestruturação mundial ditada segundo interesses dos países ricos, imperialistas, e que nossas elites logo a assumiram com a fachada de modernidade, por estarem historicamente na posição de dependência e não possuírem projeto próprio de desenvolvimento nacional”, diagnosticou Renato Rabelo, então vice-presidente do PCdoB.

Segundo Renato, Itamar, de forma simples, pôs o dedo na ferida: o país não podia ter sua modernidade concentrada em setores de ostentação, enquanto o povo se defrontava com a fome, o desemprego, a doença e a ofensa. O neoliberalismo era um projeto que tentava salvar o capitalismo, tinha como essência o crescimento da produção na sua mais alta forma de concentração e numa crescente centralização do capital, gerando, por outro lado, a exclusão de uma parcela maior da população dos frutos do desenvolvimento, aprofundando a desigualdade social e ampliando o crescimento da miséria, disse Renato.

Nos países do chamado Primeiro Mundo, onde esses projetos mais se desenvolveram – como Inglaterra e Estados Unidos –, a crise econômica e social ressurgiu ainda mais profunda, afirmou. “No primeiro país, a porcentagem de ingleses vivendo na extrema pobreza dobrou de 1979 a 1986. No segundo, a renda da camada mais baixa estagnou, enquanto para os mais ricos cresceram as rendas em mais de dois mil por cento, nesses últimos cinco anos”, descreveu.

Pote de barro

Já em países como o Brasil, de acordo com Renato, o impacto do projeto neoliberal era muito mais devastador. “O sucateamento da indústria, a privatização e especialização da economia, vão gerando desemprego e ao mesmo tempo deixa de surgir novos meios, suficientes para absorver a mão de obra ativa”, registrou. A educação e a saúde, predominantemente privadas, impactavam fortemente na população, disse. “Dessa forma, só uma pequena parcela gozará desse progresso.”

Citando uma defesa do jornal O Estado de S. Paulo da “modernidade” neoliberal, que também substituiria “o obsoleto conceito de soberania” pelo de “interdependência entre nações”, Renato comentou que seria ou “uma pérola de ingenuidade ou grande cinismo”. “Fico com a última. Haja pote de barro contra o pote de ferro. Nesta ‘interdependência’ vamos ter muitos cacos”, afirmou, acrescentando que o Brasil precisava de um projeto autônomo, global, de desenvolvimento. “Temos condições físicas e estruturais para tanto. É preciso construir as condições políticas.”

De acordo com Renato, era a “modernidade” contra a democracia. O objetivo seria reorganizar o sistema político em crise, montando outro que permitisse a reestruturação econômica neoliberal, garantindo sua consolidação. “O custo social da apregoada modernização econômica no Brasil é muito alto. Para enfrentar essa realidade em agravamento é inevitável o ‘ajuste’ político que forneça os meios de maior controle político pelas elites dirigentes. O maquinado projeto de poder tem como essência a elitização do processo político, ajudando na estabilidade dos grandes partidos das oligarquias poderosas e inviabilizando o florescimento e crescimento dos pequenos partidos.”

Estardalhaço midiático

Itamar passou a ser tratado pelos neoliberais como um paspalhão. Um caso explícito ocorreu quando ele pediu ao Congresso Nacional que agilizasse a regulamentação do artigo da Constituição que determina o limite de 12% ao ano para a taxa de juros. A ideia surgiu pelo constituinte Fernando Gasparian (PMDB-SP), sabotada por uma confessa manobra liderada por Saulo Ramos, então consultor-geral da República – logo depois, ministro da Justiça –, que emitiu parecer, aprovado pelo presidente Sarney, prevendo uma lei complementar para regulamentar a proposta, conforme ele narra em seu livro Código da vida.

O presidente Itamar era uma voz isolada. A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) apresentou requerimento de urgência para discussão e votação da Lei Complementar, que passara pelo Senado, regulamentando o parágrafo 3° do Artigo 192 da Constituição sobre o teto de juros, que, mesmo atingindo mais de trezentas assinaturas, não foi adiante. Estava em andamento o processo de retomada do projeto neoliberal, com a entrada em cena de Fernando Henrique Cardoso como ministro da Fazenda, primeiro passo para torná-lo presidente da República.

Antes de oficializar a sua candidatura, ele comandou o lançamento do Plano Real, com grande estardalhaço midiático, ancorado numa brutal elevação da taxa de juro oficial para derrubar a hiperinflação. No primeiro dia útil do Plano Real, a taxa de juros, puxada pelo Banco Central (BC), disparou, chegando a 12%. Um ano depois, estava em 60%. O passo seguinte seria a investida contra o Estado, abrangendo União, estados e municípios. O estrago que a confraria neoliberal promoveria no país estava apenas começando. O ataque da mídia a tudo que parecia progressista e a intensa propaganda do Plano Real elevaram FHC à condição de candidato imbatível.

Desde então, a mídia só fez esconder informações, não dando a ideia do que estava acontecendo e transformando o que existe de pior para o país — a política macroeconômica e sua fabulosa dívida — em um mundo róseo. Isso possibilitou a reeleição de FHC, em 1998, num processo eleitoral que colocou no centro do debate, explicitamente, a gravidade da crise.

Campos de batalha

Os acontecimentos no imediato pós-reeleição confirmaram os alertas da oposição, demonstrando que a população havia sido enganada. Logo ficou claro que o país havia embarcado naquele bonde novamente levado pela esperança de mudança de rumo, tacitamente prometida. Na prática, nada aconteceu. A marcha das privatizações selvagens e a redução das conquistas democráticas e sociais se aceleraram.

Por trás da perversidade neoliberal estava a crise mundial do capitalismo. Na definição do jornal norte-americano The New York Times, o Brasil constituía “a nova linha de frente na luta para conter a crise financeira internacional” iniciada na Ásia. Jean Lemierre, representante francês do G-7 – o grupo de países ricos –, disse que “as discussões sobre o Brasil se baseavam na ideia de que se tratava do último caso antes do colapso do sistema inteiro”.

O receio era de que outros países pudessem ser contagiados por um eventual descarrilamento da economia brasileira. “Se o Brasil cair, a Europa e os Estados Unidos se converterão nos próximos campos de batalha”, escreveu o The New York Times.

Naquele clima, a solução seria recorrer ao FMI para reforçar o caixa brasileiro, condicionado a um rigoroso programa de “ajuste fiscal”, com forte impacto nas políticas públicas e sociais. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, passou a trabalhar na arquitetura do programa de arrocho, alegando que precisava gerenciar a crise. Mas, dali em diante, a crise gerenciaria o governo.

Herança maldita

No livro Vexame – os bastidores do FMI na crise que abalou o sistema financeiro mundial, publicado em 2002, o jornalista norte-americano Paul Blustein, do jornal The Washington Post, revelou o que ficou conhecido como a história secreta da desvalorização cambial de 1999. “Passaram a circular rumores de que o governo cogitava impor controles cambiais ou determinar a moratória no pagamento da dívida. O capital continuava a sair do país à razão de meio bilhão de dólares diariamente”, escreveu.

Blustein chamou de “rebanho eletrônico” o movimento especulativo que assombrava o mundo. No Brasil, entre a segunda metade de agosto de 1998 e o dia 13 de janeiro de 1999, a equipe econômica torrou perto de US$ 30 bilhões de dólares das reservas brasileiras e mais outros US$ 9 bilhões cedidos pelo FMI, numa política de contenção da alta do dólar visando às eleições, elevando os juros para 42%, além de cortes substanciais nos investimentos públicos, resultando em crescimento zero e contração de 1,5% na renda per capita.

Em 29 de janeiro de 1999, uma sexta-feira, espalharam-se boatos de que haveria bloqueio das finanças, o que provocou alta na cotação do dólar e uma corrida da população aos bancos. Havia o temor de que FHC repetisse Collor e congelasse as contas bancárias. A crise estava fora de controle. O Brasil chegara à beira do abismo. Era a herança maldita entregue ao governo Lula em 2003.

 

 

 

 

– O avanço fascista e o combate do nosso tempo 

Por Roberto Amaral

“(…) Nossas ações são voluntárias, mas nem sempre são escolhas” – Jodi Dean (Camaradas. Boitempo Editorial)

O espectro que ronda o mundo, desrespeitando diversidades de desenvolvimento econômico, é a doença do capitalismo maduro. Mais do que uma disfunção, o fascismo é receita para enfrentar as crises impostas pela sua incapacidade de solver a questão social, que mais se agrava quanto mais cresce a expansão imperialista e os duelos hegemônicos.

O fascismo é um movimento de manipulação das massas, uma construção ideológica formulada de cima para baixo, sempre a serviço do império do capital. Nutre-se na violência que incita. É, de igual modo, a semente da guerra, a solução que conhece para as crises de hegemonia. Uma necessidade do sistema que se torna clara hoje, tanto quanto foi a alternativa única nos idos de 1939.

No século passado a mobilização ideológica da extrema-direita era alimentada pela difusão do medo ao comunismo, e os receios nacionais explorados em face do expansionismo da URSS. Encontrou campo arado na Itália e na Alemanha, mas igualmente em Portugal (salazarismo), na Espanha (franquismo) e no Japão de Hiroito (controlado pelo militarismo, e afoito em uma política guerreira e de expansão territorial). Foi-lhe fácil mobilizar o empresariado para o financiamento do assalto ao poder e o financiamento dos aparelhos de repressão e, na sequência, para a sustentação da guerra, da qual o grande capital e a indústria pesada saíram incólumes e mais poderosos.

