– Aniversário da Petrobras: o cerco histórico da direita

Getúlio Vargas no Palácio do Catete anuncia a criação da Petrobras  

Por Osvaldo Bertolino

Em 3 de outubro de 1953, exatamente três anos após ter sido eleito para o segundo governo, o presidente Getúlio Vargas sancionou a lei que criou a Petrobras. O anúncio se deu num discurso no Palácio do Catete, a sede do governo, sobre suas principais realizações. “O Congresso acaba de consubstanciar em lei o plano governamental para a exploração do nosso petróleo. A Petrobras assegurará não só o desenvolvimento da indústria petrolífera nacional como contribuirá decisivamente para limitar a evasão de nossas divisas. Constituída com capital, técnica e trabalho exclusivamente brasileiros, a Petrobras resulta de uma firme política nacionalista no terreno econômico, já consagrada por outros arrojados empreendimentos, em cuja viabilidade sempre confiei”, disse.

Na país havia amadurecido a consciência de que o setor energético — especialmente a indústria do petróleo — é peça-chave do desenvolvimento econômico e social. Tanto que o Projeto de Lei que criou o monopólio do setor atingiu amplo consenso, apesar das pressões dos interesses internacionais já no momento da votação no Congresso Nacional.

A Petrobras nasceu como consequência da batalha pelo controle estatal do petróleo, condição fundamental para a defesa da soberania nacional. E, por ter esse simbolismo, nunca foi aceita pelas forças conservadoras, devidamente caracterizadas como entreguistas. Os recentes ataques à estatal, agora mais intensos por conta do pré-sal, são apenas mais um capítulo dessa história

Por trás dos arroubos dos patriotas de ocasião e raivosos publicistas que manifestam “indignação” com a profusão de denúncias oportunistas que envolveram a Petrobras estão questões como a batalha mundial pelo petróleo e, em torno dela, a soberania nacional e a união do Brasil com seus vizinhos. A união energética historicamente representou um dos maiores motivos de integração entre os povos. A União Europeia, para citar um exemplo recente, começou a surgir em 1951 com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Inicialmente, a preocupação básica era o suprimento de energia.

No caso da América do Sul, há um fator que facilita essa integração: os países da região, excetuando Brasil e Chile, têm mais energia do que necessitam. Não há nada mais natural do que vender o excedente a quem precise. Para que esse comércio ocorra, contudo, são necessárias obras gigantescas, que tendem a consolidar a ligação entre os países. Só o gasoduto entre Brasil e Bolívia, para se ter uma base, custou mais de US$ 2 bilhões. Ninguém faria uma obra desse porte se não fosse para ter uma relação de longo prazo. Essa ideia, no entanto, sempre enfrentou forte oposição dos interesses que dominam a economia mundial; a indústria do petróleo, que nasceu no final do século XIX, por ser fonte constante de riqueza se tornou desde cedo essencialmente monopolista.

Monteiro Lobato

No Brasil, a luta pela soberania energética é antiga. A confirmação da existência de petróleo no país foi uma vitória das forças patrióticas e progressistas, que sempre demarcaram campo com os entreguistas. O escritor Monteiro Lobato disse em seu livro O escândalo do petróleo, de 1936, que existiam duas visões geológicas: uma paga para “engazopar” o público, outra para o uso interno dos trustes. Até então, escreveu, o Brasil vivia em regime de compartimentos estanques. A imensa extensão territorial do país e a falta de bons transportes fizeram os brasileiros serem regionais. Nasciam e morriam em um desses compartimentos e quando alguém desejava viajar corria para a Europa. As coisas começavam a mudar graça ao petróleo; o brasileiro já circulava mais, de automóvel ou de avião, e estava descobrindo o Brasil rapidamente. O país estava se transformando em uma grande coisa.

