– Aniversário da Petrobras: o cerco histórico da direita

Getúlio Vargas no Palácio do Catete anuncia a criação da Petrobras  

Por Osvaldo Bertolino

Em 3 de outubro de 1953, exatamente três anos após ter sido eleito para o segundo governo, o presidente Getúlio Vargas sancionou a lei que criou a Petrobras. O anúncio se deu num discurso no Palácio do Catete, a sede do governo, sobre suas principais realizações. “O Congresso acaba de consubstanciar em lei o plano governamental para a exploração do nosso petróleo. A Petrobras assegurará não só o desenvolvimento da indústria petrolífera nacional como contribuirá decisivamente para limitar a evasão de nossas divisas. Constituída com capital, técnica e trabalho exclusivamente brasileiros, a Petrobras resulta de uma firme política nacionalista no terreno econômico, já consagrada por outros arrojados empreendimentos, em cuja viabilidade sempre confiei”, disse.

Na país havia amadurecido a consciência de que o setor energético — especialmente a indústria do petróleo — é peça-chave do desenvolvimento econômico e social. Tanto que o Projeto de Lei que criou o monopólio do setor atingiu amplo consenso, apesar das pressões dos interesses internacionais já no momento da votação no Congresso Nacional.

A Petrobras nasceu como consequência da batalha pelo controle estatal do petróleo, condição fundamental para a defesa da soberania nacional. E, por ter esse simbolismo, nunca foi aceita pelas forças conservadoras, devidamente caracterizadas como entreguistas. Os recentes ataques à estatal, agora mais intensos por conta do pré-sal, são apenas mais um capítulo dessa história

Por trás dos arroubos dos patriotas de ocasião e raivosos publicistas que manifestam “indignação” com a profusão de denúncias oportunistas que envolveram a Petrobras estão questões como a batalha mundial pelo petróleo e, em torno dela, a soberania nacional e a união do Brasil com seus vizinhos. A união energética historicamente representou um dos maiores motivos de integração entre os povos. A União Europeia, para citar um exemplo recente, começou a surgir em 1951 com a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. Inicialmente, a preocupação básica era o suprimento de energia.

No caso da América do Sul, há um fator que facilita essa integração: os países da região, excetuando Brasil e Chile, têm mais energia do que necessitam. Não há nada mais natural do que vender o excedente a quem precise. Para que esse comércio ocorra, contudo, são necessárias obras gigantescas, que tendem a consolidar a ligação entre os países. Só o gasoduto entre Brasil e Bolívia, para se ter uma base, custou mais de US$ 2 bilhões. Ninguém faria uma obra desse porte se não fosse para ter uma relação de longo prazo. Essa ideia, no entanto, sempre enfrentou forte oposição dos interesses que dominam a economia mundial; a indústria do petróleo, que nasceu no final do século XIX, por ser fonte constante de riqueza se tornou desde cedo essencialmente monopolista.

Monteiro Lobato

No Brasil, a luta pela soberania energética é antiga. A confirmação da existência de petróleo no país foi uma vitória das forças patrióticas e progressistas, que sempre demarcaram campo com os entreguistas. O escritor Monteiro Lobato disse em seu livro O escândalo do petróleo, de 1936, que existiam duas visões geológicas: uma paga para “engazopar” o público, outra para o uso interno dos trustes. Até então, escreveu, o Brasil vivia em regime de compartimentos estanques. A imensa extensão territorial do país e a falta de bons transportes fizeram os brasileiros serem regionais. Nasciam e morriam em um desses compartimentos e quando alguém desejava viajar corria para a Europa. As coisas começavam a mudar graça ao petróleo; o brasileiro já circulava mais, de automóvel ou de avião, e estava descobrindo o Brasil rapidamente. O país estava se transformando em uma grande coisa.

Aquele homenzinho de grossas sobrancelhas percorria o país, de Norte a Sul e de Leste a Oeste, pregando patriotismo. “Não temos petróleo? Falta-lhe (ao governo) em olhos o que lhe sobra em traidores vendidos aos interesses estrangeiros”, escreveu. Mas, afirmou, “havemos de dar olhos ao Brasil”. “Havemos de obrigá-lo a ver, a convencer-se da existência do gigantesco lençol subterrâneo. Se a fé move montanhas, a convicção rompe o seio da terra e arranca de lá os seus tesouros. Não sei, concluí em uma das minhas pregações, que sacrifício eu não faça para ver meu país arrancado à miséria crônica e elevado ao poder e à riqueza pela força mágica do maravilhoso sangue negro da terra”, asseverou.