A crise social na Itália abriu  a rota da mobilização das massas, que deram as costas aos comunistas, aos socialistas e aos democratas. Não foi distinto  na Alemanha, onde recebeu o apoio dos pequenos comerciantes e da grande burguesia e dos militares. Não lhe faltou mesmo o apoio da socialdemocracia alemã que viu no nazismo o dique que não conseguira construir contra a ascensão dos comunistas, que elegera como seus inimigos prioritários, assim como no Brasil designaria Lula como o inimigo a ser abatido.

Mussolini e Hitler (nada obstante seus inegáveis méritos como agitadores sociais) foram, mais do que tudo, sempre ao serviço do grande capital, instrumentos para a necessária mobilização das massas. Na Itália, as milícias fascistas, civis, assumiram a repressão. Na Alemanha nazista se multiplicavam os grupos civis e paramilitares. Caracterizavam-se pela brutalidade contra os que identificavam como inimigos do nazismo, judeus, comunistas, ciganos, homossexuais etc. Eram os “Camisas pardas”. Na Itália eram os  “Camisas negras”, ou Camicie nere – símbolo, aliás, atualizado pelo juiz neofascista maringaense Sergio Moro, no auge do seu romance com a grande imprensa.

A sociedade alemã, como a italiana, estava impregnada da violência da ideologia fascista. Denunciavam-se vizinhos, enquanto multidões ovacionavam o Führer em seus comícios, paradas e marchas. O povo alemão negou até a última hora o holocausto e os campos de concentração, e lutou até o derradeiro combatente em Berlim, numa alucinada resistência ao Exército Vermelho.

O fascismo, tanto quanto o nazismo, atendia a necessidades do sistema, como atende agora, em sua versão contemporânea, tosca como a matriz, à marcha da extrema-direita, que avança de forma expressiva pela quinta vez consecutiva nas eleições do Parlamento Europeu. E, entre nós, jamais esteve tão forte. Controla as duas casas legislativas e os governos dos principais estados da Federação, os mais ricos e os mais populosos.  Este encontro não resulta de acaso.

O fato de os EUA estarem presentemente divididos entre a direita esclerosada de Biden e a ultradireita belicosa de Trump é um indicador do nível de deterioração política da sociedade norte-americana, sem alternativa diante dos desafios que açoitam o imperialismo, em casa (onde crescem as desigualdades sociais) e no mundo: o fim do unilateralismo associado à crise de hegemonia.

É um artifício reacionário separar o nazismo da alma alemã: Hitler foi o depositário do imperialismo germânico. À aventura do Terceiro Reich, se não faltou o apoio, aberto ou silencioso, da população, foi ostensivo o financiamento da grande indústria, que, no pós-guerra,  permaneceu de pé, atuando em todo o mundo, inclusive no Brasil. O genocida Benjamin Netanyahu, há 16 anos no poder, avançando pela direta, representa o consenso sionista, em Israel e no mundo. É um agente da guerra, a serviço do imperialismo, que o nutre.

Que os sustos de 2022 nos ajudem a ver a sociedade que produziu o bolsonarismo.

A França – que, não faz muito, foi governada pelo Partido Socialista – está politicamente reduzida a dois blocos políticos não totalmente antagônicos: o lepenismo de extrema-direita e… “o resto” (como me diz o professor Marco Antônio Dias), a saber, um amontoado contingente, disforme e desconexo, reunindo os antigos comunistas e socialistas  e Emmanuel Macron, o presidente de direta, a quem as circunstâncias delegaram  o papel de líder da  resistência ao fascismo. Mas os conservadores, herdeiros do gaullismo, já se associaram aos fascistas na disputa das eleições legislativas francesas, convocadas para 30 de junho. La France Insoumise, a promessa que brotou no pleito presidencial com Mélenchon, obteve um pouco menos de 10% dos votos para o Parlamento Europeu, enquanto a extrema-direita de Mme. Le Pen consagrou-se com 30% do voto francês. A Itália, do glorioso PCI, é, desde 2022 governada pela líder fascista Giorgia Meloni, do Fratelli d’Italia. Na “joia da coroa” europeia, França e Alemanha, aliadas dos EUA na beligerância da OTAN, a esquerda e a social-democracia foram surradas no último pleito. O único respiro veio dos países nórdicos.

Na América do Sul três democracias (Brasil, Colômbia e Chile) ainda resistem, com as dificuldades sabidas. Nossa tragédia, porém, é a mais significativa, porque transitamos de cerca de vinte anos de conquistas sociais e democráticas para o avanço do projeto protofascista, construído a partir do golpe de 2016 e consolidado com as eleições de 2018, quando, pela primeira vez na história republicana, um quadro de extrema-direita é alçado à presidência da república pelo voto popular, em processo eleitoral que não pode ser questionado. A única boa notícia ao norte do equador vem do México, com a eleição de Claudia Sheinbaum. Mas o México  permanece “tan lejos de Dios y tan cerca de Estados Unidos.”

O presente brasileiro guarda relações com a falência das organizações originárias do velho PCB. Destaco a crise dos partidos populares, conquistados pelo eleitoralismo conservador, donde a renúncia coletiva à missão doutrinária da esquerda. O ‘chão de fábrica’ foi abandonado e muitos militantes e líderes sindicais foram conquistados pela burocracia, sindical ou pública, a que se somou a crise do trabalho (fenômeno global, agravado entre nós pela desindustrialização), erodindo o poder político dos trabalhadores e, por consequência, a potência de seus partidos políticos, comunistas, socialistas e trabalhistas.

Não ousamos canalizar para a política o desespero dos muito pobres, e hoje assistimos, desolados, ao deslocamento de trabalhadores e grupos marginalizados da sociedade capitalista para a extrema-direita, cujo governo agravará sua miséria e restringirá ainda mais seus direitos.
Não há acaso na história.

Os governos da social-democracia paulista e os governos de centro-esquerda do PT mostraram-se impotentes para promover as reformas que (ainda dentro do capitalismo periférico e dependente, que é o nosso) poderiam enfrentar o caráter concentrador de renda e riqueza da economia brasileira. Esquecemos que, mais do que uma vontade, vencer (isto é, mudar) era nosso dever e que, para mudar, precisávamos nos organizar e lutar. Organizar as massas, elevar seu nível político. Ao renunciar ao proselitismo e à denúncia da sociedade de classes, nos transformamos em uma esquerda desprovida de política e deixamos as massas à mercê do neopentecostalismo comercial e do discurso dos meios de comunicação da classe dominante. Movidos pelo eleitoralismo, elevado à categoria de fim em si mesmo, deixamos de condenar o capitalismo e abdicamos do proselitismo socialista.

As táticas do curto prazo eleitoral, quando as bandeiras fundamentais do pensamento socialista foram arriadas, cobram preço político muito alto: o retrocesso que se mede pelo avanço do pensamento da extrema-direita, que nos confronta. O termo revolução foi parar num Index que ninguém sabe quem prescreveu, e, mercê de uma trapaça histórica, nos transformamos em defensores da ordem – nós, os que já fomos denunciados como “subversivos”, e apostávamos na propaganda política e na agitação ideológica. De um certo tempo para cá, passamos a nos identificar com a institucionalidade, exatamente quando a nova direita se fantasia de combatente do sistema. Os sindicatos estão menores, menos representativos e mais fracos. Nossos partidos, na sua maioria, estão dispersos e desorganizados. O PT foi condenado à condição de  partido da ordem.

A esquerda, no geral,  ao ler o determinismo histórico como se fôra lição de um fatalismo religioso, renunciou ao fazer revolucionário, e quedou-se na esperança de que a história terminasse por realizar nossas utopias (afinal, estamos “do lado certo” e merecemos ser recompensados pelos fados). Assim, dava realidade aos nossos sonhos. Até lá, fizéssemos o que as condições objetivas da política prática indicavam. Nos misturámos com os conservadores e nos confundimos como agentes daquilo que Gramsci chamava de “a pequena política”. À noite todos os gatos são pardos.

Concluídas as eleições de 2022, empossado Lula nas condições conhecidas, vencido um ano e meio de governo, a direita neofascista permanece organizada, política e militarmente, com projeto concreto de tomada do poder, nos termos que as circunstâncias ensejarem. Conduz ideologicamente o Congresso, comanda em todos os palcos a oposição ferrenha ao governo Lula, e não apenas bloqueia todo avanço civilizatório, mas desconstrói sem dificuldade as conquistas sociais e políticas logradas pelo movimento social nas últimas décadas. Sua capacidade de mobilização das massas foi posta em evidência mais de uma vez, nas ruas e no processo eleitoral. Anuncia vínculos estreitos com a extrema-direita estadunidense. Em suas manifestações desfraldam bandeiras dos EUA e de Israel ao lado da suástica nazista.

É, a rigor, o único projeto de poder em movimento, contrastando com a anomia geral da esquerda e a insegurança política do nosso governo, que, condenado a prioritariamente lutar pela simples sobrevivência, ainda não encontrou forças para pôr em campo um programa político capaz de antepor-se, nas eleições e para além delas, à ameaça fascista.