Aquele homenzinho de grossas sobrancelhas percorria o país, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, pregando patriotismo. “Não temos petróleo? Falta-lhe (ao governo) em olhos o que lhe sobra em traidores vendidos aos interesses estrangeiros”, escreveu. Mas, afirmou, “havemos de dar olhos ao Brasil”. “Havemos de obrigá-lo a ver, a convencer-se da existência do gigantesco lençol subterrâneo. Se a fé move montanhas, a convicção rompe o seio da terra e arranca de lá os seus tesouros. Não sei, concluí em uma das minhas pregações, que sacrifício eu não faça para ver meu país arrancado à miséria crônica e elevado ao poder e à riqueza pela força mágica do maravilhoso sangue negro da terra”, asseverou.

Impulsionado por essa ideia, Monteiro Lobato escreveu cartas ao presidente Getúlio Vargas expondo o que considerava a verdade sobre o problema do petróleo no Brasil, que lhe renderia uma prisão. “O petróleo! Nunca o problema teve tanta importância; e se com a maior energia e urgência o senhor não toma a si a solução do caso, arrepender-se-á amargamente um dia, e deixará de assinalar a sua passagem pelo governo com a realização da ‘grande coisa’. Eu vivi demais esse assunto. No livro O escândalo do petróleo denunciei à nação o crime que se cometia contra ela (…). Doutor Getúlio, pelo amor de Deus, ponha de lado a sua displicência e ouça a voz de Jeremias. Medite por si mesmo no que está se passando. Tenho certeza de que se assim o fizer, tudo mudará e o pobre Brasil não será crucificado mais uma vez”, escreveu.

Batalha mundial

A decisão brasileira de nacionalizar suas reservas foi uma resposta aos propósitos dos monopólios que se formaram com a história do imperialismo do século XIX e do início do século XX. Eram tempos de partilhas de mercados, de guerras mundiais, de modificações nas correlações de forças e de soberanias nacionais ameaçadas. Na América Latina, território historicamente cobiçado pelos norte-americanos, o México nacionalizou seu petróleo em 1938 e a Argentina já explorava suas jazidas na década de 1940. Chile e Bolívia encaminhavam-se para o monopólio do Estado.

A formação do bloco socialista tirou do campo de visão dos grupos privados importantes reservas mundiais — um dos quatro maiores lençóis de petróleo, o do Mar Cáspio, passou para as mãos dos povos soviéticos. O drama do petróleo entrava em uma fase nova, marcada pelo avanço da democracia contra o imperialismo. Já naquela época, as concessões abarcavam regiões imensas.

Uma companhia norte-americana era concessionária de toda a Abissínia — hoje Etiópia. Na Arábia Saudita, metade do país estava nas mãos de outras duas empresas dos Estados Unidos. Em 1945, o Paraguai outorgou a uma petrolífera norte-americana concessões que compreendiam dois terços do seu território. Na Venezuela, regiões imensas foram entregues às companhias norte-americanas e inglesas. Os Estados Unidos controlavam mais de 80% do petróleo do mundo capitalista, cerca de 70% de toda a produção mundial. Em muitos países, como a Venezuela, populações miseráveis vegetavam em torno de poços riquíssimos.

A luta pelo petróleo nacional, portanto, brotou em plena batalha mundial pelas reservas petrolíferas. Era uma questão que requeria a união do povo brasileiro e um governo minimamente comprometido com a independência nacional. Apoiada na tenacidade dos pioneiros — como Monteiro Lobato —, e fortalecida pelo esclarecimento das campanhas do Partido Comunista do Brasil, com ampla mobilização esdudantil organizada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), a palavra de ordem O petróleo é nosso abriu caminho entre todas as barragens e emergiu como um grande movimento popular em defesa da soberania nacional.

