Aparentemente há uma apatia das forças progressistas na atual fase da disputa ideológica que se trava na Internet brasileira. O pensamento direitista, reacionário e preconceituoso, ao parece, nada de braçadas. Por que isto acontece? Qual a causa deste
As relações entre o governo Lula e a mídia estão em seu pior momento. Blogs, colunas, editoriais e peças pretensamente humoristas propagam pela Internet uma onda conservadora que chama a atenção e faz pensar. Tudo começou depois da criação de movimentos de direita, como o ”Cansei”, que abrigam integrantes das zonas da sociedade que estão localizadas nos extratos mais altos da pirâmide social. Antes, havia a histeria da denunciamania que cavalgava o “mensalão”; agora, assume a pauta a propaganda ideológica fundada no rancor político, no ódio de classes e no reacionarismo.
Os mandantes da mídia sequer são capazes de admitir a idéia de que as pessoas que não seguem seu figurino ideológico não são necessariamente “petistas”. Basta ser democrata e progressista para ser enquadrado nesta categoria. O epíteto passou a ser sinônimo de xingamento. O ser “petista” é alguém que não pensa, que está na contramão dos fatos. A explicação mais plausível para isso são os acontecimentos progressistas na América Latina e a aproximação das eleições de 2008 e de 2010. A mídia está servindo, como diz uma recente nota da Executiva Nacional do PT, de ”instrumento e estado-maior” para a ofensiva direitista.
Progresso social e avanço democrático
Para a mídia, as melhorias que vira e mexe ela mesma é obrigada a noticiar não contam. São dados que aparecem distorcidos ou camuflados pelo catastrofismo. Não há indícios de avanços na distribuição de renda — como não há ações efetivas para a retomada de iniciativas que visam a reconstrução da infra-estrutura do país. Tudo é fruto de uma ilusão construída pelos “petistas”, que aproveitam eventuais resultados positivos alicerçados no passado para criar a impressão de que existe progresso social e avanço democrático.
Os objetivos dos “petistas” seriam os piores, e a prova disso estaria no acobertamento do “mensalão”. “Não é por nada não, mas este país está um caos, c-a-o-s. O Senado livrou a cara de Renan Calheiros, e eu gostaria de saber de alguma coisa, qualquer uma, da responsabilidade do governo, que funcione bem. Só uma, e eu já fico feliz (a estabilidade monetária não vale, esta Lula já encontrou prontinha)”, escreveu a colunista Danuza Leão no jornal Folha de S. Paulo no dia 9 de dezembro passado. O progresso que todo mundo vê com os próprios olhos não existe, segundo nos garante a sábia colunista.
Cenário de guerra e golpe de Estado
Está claro que os pontos de vista, as análises e o noticiário de diversos órgãos de imprensa que não pertencem ao monopólio midiático brasileiro compõem um quadro muito ruim para a direita. Também é verdade que o governo cometeu erros factuais, embora tenha acertado muito mais vezes do que errou. Pode-se até concordar, enfim, quando a mídia diz que o governo não é do seu agrado. Mas onde está escrito que deveria ser?
É essa, justamente, a idéia que tantas pessoas de peso na mídia e a seu redor não conseguem aceitar. Na sua visão, o governo não teria o direito de contrariá-la porque ela é a nata da democracia. Esta posição serve, em primeiro lugar, ao propósito muito útil de fornecer uma desculpa a membros da direita que defendem a “liberdade de imprensa”. Em segundo lugar, comprova a alergia da mídia à liberdade de expressão — valor que toleram por não terem força para suprimir. ”A grande mídia foi montando primeiro um cenário de guerra e, depois, de golpe de Estado”, afirma a filósofa Marilena Chauí.
Uma síntese da infâmia na Folha de S. Paulo
Uma síntese de toda essa infâmia é a coluna de um tal Marcelo Otávio Dantas na seção “Tendências e Debates” do jornal Folha de S. Paulo, edição do dia 23 de dezembro. Sob o pomposo título de escritor, roteirista, diplomata de carreira e chefe da Divisão de Assuntos Multilaterais Culturais do Ministério das Relações Exteriores, além de, aos 43 anos, ser formado em ciências econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele se contorce para ligar uma fábula religiosa antiga ao “mensalão”.