Neste quadro, é evidente que cabe às forças progressistas de um modo geral, e não só às esquerdas e seus militantes, a defesa do governo, pois sua eventual derrocada significaria a abertura de todas as comportas para o intento fascista, que mantém sua aliança com o grande capital e setores majoritários das forças amadas. E conserva, ainda, suas bases populares em nível jamais conhecido em nosso país. Mas a imperiosa defesa de nosso governo deve ser vista nos termos do grande projeto de construção de uma nova sociedade, atenta ao desenvolvimento soberano e ao atendimento das necessidades básicas de nosso povo.

O ser esquerda se justifica na luta por um futuro emancipatório da humanidade. Sem ilusões, e distante do voluntarismo, terá de combater o Estado inventado para sustentar o capitalismo. Mirar o horizonte procurando ver para além da risca do horizonte, e jamais se contentar com a política do aqui e agora.

Precisamos nos preparar para uma luta diferente, revendo táticas e dogmas.

***

Adeus a Conceição – “A classe operária preferiu ir ao paraíso a fazer a revolução. De preferência se for em um paraíso consumista. […] Não há evidência de revolução operária depois do século XIX. […] O neoliberalismo apodreceu a ‘opinião pública’ e, ao apodrecê-la, produziu o que há de pior em matéria de liderança de direta. E produziu uma ideologia de classe-média que –Trotsky tinha razão – é a poeira da humanidade.” (Entrevista de Maria da Conceição Tavares à Margem Esquerda, nº 77, 1º semestre de 2008)

Genuflexão na Casa do Povo – Numa correlação de forças absolutamente desfavorável, a centro-esquerda acuada – aparentemente incapaz de superar o trauma de 2016 – houve por bem votar massivamente, nos últimos dias, visando ampliar o poder do capo da Câmara para punir seus adversários (após menos de 24 horas de debate). Há que louvar, sem dúvida, o esforço dos que se empenharam em reduzir os danos do surto autoritário de Don Lira, preservando a constitucionalidade. Mas, sobretudo, aplaudir as deputadas e deputados que se recusaram a chancelar a truculência do coronel alagoano.

As mãos sujas – Nada justifica que o Brasil siga comprando armas e contratando serviços de segurança do protetorado de Israel, ajudando assim a financiar o genocídio a que o mundo assiste inerte e  cumpliciado. Cabe ao presidente Lula dar concretude ao discurso – corajoso e imprescindível – que faz na arena internacional. Saudades do Tribunal Russell dos crimes de guerra cometidos pelos EUA no Vietnã.

Com a colaboração de Pedro Amaral

– A mãe de Lula e o tio da mídia

Por Osvaldo Bertolino

As recorrentes citações pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva do exemplo da mãe, dona Lindu, como fez ele ao falar da pressão da direita para taxar os pobres e ampliar os ganhos dos ricos de todas as escalas, vão além do sentido didático. Tem o componente social. Dona Lindu era a ministra da Fazenda da casa, a administradora dos envelopes de pagamentos dos filhos. Agia com rigor, destinando os poucos recursos para cada necessidade da família. Dona Lindu, de acordo com Lula, é o seu exemplo para compreender como funciona as finanças do Estado. Elas têm mais complexidades, mas, na essência, é isso mesmo.

A mídia deu grande destaque a essa máxima do presidente em entrevista após a cúpula do G7 na Itália, quando ele falou da pressão para que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, adote “corte de gastos”. Lula disse que está aberto a analisar propostas, mas não fará “ajustes fiscais” à custa dos pobres. E lembrou que a taxa de juros acima de 10% “num país com inflação de 4%” não faz sentido. “Fazem uma festa com o presidente do Banco Central (Roberto Campos Neto) em São Paulo. Novamente, os que foram na festa devem estar ganhando dinheiro com a taxa de juros”, agulhou.

Epicentro político 

A “festa” foi uma homenagem ao presidente do Banco Central na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, que posteriormente participou de um jantar oferecido pelo governador bolsonarista Tarcísio de Freitas. Um ato político que vai além de reunir os que ganham dinheiro com a taxa de juros. Foi uma tentativa de sinalizar aos interessados no “ajuste fiscal” que aquele grupo da direita poderia abrir caminho para a organização política da oposição ao governo Lula. Sobretudo após o espocar de fogos da mídia para saudar o recente “ajuste fiscal” de Tarcísio.

A manobra não surtiu efeito e chegou a ser criticada pela própria mídia, que não gostou da exposição política de Roberto Campos Neto. A questão de fundo é a ligação de Tarcísio com Bolsonaro, um estorvo para eventuais pretensões à sucessão de Lula. Além da base social e política bolsonarista do governador, pesam as limitações organizativas em âmbito nacional, pressuposto básico para um projeto da direita capaz de se apresentar como viável politicamente para disputar a sucessão presidencial. Tarcísio teria de formar outro epicentro político, completamente divorciado de Bolsonaro, personagem desgastado pelos escândalos e desastres de seu governo.

Ataques sistemáticos

A direita mira em outra direção, a ideia de que governo Lula, que deveria ter trilhado o caminho do “ajuste fiscal” assim que saiu o resultado das urnas, já se mostrou inviável por ser um gastador inconsequente. E por não aceitar a imposição de que o presidente foi eleito não pelas ideias de esquerda, mas pelo projeto da direita contido na “frente ampla”. Trata-se de uma empulhação, presente diuturnamente na mídia, falsificação grosseira do movimento que se formou em 2022 para derrotar Bolsonaro. Era óbvio que Lula não adotaria a agenda da direita, embora soubesse das limitações conjunturais, sobretudo pela composição do Congresso Nacional.

Com o tempo, a diferença se transformou em ataques sistemáticos a Lula. A mídia adotou a linha de fazer oposição frontal, muitas vezes com apologia explícita ao golpismo. O “ajuste fiscal” passou a ser uma imposição implacável, espécie de tudo ou nada. Acionaram o sistema de projeção do mercado financeiro, chamado de Relatório Focus – segundo o Banco Central, as “expectativas” de mercado coletadas regularmente, na verdade manipulações de projeções de inflação e juros por agenciadores da especulação financeira –, para apresentar um futuro sombrio, o descontrole da dívida pública pela elevação da taxa de juros para “acalmar os investidores”. Surgiu até o fantasma da inflação alta pela demanda crescente com empregos, rendas, reajuste do salário-mínimo e outros investimentos públicos.

Tríade autocrática

Por trás de tudo está a política monetária, o controle da economia pela gestão do Banco Central dito “independente”, que administra uma “meta fiscal” draconiana, o chamado superávit primário, enormes recursos orçamentários abocanhados pelo mercado financeiro por decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) sobre a taxa de juros. É um jogo bruto contra o povo e o país, sem que o governo ou qualquer outra instância de poder possam agir. A tríade Banco Central “independente”, Relatório Focus e Copom forma um poder paralelo, uma autocracia poderosa e inescrupulosa.

A mídia é a grande porta-voz desse autoritarismo. Em nome do “déficit” orçamentário, apresentado como o Armagedon, anunciam de forma peremptória que é preciso “cortar gastos”, mirando questões como o reajuste da aposentadoria, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para idosos e pessoas com deficiência, além das verbas para a Saúde e a Educação. Tudo isso martelado em regime de monopólio midiático, sem espaço para o debate e sem a visão do conjunto da economia e da administração da política econômica.

Árvore mágica de dinheiro

O livro O mito do déficit, de Stephanie Kelton, professora de Economia e Políticas Públicas, explica bem a falácia do “ajuste fiscal”. Ela parte de uma citação da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, em 1983, segundo a qual o Estado “não tem fonte de dinheiro que não o dinheiro que as pessoas ganham”. “Se o Estado deseja gastar mais, ele só pode fazê-lo se tomar emprestado as suas economias ou se tributá-lo ainda mais”, completou. Segundo Thatcher, “não existe dinheiro público”, mas “dinheiro do contribuinte”.

O mesmo discurso seria repetido mais adiante pela também primeira-ministra Theresa May. O governo não possui uma “árvore mágica de dinheiro”, disse ela. Para bancar investimentos ou políticas públicas o governo precisa pegar mais “do nosso dinheiro”. É a ideia de que se o governo gasta mais do que arrecada em impostos precisa emprestar recursos do “mercado”. Na verdade, taxar e fazer empréstimos vêm primeiro, explica a autora. É o modo convencional de pensar pelo que ela chama de (TE)G: Tributos e Empréstimos precedem os Gastos.

O resumo, de acordo com o que Stephanie Kelton denomina Teoria Monetária Moderna (TMM), é que existem o emissor de moedas (o Estado) e o usuário. Num sistema de controle autocrático da política monetária, o principal usuário é o mercado financeiro, destinatário de grandes somas de dinheiro – o mercado de títulos públicos – que empresta ao governo e cobra o juro determinado pelo Banco Central “independente”. Os demais destinatários, os serviços e investimentos públicos, ficam na dependência dos interesses do mercado financeiro para definir como gastar. Cumpre-se, assim, o ciclo da (TE)G.

Falsa imagem do Tio Sam

Stephanie Kelton relata projeções de aumento da dívida pública dos Estados Unidos de dezesseis trilhões de dólares em 2019 para vinte e oito trilhões em 2029. Enquanto isso, a repetição sistemática de que o governo não tem dinheiro se intensifica. Ela relata que a citação se espalhou pelo país, com a imagem do Tio Sam de bolsos das calças para fora, do avesso. “Muitas pessoas passaram a acreditar que nosso governo está totalmente falido, que seu orçamento não dá conta dos assuntos mais importantes da nossa atualidade.”