Além da mobilização popular e das denúncias na tribuna do Congresso Nacional, os comunistas apresentaram três projetos sobre o petróleo. De autoria do deputado Carlos Marighella, o primeiro — subscrito por Maurício Grabois, Gregório Bezerra, Henrique Oest, José Maria Crispim, Jorge Amado, Abílio Fernandes e Diógenes Arruda Câmara — dizia que “as jazidas de petróleo e gases naturais existentes no território nacional pertencem à União, a título de domínio privado imprescindível”. Ou seja: só brasileiros poderiam pesquisar e lavrar petróleo e gás.

O segundo — não há registro conhecido de subscrição — declarava de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo. Isto é: a produção, importação, exportação, refino, transporte, construção de oleoduto, distribuição e comércio seriam exclusividade de empresas de capital nacional, com 51% das ações em poder do Estado.

O terceiro projeto de Marighella — subscrito por Maurício Grabois, Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Henrique Oest, Gregório Bezerra, Gervásio Azevedo, Jorge Amado e Abílio Fernandes — criava o Instituto Nacional do Petróleo, entidade autárquica com ampla competência. Além destes três projetos, Abílio Fernandes apresentou outro, em nome da bancada comunista, regulamentando a aplicação dos artigos 152 e 153 da Constituição de 1946, relativos às minas e demais riquezas do subsolo.

Segundo o projeto, “os decretos de concessões de petróleo e de autorizações de lavra” seriam “conferidos exclusivamente a brasileiros ou sociedades organizadas no país”. As propostas pararam na Comissão de Constituição e Justiça e o assunto passou a ser monopolizado por uma nova legislação que seria enviada ao Congresso pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. A concretização do monopólio estatal do petróleo, contudo, só viria no segundo governo do presidente Getúlio Vargas.

Ao longo dos debates, ficou evidenciada a importância da “batalha pelas reservas”. O deputado comunista Pedro Pomar disse na tribuna da Câmara que o problema fundamental do Brasil era produzir petróleo para o consumo doméstico e assegurar reservas para qualquer emergência. Segundo Pomar, os brasileiros não podiam ficar à mercê da política agressiva e provocadora de guerra dos norte-americanos.

Pai dos neoliberais

Desde cedo, os defensores da posse do petróleo pelo Estado compreenderam a importância dessa bandeira para o desenvolvimento nacional e a defesa da soberania do país. O petróleo é a base principal da economia e do poder do Estado nacional. Por ter essa importância, os entreguistas brasileiros nunca aceitaram a Petrobrás.

Nos anos 1940-1950, as ações para impedir a posse estatal do petróleo tinham muito a ver com o desdobramento do dramático episódio conhecido como “Guerra do Chaco”, tramada pela Standard Oil. No seu final, o Brasil assinou os Tratados de 1938 pelos quais ganhou uma região para pesquisar petróleo. O governo brasileiro havia construído a estrada de ferro Corumbá-Santa Cruz de la Sierra e recebeu a “área de estudo” como pagamento. O acordo seria desfeito em 1955, quando o governo do presidente Café Filho devolveu a área ao governo boliviano, que seria repassada à Standard Oil.

No caminho estava o pai dos neoliberais brasileiros, Eugênio Gudin, ministro da Fazenda. Ele se recusou a liberar os recursos necessários já aprovados no Congresso e destinados ao reinício das atividades do Conselho Nacional do Petróleo na região subandina boliviana. A mídia, que no Brasil combatia ferozmente o monopólio estatal do petróleo, saudou a atitude de Gudin como um gesto de “coragem e bom senso”. Em La Paz, o procedimento foi o mesmo. Festejaram, assim, o entreguismo brasileiro-boliviano, na pessoa de Gudin.

O alvo era a Petrobrás, que surgia como desmentido aos que só acreditavam nas maravilhas da iniciativa privada. Os monopólios privados sabiam que a estatal era a solução certa para o problema do petróleo brasileiro e que seria a base econômica-financeira do desenvolvimento nacional. Foi assim que começou a primeira campanha contra a Petrobras.