Dantas ataca sem escrúpulos. “Marilena Chaui revelou ao mundo a teleologia da corrupção; Paulo Betti defendeu o caráter soteriológico do pecado; e o solerte Wagner Tiso abriu mão de seu coração de estudante para encavalar o espírito pragmático de Jacob Frank”, disse ele. “O pacto com o fisiologismo e a conversão à ortodoxia econômica passaram a ser tratados como pecados santos — alianças temporárias do messias apóstata com o dragão burguês destinadas a acelerar o tempo histórico e facilitar o advento da era escatológica”, escreve. “Hoje, os petistas aceitam tudo. Menos que alguém ouse pensar por conta própria”, finaliza.
Um campanha contra o parlamento
Por trás de tudo isso, há um jogo perigoso. Em entrevista à torpe revista Veja desta semana, o historiador José Murilo de Carvalho diz que existe uma “armadilha” no Brasil. “Os escândalos políticos não colaram no presidente porque ele é um distribuidor de benefícios. No atual mandato, a instituição que mais se desmoralizou foi o Congresso. Se você tem uma economia melhorando, um presidente com apoio popular e um Congresso desmoralizado, qual o resultado? A América Latina está nos mostrando o risco. Isto tem a ver com a discussão sobre o terceiro mandato”, disse ele.
Logo, seria premente a necessidade de enfraquecer o executivo para evitar qualquer tentação “autoritária”. O fato é que há uma campanha nacional contra o parlamento. Segundo a mesma revista, a juíza da 10ª Vara da Justiça Federal Maria de Fátima Costa disse, durante audiência do “mensalão”, ao deputado Paulo Rocha (PT-PA): “O senhor não vai bagunçar a minha audiência. Aqui não é a Câmara dos Deputados.” É o mesmo achincalhe ao parlamento que se vê em colunistas e blogueiros do estrato moral de gente como Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi e Cláudio Humberto. Ou seja: essas figuras desclassificadas servem de referência até para magistrados.
Separar as emoções das realidades
O Brasil conhece bem, e há muitos anos, a situação de ter dentro de si diversos países diferentes convivendo ao mesmo tempo. No presente momento, a diferença que mais chama a atenção é a existente entre o Brasil da calamidade e o Brasil do progresso. O primeiro, como dizem os mestres-de-cerimônia ao introduzir algum personagem que todo mundo conhece, dispensa apresentações: é o Brasil da elite em particular e da mídia, visível todo dia e a qualquer hora num noticiário político que cada vez mais se parece com os programas de palhaçadas.
O segundo Brasil é o país do trabalho, do mérito e do progresso — tão real, tão visível e tão vigoroso em suas virtudes quanto o primeiro é vigoroso em seus vícios. A questão mais relevante do momento, do ponto de vista prático, é determinar até onde o país da mídia pode piorar — e os fatos mostram que ele tem tudo para continuar piorando — sem que isso torne inviável o país do avanço. É muito fácil, diante da degeneração crescente da mídia, concluir que o filme já terminou e o bandido acabou ganhando.
Mais difícil, porque dá mais trabalho, é separar as emoções das realidades — e quando se faz essa tarefa com aplicação e cabeça fria o que começa a tomar forma é a possibilidade de que esteja ocorrendo exatamente o contrário. Sem dúvida, o Brasil arcaico dá provas diárias de que está mais vivo e atuante do que nunca. Mas, ao mesmo tempo, parece cada vez menos capaz de impedir os avanços do Brasil novo. Qual o caminho a seguir? Os fatos, mais que as propagandas ou os desejos, vão responder de um jeito ou de outro a essa pergunta.
A esquerda não pode se encolher
Como diria Lula, o que se pode dizer com certeza, hoje, como nunca antes na história deste país, é que encontram-se em operação forças positivas que jamais haviam se manifestado de forma simultânea. O problema é que isso faz aflorar o que há de pior na mentalidade da direita. Guardadas as diferenças, é algo parecido com o que acontece na Europa. A diferença é que lá a direita que defende o que a direita daqui defende ganha o rótulo de nazista por ser a favor do que ela chama de limpeza social: o extermínio dos seus pobres, os imigrantes. No Brasil, não é raro ouvir que ladrão bom é ladrão morto, especialmente se ele for pobre e preto.
A diferença é que na Europa o discurso é aberto e ainda causa arrepios. No Brasil, ele é velado e rende votos. É uma lástima que a direita no Brasil esteja mais preocupada em preservar a estrutura medieval de nossa sociedade do que em debater abertamente a situação do país. A esquerda não pode se encolher diante disso. Na Internet, predomina o ideário elitista. Precisamos de mais blogs, colunas e opiniões progressistas. É o futuro da nação que está em jogo. E ele pode começar a ser definido neste terreno da luta de idéias. Portanto, blogueiros e colunistas progressistas: uni-vos!