Essa falsa imagem do Tio Sam sem dinheiro é a ideia que a mídia tenta cravar como verdade absoluta no Brasil. O controle da economia por essa política monetária autoritária confronta o projeto de governo eleito em 2022 e vai se transformando em dilema. Há uma evidente tentativa de cooptar Haddad, amplificando declarações da ministra do Planejamento, Simone Tebet, numa clara manobra para isolar Lula e criar crises políticas para desestabilizar o governo, inviabilizando a aplicação do seu programa.

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– Lula, a BIP e o juiz turbinado.

Submetido a provocações destemperadas do juiz Marco Aurélio Mello, o presidente Luis Inácio Lula da Silva reagiu à altura. Apesar da aspereza, Lula manteve a coerência. Foi um bom teste. Com a aproximação das eleições de 2008 — uma espécie de primeir

Autocontrole e sangue frio constituem requisitos essenciais para quem tem por missão comandar o Brasil nas circunstâncias impostas ao atual governo. Essas duas qualidades o presidente Luis Inácio da Silva mostrou claramente possuir ao longo das sucessivas crises políticas lançadas contra ele. Mas na semana passada Lula foi obrigado a bater duro para deixar bem demarcado o que é opinião juridica e o que é opinião política no embate que se trava atualmente entre situação e oposição no país.

O presidente respondeu ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello, que teria criticado o programa ”Territórios da Cidadania”. ”Seria bom se o Poder Judiciário metesse o nariz apenas nas coisas dele, o Legislativo apenas nas coisas dele e o Executivo apenas nas coisas dele. Nós iríamos criar a harmonia estabelecida na Constituição”, afirmou o presidente da República. O ministro é um notório militante do que já foi chamado pelo acrônimo de BIP (Busca Insaciável do Problema)

Líder da UDN no Supremo

Mello, tido por um dos seus pares como “líder da UDN” no Supremo, é sabidamente um adorador de holofotes, câmaras e microfones. E a mídia brasileira, em franca campanha eleitoral contra o campo governista, gosta de pedir suas opiniões sobre todos os assuntos. Assim, ele comenta desde a seleção brasileira de futebol até detalhes culinários. No meio, invariavelmente há os comentários políticos polêmicos. O ministro é o típico homem da eficácia, aquele que coloca os resultados sobre os princípios — um legítimo adepto da BIP.

A revista CartaCapital do dia 15 de fevereiro de 2008 traçou um perfil de sua personalidade e posições políticas numa alentada reportagem de sete páginas intitulada ”Toga Turbinada”. CartaCapital revela que o ministro possui uma mansão em Brasília onde cria cachorros, galinhas e até um cavalo num bem cuidado jardim do terreno de 12 mil metros quadrados. Segundo a revista, o primeiro ser que se avista quando um dos seguranças da casa ergue o portão de madeira é um pavão.

Algumas de suas decisões, no entanto, parecem extraoplar o limite da autopromoção. Foi o que aconteceu, por exemplo, quando ele concedeu habeas corpus ao banqueiro Salvatore Cacciola, em 2000, que aproveitou a deixa para se refugiar na Itália. CartaCapital revela que a decisão sobre Cacciola não agradou ao então presidente da Casa, Carlos Velloso — Mello havia concedido o habeas corpus na ausência de Velloso, que revogou a liminar imediatamente depois de voltar, mas o banqueiro havia fugido.

Fidelidade partidária

A revista lembra que Mello e Cacciola foram vizinhos em um condomínio de luxo na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. CartaCapital pergunta se seu salário de ministro dá para tanto — uma casa enorme em Brasília e um apartamento no Rio de Janeiro —, ele responde que a herança recebida do pai deu uma ”ajudazinha”.

A revista também revela que Mello provocou duras críticas do Congresso Naconal ao decidir, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sobre a questão da fidelidade partidária. Segundo CartaCapital, um dos que se indignaram com a “ingerência inadequada” dos tribunais sobre o Parlamento foi o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia. Irônico, Chinaglia teria feito a seguinte comparação: “Quer dizer que se o Judiciário não faz Justiça os parlamentares também podem começar a fazê-la?”

CartaCapital opina que hoje há uma maior afinidade entre as posições do ministro e da mídia em geral — fato que explica porque desapareceu ”da narrativa jornalística” o tom jocoso com que era tratado por ter sido indicado por um parente (o ex-presidente Fernando Collor de Mello) mais tarde defenestrado do poder por acusações de corrupção. “Escuta, sou mercadoria de vocês. Será que gostariam de ter um juiz do Supremo encastelado, numa redoma? Não sou um semideus, sou um homem. Como homem público, devo contas à sociedade. E a forma de meu pensamento chegar a ela é via imprensa”, disse ele à revista.

Mello não fala só por ele

Se não é um semideus, comporta-se como tal. No auge da histeria sobre a denúncia acatada pelo SFT contra os acusados de envolvimento com o ”mensalão”, quando Mello estava deitando falação em praticamente todos os grandes meios de comunicação do país, na condição de colunista do Vermelho lhe fiz um pedido de entrevista por meio do seu assessor de imprensa, Renato Parente. Ele pediu uma prévia das perguntas e até hoje não as respondeu. Cobrado várias vezes, Parente sempre respondeu que Mello estava ”com a agenda lotada”.

Possivelmente ele sabia que no Vermelho não haveria a repercussão sobre o que se chama, em situações polêmicas como as que ministro adora, o ”merchandising das divergências” — comum nos veículos de comunicação da ”grande imprensa”. Isso leva à conclusão de que para ele o que importa ao conceder uma entrevista, unicamente, é se promover, marquetear e vender a divergência.

Há lógica nisso. Mello não fala só por ele. Se as diferenças entre a realidade e as suas versões forem minimizadas e desaparecerem, o que vai sobrar para quem tem como propósito fazer oposição? Num sentido institucional mais elevado, é certo que o Judiciário tem um papel político e os juízes não gostam de se ver como simples ”aplicadores da lei”. Mas onde começa e onde termina esse papel político?

Teste básico de integridade

Mello está claramente pisando em searas alheias com o único intuito de fazer política. Está na hora de o Judiciário questionar esse tipo de comportamento. Deputado, ator de TV ou jogador de futebol podem falar à vontade sobre o que bem entender. Um juiz, não. Como diz a clássica norma ética, ele só deve falar nos autos, ao decidir as questões que lhe são submetidas como guardião que é das leis e dos direitos dos cidadãos. O problema é ainda maior quando esta sede de autopromoção manifestada pelo ministro encontra pela frente uma mídia ávida por factóides contra o governo. Aí vê-se nitidamente a histeria denuncista.

A denúncia por si só — sem a compreensão mais ampla do problema, sem a definição mais clara dos objetivos — não leva a nenhuma conclusão consistente. Mas estamos diante de mais um daqueles fatos que conferem ao processo de denúncia um verniz de moralismo que obscurece uma verdade — ele é movido por uma elite que não foi eleita em 2002 e 2006 e que não admite perder novamente em 2010.

Ninguém elegeu Mello e seus promotores para cargo nenhum; ninguém elegeu a mídia para nada. Esse processo investe os agentes da investigação que trabalham para a BIP (juízes, parlamentares, mídia) de um poder que a Constituição nunca pretendeu que tivessem — e que vai além do que é aceitável numa democracia. É na verdade um conluio que se alimenta de um tipo de jornalismo barato, que não passa no teste básico de integridade e competência ao não retratar os fatos como eles são.

Respeito à democracia

A culpa maior é dos editores que, a serviço dos barões da mídia, encomendam ou aprovam essas distorções da verdade. A estupidez sancionada que vemos atualmente na mídia leva ao jornalismo descartável. Na ânsia de criar notícia, no afã de ter nas mãos um fato que possa causar escândalo, muitas vezes os melhores dados do país passam por estranhos processos de alquimia mental pelos quais sempre se transformam, de situação positiva, em algo a ser criticado.

Para sofrer essa metamorfose, as informações são manipuladas por profissionais malpreparados — ou mal-intencionados — que, com generalizações apressadas ou informações equivocadas, tentam jogar a opinião pública contra o governo. O procedimento: toma-se uma informação positiva e, usando-se de contorcionismo jornalístico, ela se transforma num fato negativo.

Em entrevista à rádio Jovem Pan, Mello disse que a idéia de que não há democracia sem ”imprensa livre” é tão antiga quanto a democracia — que, por sua vez, é tão antiga quanto a ”imprensa livre”. Ele repetiu um lugar-comum, dito quase em toda parte como um bordão da unanimidade. Mas, do ponto de vista institucional, a existência da ”imprensa livre” assegura a pluralidade das opiniões e o pleno atendimento do direito à informação, que é um dos pilares da cidadania. E, deste ponto de vista, Mello e a mídia têm faltado com o respeito à democracia.

Redução da jornada: Alexandre, Matusalém e a insensatez
Osvaldo Bertolino *

A redução da jornada de trabalho é um ato de sensatez. Mas que ninguém se iluda: esperar sensatez do capitalismo brasileiro seria ingenuidade. A luta pela redução da jornada no Brasil é, antes de tudo, uma luta contra a insensatez.

A história ensina que a redução da jornada de trabalho é uma medida absolutamente necessária. A começar pela melhora das condições de saúde. Diz a história que Alexandre, o Grande, conquistou o mundo e morreu, troncho e alquebrado, aos 32 anos de idade. Já Matusalém, revela o Gênesis, viveu 969 anos. Há uma razão para tamanha diferença em longevidade: Alexandre batalhava 18 horas por dia, 7 dias por semana; quanto a Matusalém, não há indício de que ele tenha feito sequer 1 hora extra em toda a sua vida.