No início da década de 1960, no entanto, o monopólio estatal foi reforçado com a incorporação da importação de petróleo e da distribuição de derivados. A integração de todas as fases da indústria petrolífera — exploração, produção, transporte, refino e distribuição — no regime de monopólio permitiu ao país controlar a totalidade do seu petróleo. O setor evoluía em um ambiente iluminado pelo debate democrático e parecia intocável, apesar do assédio incessante das multinacionais.

Contratos de risco

Com a chegada do regime golpista de 1964, foram criadas as condições para a volta dos ataques privatistas. Já em 1965, a ditadura militar promulgou três decretos-lei: um que restituiu as refinarias estatizadas aos seus antigos proprietários e outros dois que retiraram a petroquímica e o xisto do monopólio estatal.

Em 1970, contrariando a essência da lei que instituiu o monopólio, a direção da Petrobras, cumprindo decisão do governo, reduziu o esforço exploratório, o que comprometeria o objetivo de atingir a auto-suficiência nacional. “A auto-suficiência no campo do petróleo, por mais desejável que seja, não é a missão de base da empresa”, declarou o então presidente da Petrobras, general Ernesto Geisel.

Ao mesmo tempo, a ditadura flertava com as multinacionais do setor. O primeiro resultado foi a associação da Petrobras à Mobil Oil e à National Iranian Oil Company para formar a Hormoz Petroleum Company, com atuação no Irã. Em outubro de 1975, Geisel, agora presidente da República, disse que as empresas multinacionais estavam autorizadas a explorar petróleo no Brasil, anunciando a adoção, pelo governo brasileiro, dos “contratos de ricos”.

Quatro anos depois, em dezembro de 1979, um telex da Presidência da Republica determinou à Petrobras a criação das condições necessárias à participação das multinacionais também na fase de produção. O objetivo era tornar os “contratos de risco” mais atrativos. No entanto, o país entrara na fase de lutas pela redemocratização e a decisão da ditadura provocou protestos.

Em manifesto de 28 de fevereiro de 1980, os sindipetros (sindicatos de petroleiros) disseram: “Estamos levantando a bandeira do ‘Petróleo é nosso!’, não pelo simples prazer de uma nova luta, mas pela vontade de preservar tudo o que foi conquistado com suor e sangue de nosso povo.”

Uma resolução das associações de geólogos de alguns estados e da Sociedade Brasileira de Geologia, dizia: “Conclamamos todos os colegas, principalmente aqueles que trabalham na Petrobras e outras empresas públicas, os sindicatos e associações profissionais, os parlamentares e todos os setores sociais do país para que retomemos juntos a luta: pela abolição dos contratos de risco; pela restauração integral do monopólio estatal do petróleo através da Petrobras; pelo controle da população sobre os recursos minerais e energéticos.”

De 1977 a 1988, foram assinados 243 “contratos de riscos”, que resultaram em 79 poços perfurados, em uma área de 1,5 milhão de quilômetros quadrados (superior à dos territórios da Inglaterra, Itália, Japão, Suiça, Grécia e Portugal juntos), e investimentos de US$ 1,25 bilhão, dos quais ingressaram no país US$ 350 milhões. Um resultado pífio. A Petrobras, no mesmo período, aplicou US$ 26 bilhões, perfurou 8.203 poços e descobriu os campos gigantescos de Marlin, Albacora e Barracuda — além de outros localizados onde vigoraram “contratos de risco”, nas áreas Sul-Tubarão, Estrela do Mar, Coral e Caravela.

Petrobras dividida

No governo do presidente Fernando Collor de Mello, surgiu a proposta do “Emendão”, uma tentativa de alterar a Constituição pela qual ele jurou fidelidade, que incluía a possibilidade de quebra do monopólio estatal do petróleo. O coordenador do Programa Nacional de Desestatização e presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Eduardo Modiano, disse que era possível reverter a tendência majoritária no Congresso Nacional contra a privatização da Petrobras. “Isso depende de emenda constitucional, mas acho que parlamentares e sociedade se sensibilizarão com o sucesso do programa de privatização e, aí, será viável a privatização da Petrobras”, declarou. A proposta recebeu, de pronto, o apoio do ministro do Planejamento, Paulo Haddad.