Outro motivo para que a jornada de trabalho seja constantemente reduzida é a elevação da produtividade, um processo que ganhou impulso nos idos de 1881 quando os operários de uma metalúrgica na Filadélfia, nos Estados Unidos, receberam o aviso de que o trabalho na fábrica estava prestes a mudar. Um gerente decidira incorporar à rotina dos funcionários um novo equipamento: um cronômetro.

Grau de técnica e de ciência contido no produto

Incomodado com o modo quase artesanal de trabalho dos operários, o gerente — um certo Frederick Taylor — definiu um padrão de produtividade com base no tempo gasto pelos trabalhadores em cada uma de suas atividades. Era o início de uma inovação batizada de ”taylorismo”, que transformou a indústria norte-americana e, mais tarde, o modo de produzir em todo o mundo. Iniciava-se uma corrida alucinada pela inovação tecnológica.

Hoje, o número de horas trabalhadas tem pouca conexão com a qualidade e a produtividade do trabalho realizado. A economia é medida não apenas por aquilo que numericamente se é capaz de produzir, mas principalmente por aquilo que dá mais valor ao produzido, aquilo que efetivamente mostra o grau de técnica e de ciência contido no produto final. Ou seja: a produtividade. E com o elevado número de horas trabalhadas, a distribuição do crescente valor criado com a inovação tecnológica vai ficando cada vez mais injusta.

Doenças do trabalho: grave caso de saúde pública

Não é de hoje que o patronato tenta criar nos trabalhadores brasileiros a mentalidade da Toyota, que ajusta a produção à demanda. Pela organização do trabalho toyotista, o cliente faz a encomenda e até uma semana depois está recebendo um carro que não existia no momento em que ele formalizava o pedido. Há no Japão um ditado que ensina que todos os pregos tem de estar igualmente integrados à madeira. Se há algum prego com a cabeça saliente, é preciso martelá-lo até que fique enterrado na superfície como os outros.

Essa lógica está presente neste modo alucinado de organização do trabalho toyotista. Ou seja: um trabalhador vigia o outro na busca de prêmios que substituem o salário. Ou o trabalhador agrega o valor arbitrariamente determinado pela empresa, ou ele está fora. Para o funcionário submetido ao toyotismo, o terror é um acontecimento que está sempre à espreita. A conseqüência mais imediata é que as doenças do trabalho hoje já são um grave problema de saúde pública.

Apropriação indevida da elevada produtividade

A despeito desse tipo de situação ainda ser um padrão no Brasil, o trabalhador brasileiro parece reunir boas condições para enfrentar estes novos tempos — com a elevação constante da produtividade nacional. A forma que se apresenta neste momento como a mais factível é a luta pela redução da jornada de trabalho sem reduzir o salário. Não há como esconder que a atual distribuição da produtividade elevada da nossa economia consiste em uma apropriação indevida por alguns em detrimento de muitos.

O custo por hora na indústria de transformação brasileira, segundo o Bureau of Labor Statistics, é de algo em torno de 3 dólares. Na Coréia do Sul, 4 dólares, no Japão 13 dólares e nos Estados Unidos 15 dólares. O trabalhador brasileiro normalmente trabalha das 8 às 18 horas, acumulando uma jornada constitucional de 44 horas semanais. Segundo o ”Japan Information Network”, o japonês trabalha em média 41,3 horas por semana nos serviços e 43 horas na manufatura. O trabalhador norte-americano trabalha das 9 às 17 horas, ou 40 horas semanais.

Extensão estatal na propriedade do patrão

Que ninguém se iluda: a noção de que os ganhos com a produtividade da economia brasileira precisam ser melhor equalizados terá de ser arrancada a fórceps. A natureza da elite brasileira é a de interpretar o trabalhador brasileiro como um ser primevo — por sermos negro, índio, mestiço —, despossuído a ponto de não ter direito sobre o próprio corpo e cuja vida deve ser definida pelo trabalho cruciante e pelos suplícios impostos pelo patrão.

Dizia-se há algum tempo em tom jocoso que, para resolver os problemas da agricultura no Brasil, o governo deveria fornecer a cada fazendeiro um trator e um casal de estrangeiros. Você já deve ter ouvido a anedota. Aparece aí, em primeiro lugar, a forma patrimonialista com a qual a elite brasileira entende o Estado — a máquina e o trabalhador são a extensão estatal na propriedade do patrão. Aparece também uma imagem que a elite brasileira faz do caráter dos trabalhadores brasileiros.

Mão está excelente para os trabalhadores

A anedota estabelece uma dicotomia: de um lado estaria os demais trabalhadores e seu caráter superior, forjado na ética do trabalho; de outro, o brasileiro e seu caráter claudicante, formado por um comportamento negligente para com o trabalho. A idéia passada é a de que o trabalhador dos países ricos é intrinsecamente afeito ao trabalho e que por isso alcançou o sucesso; e de que o trabalhador brasileiro é irremediavelmente inferior e que por isso vive entregue às mazelas.

Esse é, antes de tudo, um jeito preconceituoso de interpretar essa falsa equação. É o reflexo de uma forma — sobrevivência dos mais de 300 anos de escravidão que tivemos por aqui e que chegou às barbas do século XX — de interpretar o trabalhador brasileiro. Já está mais do que na hora de escolhermos efetivamente o caminho do desenvolvimento com valorização do trabalho e apostar nele todas as suas fichas. As cartas para a próxima rodada deste grande jogo, que é a distribuição da renda nacional, já estão dadas. E a mão está excelente para os trabalhadores. Talvez nunca tenha estado tão boa. Agora é jogar.

– Lula, Obama e o preconceito do professor Gaudêncio Torquato.

Um artigo do jornalista, professor titular da USP e consultor político Gaudêncio Torquato no jornal O Estado de S. Paulo, edição do dia 11 de novembro, sobriamente intitulado “A esperança lá e cá”, oferece uma boa oportunidade para se ver como a opinião p

Virou moda para a pregação elitista culpar o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva por tudo. No noticiário político diário aparecem os que achincalham as instituições democráticas agora que elas não estão mãos elitistas, os revoltados com o socialismo, com o MST, com a MPB, bem como os insatisfeitos em geral, seja com o campeonato brasileiro de futebol ou com o atraso do trem, a acne juvenil, a aftosa e o bicho-do-pé. Ou seja: tudo é culpa do governo. Foi assim que o professor jogou nas costas das “platéias assumidamente lulo-petistas” a culpa pela comparação entre Lula e o presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama.

Segundo o professor, “se a eleição do primeiro presidente negro e o 44º da história dos Estados Unidos se reveste de simbolismo, por representar uma mudança profunda no paradigma da política norte-americana, a conquista de dois mandatos presidenciais pelo ex-metalúrgico brasileiro também se impregna de extraordinária força simbólica”. Mas, segundo decreta Gaudêncio Torquato, a semelhança termina aí. “Se os dois viveram uma infância humilde, Obama pôde estudar em boas escolas, formando-se em Direito, em 1991, em Harvard, centro educacional de excelência, freqüentado pela elite norte-americana e internacional. Lula minimiza o fato de não ter estudado. Obama não é o Lula americano”, ensina o professor.

Palavras ao vento

Depois de uma adjetivada aula sobre “a nova esquerda internacionalista, sob a qual se abrigam as bandeiras do aborto, do desarmamento, do diálogo com inimigos, dos direitos de minorias, etc.,” o professor decreta que “o discurso mudancista do lulismo (…) deu com os burros n’água”. Em seguida, Gaudêncio Torquato mostra, sem meias palavras, o que de fato ele representa. “As estacas macroeconômicas fincadas no ciclo FHC foram bem conservadas e até aperfeiçoadas, trazendo conforto ao país, que conseguiu zerar sua dívida externa. Trata-se de mérito inegável do governo Lula, não significando, porém, alentados avanços”, revela o professor.

Gaudêncio Torquato volta a soltar palavras ao vento ao mencionar que “o patrimonialismo continua a dar as cartas, sob o império do presidencialismo de coalizão, que torna o Parlamento refém do Executivo” (como?). E ataca “os jovens que, por ocasião das diretas-já e do impeachment de Collor, acorreram às ruas” e agora “delas fugiram”. E chega ao mérito da questão — como dizem os advogados. “As multidões aclamam hoje o presidente não por ações inovadoras, mas porque festejam a entrega de bolsas, que expressam uma visão ortodoxa (por não apontar uma porta de saída) de política social”, ensina.

Imprescritibilidade da tortura

Em seguida, Gaudêncio Torquato aponta a sua pena para “o campo das relações de trabalho”, segundo ele “dominado por centrais de trabalhadores motivadas a manter as correntes de um sindicalismo à sombra do Estado”. E chega à “seara dos tributos”, que “é um deus-nos-acuda”. O linguajar não é dos melhores, mas, com coragem, dá para entender o que ele quer dizer: a elite foge do fisco como o Diabo da água benta. “A bocarra do leão se alarga sob os olhos concupiscentes dos burocratas. Estados e municípios se engalfinham para tirar lasquinhas dos impostos, cujas partes gordas vão para os cofres da União. E a esfera política continua a fazer círculos ao redor do Palácio do Planalto, empunhando a mão franciscana”, afirma.