A ideia seria enterrada pelo presidente Itamar Franco, que declarou, em reunião com representantes da UNE, que a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce não seriam privatizadas. “Enquanto eu for presidente essas estatais não serão privatizadas”, declarou. Contudo, quando Fernando Henrique Cardoso (FHC) assumiu o Ministério da Fazenda o assunto voltou à baila. “Esse assunto (a privatização da Petrobras) depende do Congresso, porque trata da questão do monopólio”, afirmou.

No governo FHC, a ideia de privatizar a Petrobrás surgiu oficialmente em 1996 quando Luis Carlos Mendonça de Barros, então presidente do BNDES — um tucano de alta plumagem —, desceu do muro para colocar o guizo no pescoço do gato. Era uma voz que deveria ser levada a sério; ele foi um daqueles baluartes da tribo que ajudava a manter no exílio gente como FHC e José Serra. A privatização não se concretizou, mas a aprovação da Emenda Constitucional nº 9, em 9 de novembro de 1995, quebrou o monopólio estatal e iniciou o processo de abertura da indústria petrolífera e gasífera no Brasil.

O primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva interrompeu o processo de esfacelamento que estava sendo preparado pelos tucanos para vender a Petrobras, de acordo com José Sérgio Gabrielli, que assumiu a presidência da estatal. “A Petrobras estava sendo dividida em partes, estava em processo de esfacelamento. Eu acho que a empresa teria sido vendida se nós não tivéssemos interrompido esse processo”, disse ele. A Petrobras só alcançou tantos resultados (auto-suficiência em petróleo, anunciada em 21 de abril de 2006)) porque não foi parar no “balcão das privatizações”, destacou.

Era dos dividendos

Lula falou sobre a sensação de presenciar essa conquista da estatal. “Eu acredito que ser brasileiro, conhecer a história da Petrobras e viver o 21 abril de 2006 como eu vivi, eu acho que é uma dádiva de Deus”, afirmou. O presidente lembrou as críticas que a estatal enfrentou no decorrer de sua história. “Eu sei que a Petrobras desde 1953, com o decreto de Getúlio Vargas, foi vítima de críticas daqueles pessimistas que gostam de criticar tudo, daquele mesmo que disse que a Petrobras não ia dar certo”, comentou. Com a descoberta do pré-sal, a condição estratégica da Petrobras como esteio da soberania nacional foi elevada a um patamar nunca imaginado e ainda não totalmente dimensionado.

Após o gole de 2016, com a fraude do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a investida da direita impôs toque de silencio sobre o desmonte da Petrobras. Surgia a era dos dividendos como nova forma de saque, uma ofensiva que se utilizou das conhecidas fraudes da Operação Lava Jato. Com a volta de Lula à Presidência da República em 2023, iniciou-se a recuperação da empresa e a restauração da política de preços “abrasileirada”, sob ataque da mídia cartelizada que se reveza na artilharia, usando munições bem conhecidas desde o início da batalha pelo petróleo no Brasil.

São velharias requentadas que compõem o arcabouço das ideias que negam iniciativas do governo para a retomada dos investimentos, como o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a reindustrialização do país, a volta da indústria naval e a retomada das refinarias. Tudo revestido de adjetivações agressivas para desqualificar sobretudo o presidente Lula, um festival de impropérios que atinge todos os que de alguma forma se identificam com o desenvolvimento nacional.

– A Operação Lava Jato e a vida pregressa de Sérgio Moro

Na tarde do domingo 22 de novembro de 2015, um forte esquema de segurança fechou uma grande avenida no centro da cidade de Maringá, Paraná, em frente a um hotel de luxo. Policiais ocuparam todo o entorno e quem entrava no auditório passava por um detector de metal. Tanta segurança, conforme transmitiu a rádio CBN, era porque o juiz federal Sérgio Moro participava como convidado especial de um “ato interreligioso contra a corrupção”.

Ele comandava a força-tarefa da Operação Lava Jato, “a maior operação de combate à corrupção que já se viu no país”, conforme disse a repórter Luciana Penha. E prosseguiu informando que no evento estavam presentes seis religiões. “Sérgio Moro nasceu em Maringá e aqui se formou em Direito. A primeira experiência profissional foi no escritório do advogado Irivaldo Souza, idealizador do ato interreligioso contra a corrupção”, noticiou.

Irivaldo é tributarista e assessorou o ex-prefeito de Maringá Jairo Gianoto, do PSDB. Foi condenado em 2006 por desvio de dinheiro público (valor estimado em mais de um bilhão de reais), formação de quadrilha e sonegação fiscal. O advogado foi preso e só teria conseguido um habeas corpus depois que Moro testemunhou a seu favor. “Eu gosto muito do Sérgio, ele é um juiz justo, determinado, e tem cumprido a sua função, a sua missão, e nós, por isso, fizemos esse ato interreligioso em favor dele”, comentou o advogado em entrevista à CBN, ao lado dos “representantes de seis religiões reunidos para refletir sobre a corrupção”, conforme a repórter.

Assassinato de Paolicchi

Segundo Luciana Penha, o presidente da Ordem dos Pastores, Noel Cruz, disse que católicos, evangélicos e muçulmanos, todos concordavam que a corrupção é um mal que mata. “Porque a corrupção, ela está levando, na verdade, o dinheiro que ia para a saúde e também para as empresas. Então os jovens estão desempregados e as mães reclamando com os filhos nas portas dos hospitais e morrendo. Então eu creio que chegou a hora em que o povo de Deus está unido orando a Deus, e Deus ouviu o clamor. Chegou o momento de acabar com a corrupção”, falou o pastor, de viva voz.

O arcebispo, dom Anuar Battisti, afirmou que Sérgio Moro era para muitos a esperança de justiça, de acordo com a repórter. Com sua voz, a autoridade católica disse que “ele (Moro) hoje é o cabeça, é aquele que está dando a canetada final dentro desse processo de corrupção, do processo de julgamento da Lava Jato”. “Tudo passa pela mão dele. E ele está sendo extremamente rígido, extremamente decisivo, não tem medo, enfrentando situações muito complicadas. Nesta oração pedimos que ele continue sendo corajoso”, completou o arcebispo.

Luciana Penha disse que Sérgio Moro não deu entrevista, mas no evento falou por dezessete minutos. E explicou por que decidiu participar do ato interreligioso. Às tantas, ele disse que era um prazer estar ali naquela união de religião com combate à corrupção. A lei valia para todos, afirmou, antes de agradecer a Irivaldo Souza pelo evento. Os representantes das seis religiões que participaram do ato redigiram “A Carta de Maringá contra a corrupção”, que entregaram a Moro, finalizou Luciana Penha.

Ninguém mencionou o caso envolvendo Irivaldo Souza, que teve a participação do então secretário da Fazenda de Maringá, Luiz Antônio Paolicchi, assassinado em outubro de 2011. Seu corpo foi encontrado amarrado dentro do porta-malas de um carro e com dois tiros. Em entrevista ao O Diário, de Maringá, Vagner Eising Ferreira Pio, que se disse mentor do assassinato — segundo o jornal, orientado por seus advogados, que fizeram questão de acompanhar e gravar toda a entrevista —, afirmou que o advogado do Daniel Dantas (banqueiro) teria aconselhado o ex-secretário a firmar uma união estável entre eles por questões patrimoniais.