Outro ponto em que a aula do professor resvala para a mediocridade, depois de decretar mais uma vez que “o simbolismo de suas vitórias (de Lula) se esgarça a olhos vistos” (onde?), é a discussão sobre a imprescritibilidade da tortura. “A era Lula nem sequer conseguiu fechar o ciclo de 64”, avisa o professor já no início do assunto. “A guerra entre torturados e torturadores, pela voz autorizada do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, ganha novos atores: os grupos terroristas”, diz ele. A peroração de Gaudêncio Torquato é um primor. “Barack Hussein Obama simboliza o aceno a uma nova ordem. Que Lula prometeu e, até agora, não cumpriu. Que a esperança, lá, consiga efetivamente vencer o medo”, finaliza o professor com sua pena empostada.

Centralismo autoritário

O que devemos extrair disso tudo? Primeiro, que o professor tem todo o direito de escrever o que quiser. Tem até mesmo o direito de prescrever o que quiser para todo o mundo. Quem sonharia em impedir que Gaudêncio Torquato assumisse o partido elitista? Tem até o direito de usar um vaivém entre o Brasil e os Estados Unidos mal costurado, que resulta em uma compreensão rarefeita sobre o que ele quer de fato ensinar com isso. Destaco apenas que o professor se expressa de uma maneira curiosa. Parece que ele é mais um porta-voz da mídia, destes que têm o hábito de falar pela “sociedade”, pelo “contribuinte” ou pelo “cidadão” — seja lá o que isso quer dizer.

Eles falam assim não porque praticam o “centralismo democrático” — seria bom se o praticassem —, e sim porque têm sempre uma versão extremamente opaca de centralismo autoritário. Mas deixa isso para lá — em outra hora comento o assunto. O problema é que é difícil aceitar esse tipo de diagnóstico num país em que até há pouco tempo o governo foi uma mediocridade neoliberal em cujo legado é difícil encontrar qualquer coisa de positivo. No rol da ruindade presidencial, é possível que nem um outro presidente tenha superado FHC. Obviamente, esse ponto de vista vê o governo pelo ângulo esquerdo, aquele pelo qual se enxerga o povão e os interesses maiores da nação. Quem olha pelo ângulo direito, onde está enquadrada a elite, a visão é outra.

Dois insumos básicos

Mas é sempre bom prestar atenção no que dizem estes porta-vozes da direita brasileira. Em primeiro lugar porque ninguém, até hoje, perdeu alguma coisa levando-os a sério. Em segundo lugar porque o que eles dizem coloca às claras, quando se vai ao centro das coisas, o único fato realmente essencial na disputa política contemporânea: Lula na Presidência da República representa uma grande ruptura com a nossa história e tradição política. Quando Leonel Brizola o comparou a Getúlio Vargas em uma reunião petista, em 1998, ele não estava totalmente errado — ao menos no simbolismo político.

Mudanças importantes na vida dos países carecem de dois insumos básicos. O primeiro: um desejo amadurecido na sociedade de que essas mudanças aconteçam; uma espécie de consenso coletivo em relação à necessidade de mudar. O segundo insumo: alguém que tome a frente e as realize. Um líder que tenha vontade e competência para sintetizar o desejo da maioria e concretizá-lo. É desse cruzamento que surgem as grandes reformas, os grandes avanços. O governo Lula se formou com a bandeira social, símbolo de esperança. Politicamente emparedadas pela extensão do apoio popular ao presidente, as oposições, como seria de prever, contra-atacam com o refrão de que ”só a economia se salva”. É uma pobreza de dar pena!

– O dilema juro-inflação-desenvolvimento

Por Osvaldo Bertolino – Portal Vermelho, 12/04/2008

O Brasil passa por mais uma discussão sobre as causas que levam o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) a cogitar mais uma alta da taxa de juros básica, a Selic. E reaviva a velha polêmica sobre o dilema inflação-desenvolvimento.

Mas data houve em que se acabaram
Os tempos duros e sofridos
Pois um dia aqui chegaram
Os capitais dos países amigos
País amigo, desenvolvido
País amigo, país amigo
Amigo do subdesenvolvido
País amigo, país amigo
E os nossos amigos americanos
Com muita fé, com muita fé
Nos deram dinheiro e nós plantamos
Só café, só café
É muita terra em que se plantando tudo dá
Mas eles resolveram que nós deveríamos plantar
Só café, só café.

Trecho da música “Canção do Subdesenvolvido”, de 1962, composta por Carlos Lyra e Francisco de Assis.

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À sua maneira, o presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, tocou num velho dilema da economia brasileira — a possível contradição entre inflação e desenvolvimento. O assunto foi a atual elevação mundial do preço dos alimentos, segundo ele uma ”inflação boa” porque ”convoca” os países a produzir mais e atender à demanda por alimentos no mundo. Lula disse também que a alta dos alimentos não precisa ser necessariamente combatida com a alta dos juros.

A fala do presidente foi oportuna. Muita gente no Brasil ainda vê o consumo como um gesto pouco nobre. Um marciano de boa índole, que tivesse chegado à Terra pelo Brasil e estivesse estudando a humanidade munido da língua portuguesa, certamente anotaria na agenda que ”consumir” é uma das coisas ruins que se fazem por aqui. O verbo ”consumir”, segundo o Aurélio, significa ”1. Gastar ou corroer até a destruição; devorar, destruir, extinguir (…) 2. Gastar, aniquilar, anular (…) 3. Enfraquecer, abater (…) 4. Desgostar, afligir, mortificar (…) 5. Fazer esquecer; apagar (…) 6. Gastar; esgotar (…)”.

Políticas sociais tímidas e insuficientes

Os sentidos são negativos; as conotações, pejorativas. Não há uma única referência à idéia de comprar ou adquirir, de consumir mais e melhor. Muito menos uma associação com o ato de satisfazer uma necessidade ou saciar um desejo. Claro que para um país como o Brasil o ganho mais visível e imediato que a égide do consumo tem a oferecer é mesmo a elevação do nível de conforto material. Consumir mais e melhor significa também fruir arte, absorver informação, ter acesso ao patrimônio cultural da humanidade. Ou seja: obter satisfações que transcendem à mera necessidade imedita.

Por que há tantas reservas em relação ao consumo de massas no Brasil? É que o consumo popular funciona como o estopim econômico de transformações sociais. Para o povo, ele é bem-vindo também por isso. As travas brasileiras em relação ao consumo estão no fato de que ele sempre foi privilégio de poucos. Outra vez a estrutura social fendida em dois extremos, arquitetada no passado, azucrina nosso presente e atravanca nosso futuro.

A arquitetura social brasileira é caracterizada por políticas públicas tímidas e insuficientes. A força da ideologia liberal à brasileira, com traços feudais e escravocratas, é a causa dessa timidez — ou insensibilidade social. Uma das alegações dos liberais era a de que a inflação em alta impedia uma ação social mais vigorosa. Como distribuir os frutos de um desenvolvimento não realizado? Primeiro era preciso fazer o bolo crescer para só depois distribuí-lo.

Guinada ”ortodoxa” na condução da economia

No início dos anos 60, essa fantasia ganhou conotação ainda mais autoritária. Os economistas que assumiram o controle depois do golpe militar de 1964 chegaram dizendo que o dilema inflação-desenvolvimento era discussão da pré-história. Segundo Roberto Campos, ícone brasileiro deste pensamento, este dilema era um “idílio” — ou produto de fantasia; devaneio, utopia.

A política econômica da ”era militar” chegou à crise dos anos 80, que levou à guinada ”ortodoxa” da linha de condução da economia quando o país ingressou na “era neoliberal”. Foi pelo caminho da prioridade à política de “estabilização monetária” em detrimento da postura desenvolvimentista, iniciado no governo do presidente Fernando Collor de Mello, que o Brasil chegou ao Plano Real e ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC). Naquela campanha, FHC brandiu a ”estabilidade” como se fosse a sua grande contribuição à humanidade.

Uma inflação de 1,75% em setembro de 1994 e de 1,82% em outubro, depois de ter batido em quase 50% em junho, foi argumento suficiente para resolver aquela eleição já no primeiro turno. Mas uma das conclusões a que se pode chegar analisando os votos de 1994 é que eles representaram uma carta branca ao governo no que se referia ao controle inflacionário, não necessariamente a qualquer outro ponto de seu ideário liberalizante.

Divisa da campanha do projeto neoliberal

Ao lado do trunfo do Plano Real, vendido por meio de um marketing internacional muito bem arquitetado, havia os outros quatro dedos da mão espalmada de FHC. Eles significavam para o eleitor a promessa de melhorias sociais e infra-estruturais no país. Nenhuma ”reforma” de cunho liberal foi claramente referendada pelo pleito de 1994. Elas vieram a reboque — eram as cláusulas do contrato escritas em letras minúsculas.

Para conseguir o segundo mandato, este projeto utilizou-se de um novo engodo. Eram mais do que óbvios os laços que uniram aquela política com a perda de empregos e o aumento da precariedade dos serviços públicos — como saúde, segurança, educação. Mas a campanha veio com um slogan apelativo: era preciso garantir as ”conquistas” da ”estabilidade” para dar prioridade aos outros dedos da mão espalmada, principalmente o combate ao desemprego.

Era conversa sobre corda em casa de enforcado, como no provérbio. Mas a divisa da campanha do projeto neoliberal acabou criando uma interrogação para o eleitor: por que votar em Lula se FHC estava garantido as ”conquistas” da ”estabilidade” e prometendo empunhar as principais bandeiras do candidato da oposição? Mas FHC merecia credibilidade? Esse dilema ficou evidenciado nas pesquisas de intenção de votos.

Em 10 e 11 de março de 1998, o Datafolha divulgava pesquisa mostrando FHC com 41% das intenções de votos no primeiro turno, contra 25% de Lula. No segundo turno, FHC venceria com 52% contra 35% de Lula. Em meados do ano, depois de meses a fio em que se dava por certo que não haveria segundo turno, o quadro começou a mudar. Na pesquisa de 8 e 9 de junho, as diferenças atingiram seu patamar mínimo: FHC teria 35% das intenções de voto no primeiro turno e Lula, 30%. No segundo turno, FHC ficaria com 45% e Lula, 44%. Ou seja: empate técnico.

Críticas a regulamentações aprovados pelo Senado

O projeto neoliberal reavaliou o rumo da campanha, enfatizou os outros quatro dedos da mão espalmada de FHC — as questões sociais — e recuperou a vantagem, vencendo as eleições novamente no primeiro turno. Mas ficou na população aquele gosto amargo de derrota, uma sensação de ter sido enganada por aquela mão espalmada insistentemente levantada por FHC. Quando ele se reelegeu em 1998, logo ficou claro que o país havia embarcado naquele bonde novamente porque havia a esperança de mudança de rumo tacitamente prometida.

Como era uma impossibilidade evidente, à primeira chance houve a baldeação e Lula se elegeu em 2002 e se reelegeu em 2006 — empunhando as bandeiras das questões sociais. O país, no entanto, continuou praticando a mesma política monetária — basicamente centrada na autonomia do Banco Central (BC) para domar o comportamento da inflação pela taxa de juros, segundo metas definidas arbitrariamente. Apesar de poucas alterações, esta política persiste e tem reanimado o debate sobre os rumos da economia brasileira.

No dia 9 de abril, o Senado aprovou a regulamentação da emenda 29, que adiciona R$ 5,5 bilhões em gastos no setor de saúde já em 2008 e mais R$ 17,5 bilhões até 2011; a extensão a todos os aposentados e pensionistas do INSS dos benefícios da política de valorização do salário mínimo (reajustado pela variação do INPC mais o crescimento do PIB de dois anos antes); e a extinção do fator previdenciário — um dos feitos mais nefastos da “reforma” previdenciária realizada na gestão FHC. E por isso vem sofrendo mais uma saraivada de pontapés.

A sentença de um tucano: produzir um esfriamento na economia

Para os liberais, essas medidas representam um desvio do rumo traçado pela política de “estabilização”. E uma ameaça à “responsabilidade fiscal”. O fundo desta grita interesseira é o velho dilema inflação-desenvolvimento. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo no dia 11 de abril, o economista tucano Luiz Carlos Mendonça de Barros, que foi um dos esteios da “era FHC”, disse que “pela primeira vez, em muitos meses, as expectativas de inflação superaram o centro da meta que orienta os passos do Banco Central”. E culpa o “superaquecimento da economia”.

Segundo ele, é consenso que um aumento dos juros nas próximas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC deve levar a taxa Selic para perto de 13% ao ano. Mendonça de Barros diz que “o consumo das famílias e os gastos do governo Lula estão se expandindo a taxas de mais de dois dígitos — em termos reais — e, com os gastos relativos aos investimentos privados, criam uma pressão muito grande sobre alguns mercados importantes”.

O economista tucano escreveu também que já havia alertado sobre o “nível de absorção interna de bens e serviços”, pelo qual as tensões chegariam a setores não defendidos pelas importações. Resultado, segundo ele: a inflação média começaria a se elevar. “Ao longo dos últimos meses, essa dinâmica aprofundou-se, também no mercado de trabalho e pelo crescimento do crédito ao consumo”, afirmou. “Era apenas uma questão de tempo para que as pressões de preços aflorassem de forma mais clara nos indicadores oficiais de inflação”, escreveu. E deu a sentença final: “É preciso produzir um esfriamento na economia.”

A alternativa é plantar ”só café, só café”, como na música?

Seguir à risca a receita liberal seria repetir o aguçamento daquela calamitosa teoria do bolo, levada a cabo nos anos de ditadura militar, que partiu o Brasil em dois países antagônicos. Nada melhor para ilustrar a convicção e o sectarismo monetarista do que a teoria do bolo — seus defensores têm o ar de quem está sempre descobrindo a pólvora. Na “era FHC” vimos isso com nitidez.

Dizia-se, com a habitual obviedade para encaixar um sofisma, que o bolo (a economia nacional) era um só e tinha de ser dividido em partes iguais. Não adiantava querer aumentar as partes enquanto o bolo fosse o mesmo. A análise monetária-culinária que faziam tinha como mandamento principal a contenção da inflação, sacrificando o desenvolvimento. E era ilustrada com um exemplo matemático — diziam que o bolo tem 100 unidades, logo deve ser dividido em partes que somam 100 ao final. Esta foi, por exemplo, a propaganda da “Lei de Responsabilidade Fiscal”, que blindou o superávit primário. Um engodo, está claro.

A teoria era a de que quando são destinadas 80 unidades para consumo e 40 para investimentos, o resultado de 120 era a inflação. Para eles, não havia outro caminho. Esta ladainha foi sempre repetida na “era FHC” — o então presidente da República chegou a dizer que a “Marcha dos 100 mil”, que inundou Brasília com um mar de gente para protestar contra a sua política econômica, era “ a marcha dos sem rumo”. Qual seria a alternativa? Segundo eles não havia, a não ser plantar “só café, só café” — como na letra da música que citei acima. Ou seja: produzir superávit primário.

Uma ou duas causas da inflação e do desenvolvimento

Ignoraram essa coisa simples de que fórmulas matemáticas não devem substituir o desenvolvimento de um povo que habita uma região cheia de riquezas naturais. A política econômica de um país não pode ser determinada por simples conceitos monetários. Esta auto-suficiência dos neoliberais esclarece muitas coisas dos problemas sociais e econômicos do Brasil. E sucita novas indagações sobre a atualidade do dilema infação e desenvolvimento — as opiniões divergentes continuam e o tempo ainda não lhe trouxe solução.

Eles ignoram também que não existe um diagnóstico simples e objetivo da inflação. A suposição da existência deste diagnóstico é o erro fundamental dos neoliberais — que tratam política econômica e a sua teoria monetária como a mesma coisa. O ex-presidente do BC na ”era FHC”, Gustavo Franco, certa vez afirmou que não discutia mais o dilema inflação-desenvolvimento porque, segundo ele, não era mais tema científico mas emocional e religioso. Mas muita coisa já ficou esclarecida nestes últimos anos do governo Lula.

Uma delas é que o dilema inflação-desenvolvimento é o ponto fundamental da grande questão da economia brasileira sob a orientação desta teoria monetária. Já é alguma coisa saber disso. E já se sabe não apenas que esta é a grande questão como também que não existem uma ou duas causas determinantes tanto da inflação quanto do desenvolvimento. Há sim uma variada relação de causas e efeitos igualmente importantes, monetários e estruturais. E isso tornou-se claro depois da experiência dos neoliberais na ”era FHC”, quando todo o tempo foram afirmadas teses ditas únicas para a economia brasileira que chegaram a resultados melancólicos.

Soberba do galo que pensa que o sol nasce porque ele canta

Com o desmentido de promessas feitas em tom de profecias, cresceram as evidências de que o país tomara o caminho errado. Mesmo os continuadores dessa política na primeira fase do governo Lula, com o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci à frente, que empolgaram-se e sectarizaram-se na defesa de teses ”ortodoxas” — talvez por supor que estavam no exercício de um poder absoluto —, foram repudiados por todos os que não rezavam pela cartilha neoliberal. Eles incorreram na soberba do galo que pensa que o sol nasce porque ele canta. Segundo sua teoria, a gestão da economia só poderia dar resultados positivos se estivesse submetida às suas elucubrações e por isso cantavam para que o sol nascesse.

Desse modo, incorreram em um erro de análise econômica, decorrente de um erro muito maior de análise política — passaram a ser elogiados por todos que apoiaram a ”era FHC” e criticados pelos apoiadores do governo Lula. A saída de Palocci do governo arejou o ambiente na equipe econômica, mas a economia do país ainda é dependente do conservadorismo do Copom. Isso ocorre porque o projeto democrático e popular de sociedade ainda é algo que está para florescer no Brasil. E, na mesma medida, a construção de uma sociedade fundada na defesa dos interesses nacionais, disposta a erigir sistemas que sustentem a longo prazo o desenvolvimento econômico e a distribuição da riqueza produzida. Ou seja: desenvolvimento com valorização do trabalho.

PIB cresce 5,4%: isso é muito ou pouco?
Osvaldo Bertolino *

A economia brasileira passa por uma fase importante. O crescimento do PIB, no entanto, precisa traduzir-se em desenvolvimento — um conceito que obrigatoriamente deve abranger a valorização do trabalho. Uma melhor distribuição da renda nac

O crescimento de 5,4% da economia brasileira no ano passado, divulgado nesta quarta-feira (12) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), fez o Produto Interno Brasileiro (PIB) — a soma de todos os bens e serviços produzidos pelo país — atingir R$ 2,6 trilhões. O resultado ficou acima do que havia previsto o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Na semana passada, durante evento no Rio de Janeiro, ele disse que número ficaria entre 5,2% e 5,3%.