Acordo branco

O caso nunca foi esclarecido. O que se sabe é que no dia 7 de março de 2001 o ex-governador e senador do Paraná Álvaro Dias protocolou, na Vara Federal Criminal de Maringá, solicitação para que lhe fosse fornecida uma cópia do depoimento prestado à Justiça Federal por Paolicchi. O juiz federal substituto Anderson Furlan Freire da Silva deferiu o requerimento. Igual pedido havia sido encaminhado à Vara Criminal no dia 5 de março de 2001 pelo governador Jaime Lerner e também obteve resposta positiva do magistrado. O que o ex-secretário disse não foi revelado.

Sabe-se também que em 1994, na sucessão do governador Roberto Requião (PMDB), Lerner, o candidato da direita, enfrentava um franco favorito Álvaro Dias. Um esquema financeiro forte foi montado pelos empresários Mário Celso Petraglia e Atilano de Oms Sobrinho, da empresa paranaense Indústrias e Construções (INEPAR). Utilizando-se do prestígio nacional e internacional da empresa, e da reconhecida habilidade de Petraglia para construir operações financeiras intrincadas, levantaram um “papagaio” numa off-shore no Uruguai. Assim, com um caixa razoável, começou a campanha vitoriosa.

Petraglia foi uma das personagens centrais da CPI dos Precatórios, operação nascida de dentro do Banestado como incubadora de desvios do Bradesco e de alguns pequenos bancos liquidados pelo Banco Central (BC) no rastro das denúncias dos então senadores Vilson Kleinubing (PFL-SC) e Roberto Requião (PMDB-PR). Lerner entregara-lhe o Banestado. Em 1998, Lerner fez um “acordo branco” com Álvaro Dias. Candidato ao Senado, ele não apoiou Requião, adversário de Lerner que, buscando a reeleição, não lançou candidato ao Senado. Em 2002, no segundo turno, contra Requião, Lerner abriu seu voto em favor de Dias. Perderam ambos.

Prévia da Lava Jato

Esse caso praticamente não apareceu na mídia; ficou restrito ao noticiário local. O “caixa dois” não era tão visível como ficou após as farsas do “mensalão” e da Operação Lava Jato, apesar de ser público e notório — inclusive na Petrobrás, conforme relata um documento interno da empresa de 2000, mostrado no livro A mentira das urnas —, como demonstram os relatórios de várias CPIs da década de 1990.

Mas Sérgio Moro já estava atuando nesse meio. Antes da aprovação, em 2013, da lei que regulamentou a “delação premiada” ele se utilizou desse instrumento, em 2004, para reduzir a pena do doleiro Alberto Yousseff no caso envolvendo o empresário e ex-deputado estadual paranaense Antônio Celso Garcia, o Toni Garcia (do então PMDB), acusado de crime contra o Sistema Financeiro Nacional com a falência do Consórcio Nacional Garibaldi. Moro foi acusado de agir com arbitrariedade e abuso de autoridade com todos os advogados e de ter concedido imunidade a criminosos com a homologação de acordos de delação.

Ele usou esse instrumento também no caso Banestado, uma espécie de prévia da Operação Lava Jato. Foi ali que os procuradores e policiais aprenderam a usar os acordos de delação e a cooperação com outros países, sobretudo os Estados Unidos. Um deles, Carlos Fernando dos Santos Lima — que ficaria famoso na Lava Jato —, protagonizou, em 2003, uma cena descrita pela revista IstoÉ como um tour de force nos Estados Unidos para que a documentação da quebra de sigilo de várias contas, realizada pelo escritório da Procuradoria Distrital de Manhattan, não viesse à luz. Ele teria na gaveta um dossiê detalhadíssimo sobre o caso Banestado que recebera em 1998 — sua esposa, Vera Lúcia dos Santos Lima, trabalhava no Departamento de Abertura de Contas da filial do Banestado, em Foz do Iguaçu.