Mais importante do que os números é a consequência desta arrancada. Mantega afirmou que a resistência da economia brasileira à crise internacional depende do comportamento dos países “emergentes”. ”Porque nós já sabemos que a economia americana está em desaceleração e poderá entrar em recessão. Até agora, nós não fomos atingidos por isso. E nós fazemos parte de um bloco de países emergentes que está indo muito bem”, disse ele.

O ministro também afirmou que enquanto a China for bem, a Índia for bem, a Rússia for bem e o Brasil for bem, os “emergentes” podem sustentar o crescimento da economia internacional. “E até substituir o papel dos países avançados. E é isso o que tem sido feito até agora”, enfatizou.

Histeria inaugurada nos anos 80

A rigor, Mantega repetiu um diagnóstico feito na terça-feira (11) pelo presidente do Banco Central Europeu (BCE), Jean-Claude Trichet, em reunião realizada na Basiléia, na sede do Banco de Compensações Internacionais (BIS). Trichet disse que os países “emergentes” se transformaram na aposta dos xerifes da economia mundial para evitar que uma desaceleração do PIB dos Estados Unidos afete a economia global.

O presidente do Banco Central brasileiro, Henrique Meirelles, também comentou o assunto. Segundo ele, a China terá um ”papel-chave” para determinar até que ponto os demais “emergentes” serão ou não impactados pelas turbulências no mercado financeiro. Meirelles disse ainda que o Brasil ”está mostrando grande resistência e é um exemplo particularmente brilhante”. Mas ressalvou: se a China não resistir, não há dúvida de que o cenário será outro para o Brasil. ”Se o mundo todo desacelerar ao mesmo tempo, isso terá um certo efeito no Brasil”, afirmou.

Uma das características mais marcantes deste cenário é a passagem para uma nova fase da economia, distinta daquela histeria inaugurada nos anos 80 pelos governos neoliberais de Margareth Thatcher (Inglaterra) e Ronald Reagan (Estados Unidos). Ali começou a pregação fundamentalista de que as “forças de mercado” substituiriam com sucesso a “vontade dos governos”. A justificativa para isso era a suposição arbitrária de que os defeitos dos governos seriam mais perversos à sociedade do que as falhas do mercado.

O bem-estar da população

A essa idéia somou-se uma outra: a de que os países menos desenvolvidos deveriam afrouxar os controles para a circulação de capitais em suas fronteiras. Essa tese, um tanto paranóica, serviu a ideologias que vêem o mundo numa fase final da história, na qual só resta o caminho da conformação do eterno conflito entre ricos e pobres, entre centro e periferia. De acordo com esse raciocínio, a causa da pobreza de muitos não seria mais os instrumentos que garantem a riqueza de poucos.

O prêmio Nobel de economia de 1995, Robert Lucas, chegou a proclamar: “Quando se começa a pensar em crescimento, é difícil pensar em qualquer outra coisa.” Ou seja: para ele, diante da importância do crescimento seria difícil dar ênfase a outras políticas econômicas. O efeito extraordinário do crescimento econômico, no entanto, não pode obscurecer questões importantes para medir o seu efetivo benefício para o conjunto da sociedade.

A constatação de que o impacto do crescimento econômico sobre o bem-estar da população é decisivo leva imediatamente à pergunta (particularmente importante para os países com muitas pessoas pobres, como é o caso do Brasil): como distribuir esta riqueza de forma eficiente? Entre os fatores determinantes para a melhor utilização dos recursos disponíveis estão o papel do Estado como um ente preparado para a prestação de serviços sociais, os investimentos em infra-estrutura e a elevação dos salários.

Conceito de valorização do trabalho

No fundo, esse é o debate que realmente interessa. Economias do tamanho da brasileira não costumam crescer a taxas acima de 5% ao ano. Mas o Brasil não só precisa dessa taxa como precisa que ela seja contínua — conceito que alguns chamam de “crescimento sustentável”. Para reduzir a pobreza, elevando a renda per capita, estudos mostram que o PIB precisa crescer entre 5% e 6% ao ano apenas para incorporar a mão-de-obra que está entrando anualmente no mercado de trabalho — além de absorver parte dos desempregados.

É aí que entra a importância do conceito de valorização do trabalho para o desenvolvimento nacional. Crescimento não é igual a desenvolvimento. Entre o final dos anos 60 e o início da década de 80, o Brasil cresceu a taxas anuais superiores a 8%. Nem por isso as desigualdades de renda diminuíram na mesma proporção. A Finlândia não cresceu tanto, mas sua população de 5 milhões de habitantes tem uma renda per capita em torno de 20 mil dólares, segundo o Banco Mundial. Sob diversos parâmetros — expectativa de vida, taxa de mortalidade infantil, índices de escolaridade —, os finlandeses têm características de país muito mais desenvolvido que o Brasil.

Para crescer e desenvolver-se, um país precisa, antes de tudo, aumentar a sua produtividade. Isso é feito, basicamente, pela incorporação de máquinas mais modernas, pela qualificação da mão-de-obra e pela adoção de formas mais eficientes de produzir. E a riqueza produzida precisa ser melhor distribuída por meio de investimentos sociais e infra-estruturais, e da elevação da renda para quem vive de salários.

Exportações de produtos básicos

Recentemente, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) divulgou um cálculo ilustrativo. Se o crescimento da produtividade fosse igual a zero, as economias da região precisariam crescer a uma taxa anual de 2,1% até o ano 2015, apenas para evitar um aumento do desemprego. Se a produtividade crescesse no ritmo de 3,7% ao ano (média do período 1950/1973), então o PIB precisaria variar 5,8% ao ano. Como a produtividade brasileira vem crescendo em média 7% anuais, é claro que o crescimento do PIB precisa ser ainda maior, apenas para não criar mais desempregados.

E será que uma economia de R$ 2,6 trilhões pode se dar a esse luxo? É claro que tamanho faz diferença, mas é preciso aqui fazer uma outra constatação. Países desenvolvidos já possuem usinas de energia, estradas e outras infra-estruturas para atender a suas necessidades. Nesses casos, o crescimento tende a ser naturalmente mais lento. Mas no Brasil ainda há muito o que fazer. O país precisa, desesperadamente, de melhorias infra-estruturais. Ou seja: o Brasil não só pode como deve crescer acima de 5%.

A Cepal identificou que, ao menos no médio prazo, o crescimento da América Latina pode ser assegurado pelas altas dos preços internacionais das commodities. A região é dona de grandes reservas minerais. Na avaliação da Cepal, os países latino-americanos deveriam aproveitar o momento mais favorável para reforçar sua presença internacional e rever alguns modelos mais frágeis que ainda servem de sustentação econômica. Entre as prioridades estariam reduzir a dependência das exportações de produtos básicos.

Assédio institucionalizado

O pensamento progressista latino-americano há tempos discute os obstáculos impostos à industrialização do sub-continente. A Cepal foi a referência maior nesse debate, inaugurado pela reflexão inspiradora de Raúl Prebisch sobre os vínculos desiguais entre as economias centrais e as regiões periféricas, e a necessidade de maior coordenação entre os países da América Latina para superar óbices como a deterioração continuada dos termos de nosso intercâmbio com a Europa e os Estados Unidos.

Sabemos que no Brasil esse desafio não foi enfrentado. O país levou a cabo um extenso programa de substituição de importações, modernizou seu parque industrial, mas manteve largos segmentos inteiramente à margem do processo produtivo, sem acesso às benesses do crescimento. Com poucos governos de visão social, o Estado esteve por muito tempo ausente não apenas da tarefa de distribuir renda mas também da de habilitar toda a sociedade a participar da dinâmica produtiva.

A máquina pública expandiu-se, mas para contemplar interesses elitistas, sem atenção aos reclamos da maioria da população. Na “era neoliberal”, o assédio institucionalizado de setores privilegiados aos canais de decisão foi explícito. Acentuou-se o vício histórico do patrimonialismo, em que o público se vê refém do privado.

Essa situação começou a mudar com o governo Lula. Com o avanço da cidadania, a sociedade também avançou. Multiplicaram-se as instâncias de representação. Os movimentos populares abriram espaços cada vez mais amplos para o debate público, atuando como uma verdadeira ágora desses novos tempos.

Estado do mal-estar social

Mas o Estado ainda precisa ser mais bem cobrado no desempenho de suas tarefas. Os nichos historicamente privilegiados devem estar sob o crivo de segmentos sociais mais vigilantes para impor limites à privatização do Erário. O governo federal tem feito esforços para democratizar o Estado, para que ele se torne mais transparente e responsável.

Iniciou a concertação do poder público com os movimentos sociais. A descentralização administrativa e orçamentária também concorreu para aproximar a população do gestor público. No entanto, o governo precisa acelerar a recuperação da capacidade do Estado cumprir seu papel. Ou melhor: o Estado precisa se credenciar para cumprir finalmente a meta de universalização dos serviços públicos.

Pode-se dizer que estamos passando de um Estado do mal-estar social para a possibilidade de se ter um Estado virtuoso, que assegure a todos os brasileiros condições satisfatórias de vida. Mas o ritmo ainda é lento. Ainda temos uma política monetária indomada e uma condução tímida das diversas políticas públicas — condições que implicam em temor sobre a longevidade e eficiência do crescimento do PIB.