Em 2010, a 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou um julgamento só encerrado em 2013 em que foram contestados atos de Moro na Operação Banestado. As contestações foram encaminhadas ao Conselho Nacional de Justiça, onde a apuração foi arquivada. Gilmar Mendes disse, à época, que o caso mostrava um “conjunto de atos abusivos” e “excessos censuráveis” praticados por Moro. “São inaceitáveis os comportamentos em que se vislumbra resistência ou inconformismo do magistrado, quando contrariado por decisão de instância superior”, escreveu o ministro no acórdão da decisão, que resumiu o debate do julgamento.

Josef Mengele

O juiz federal Fausto Martin De Sanctis também criticou Moro por fazer, segundo ele, acordos de delação em que se fixava de antemão o benefício que o réu receberia. Um caso assim aconteceu com o megadoleiro Hélio Laniado, liberado após permanecer preso por 420 dias com a assinatura de acordo de delação premiada. Esse tipo de acordo já havia beneficiado também doleiros conhecidos pela Lava Jato, como Antônio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, e o próprio Alberto Youssef.

Delegados da Polícia Federal (PF) — muitos dos que atuaram na Lava Jato tiveram atuação político-partidária descarada — que conheciam os negócios de Laniado disseram que ele trabalhava para bancos e grandes empresas, segundo uma matéria do jornal Folha de S. Paulo. Laniado foi preso quando desembarcava no aeroporto de Praga, no dia 16 de agosto de 2005, de um voo vindo de Israel. Ele fugira para lá, onde havia obtido cidadania israelense após a Justiça Federal decretar a sua prisão. A Folha disse que foi o serviço secreto de Israel, o Mossad, que informou à Interpol que Laniado estava no avião, segundo dois delegados da PF.

Não se sabe bem por que o Mossad dedurou Laniado — um dos delegados levantou a hipótese de que poderia ser gratidão pelo esforço da PF brasileira em esclarecer o caso de Josef Mengele, o carrasco nazista cuja ossada foi descoberta em 1985 e posteriormente identificada, conforme a matéria. Moro, segundo a Folha, disse que não podia comentar o caso porque o processo e a decisão de liberar Laniado estavam sob segredo de Justiça.

Luzes da ribalta

Em 2010, cento e onze brasileiros foram investigados pela PF, acusados de enviar ilegalmente US$ 2,2 bilhões para uma agência do Israel Discount Bank, em Nova York, entre 2000 e 2005. O valor foi apurado pela promotoria de Nova York numa investigação sobre lavagem de dinheiro em decorrência dos casos do Banestado, Merchants Bank e Beacon Hill, todos usados por doleiros brasileiros.

Conforme informações da Folha de S. Paulo, a apuração demorou cinco anos para ouvir os suspeitos. Em 2006, a Justiça brasileira recebeu da promotoria de Nova York informações sobre 221 contas do Israel Discount Bank supostamente de brasileiros. Só em 30 de agosto de 2010 Moro mandou instaurar 111 inquéritos. Não há notícia, na mídia, dos seus resultados. No caso das delações e de depoimentos de muitos investigados na Operação Lava Jato que denunciaram esquemas de “caixa dois” — como o empresário Eike Batista e o “marketeiro do PT” João Santana —, nem inquéritos foram instaurados.

O jornal Público, de Portugal, publicou uma matéria sobre a Lava Jato, em 9 de agosto de 2015, e, às tantas, citou um artigo do então coordenador da Federação Nacional dos Petroleiros, Emanuel Cancella, dizendo que “a esposa do juiz Sérgio Moro, que está à frente da operação Lava Jato, advoga para o PSDB do Paraná e para multinacionais do petróleo”. “A denúncia foi publicada no Wikileaks”, teria dito o sindicalista. A matéria afirma, também, que Deltan Dallagnol, o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, “é um evangélico engajado da Igreja Batista” e “busca as luzes da ribalta”.