Impulsionado por essa ideia, Monteiro Lobato escreveu cartas ao presidente Getúlio Vargas expondo o que considerava a verdade sobre o problema do petróleo no Brasil, que lhe renderia uma prisão. “O petróleo! Nunca o problema teve tanta importância; e se com a maior energia e urgência o senhor não toma a si a solução do caso, arrepender-se-á amargamente um dia, e deixará de assinalar a sua passagem pelo governo com a realização da ‘grande coisa’. Eu vivi demais esse assunto. No livro O escândalo do petróleo denunciei à nação o crime que se cometia contra ela (…). Doutor Getúlio, pelo amor de Deus, ponha de lado a sua displicência e ouça a voz de Jeremias. Medite por si mesmo no que está se passando. Tenho certeza de que se assim o fizer, tudo mudará e o pobre Brasil não será crucificado mais uma vez”, escreveu.

Batalha mundial

A decisão brasileira de nacionalizar suas reservas foi uma resposta aos propósitos dos monopólios que se formaram com a história do imperialismo do século XIX e do início do século XX. Eram tempos de partilhas de mercados, de guerras mundiais, de modificações nas correlações de forças e de soberanias nacionais ameaçadas. Na América Latina, território historicamente cobiçado pelos norte-americanos, o México nacionalizou seu petróleo em 1938 e a Argentina já explorava suas jazidas na década de 1940. Chile e Bolívia encaminhavam-se para o monopólio do Estado.

A formação do bloco socialista tirou do campo de visão dos grupos privados importantes reservas mundiais — um dos quatro maiores lençóis de petróleo, o do Mar Cáspio, passou para as mãos dos povos soviéticos. O drama do petróleo entrava em uma fase nova, marcada pelo avanço da democracia contra o imperialismo. Já naquela época, as concessões abarcavam regiões imensas.

Uma companhia norte-americana era concessionária de toda a Abissínia — hoje Etiópia. Na Arábia Saudita, metade do país estava nas mãos de outras duas empresas dos Estados Unidos. Em 1945, o Paraguai outorgou a uma petrolífera norte-americana concessões que compreendiam dois terços do seu território. Na Venezuela, regiões imensas foram entregues às companhias norte-americanas e inglesas. Os Estados Unidos controlavam mais de 80% do petróleo do mundo capitalista, cerca de 70% de toda a produção mundial. Em muitos países, como a Venezuela, populações miseráveis vegetavam em torno de poços riquíssimos.

A luta pelo petróleo nacional, portanto, brotou em plena batalha mundial pelas reservas petrolíferas. Era uma questão que requeria a união do povo brasileiro e um governo minimamente comprometido com a independência nacional. Apoiada na tenacidade dos pioneiros — como Monteiro Lobato —, e fortalecida pelo esclarecimento das campanhas do Partido Comunista do Brasil, com ampla mobilização esdudantil organizada pela União Nacional dos Estudantes (UNE), a palavra de ordem O petróleo é nosso abriu caminho entre todas as barragens e emergiu como um grande movimento popular em defesa da soberania nacional.

Além da mobilização popular e das denúncias na tribuna do Congresso Nacional, os comunistas apresentaram três projetos sobre o petróleo. De autoria do deputado Carlos Marighella, o primeiro — subscrito por Maurício Grabois, Gregório Bezerra, Henrique Oest, José Maria Crispim, Jorge Amado, Abílio Fernandes e Diógenes Arruda Câmara — dizia que “as jazidas de petróleo e gases naturais existentes no território nacional pertencem à União, a título de domínio privado imprescindível”. Ou seja: só brasileiros poderiam pesquisar e lavrar petróleo e gás.

O segundo — não há registro conhecido de subscrição — declarava de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo. Isto é: a produção, importação, exportação, refino, transporte, construção de oleoduto, distribuição e comércio seriam exclusividade de empresas de capital nacional, com 51% das ações em poder do Estado.

O terceiro projeto de Marighella — subscrito por Maurício Grabois, Diógenes Arruda Câmara, João Amazonas, Henrique Oest, Gregório Bezerra, Gervásio Azevedo, Jorge Amado e Abílio Fernandes — criava o Instituto Nacional do Petróleo, entidade autárquica com ampla competência. Além destes três projetos, Abílio Fernandes apresentou outro, em nome da bancada comunista, regulamentando a aplicação dos artigos 152 e 153 da Constituição de 1946, relativos às minas e demais riquezas do subsolo.

Segundo o projeto, “os decretos de concessões de petróleo e de autorizações de lavra” seriam “conferidos exclusivamente a brasileiros ou sociedades organizadas no país”. As propostas pararam na Comissão de Constituição e Justiça e o assunto passou a ser monopolizado por uma nova legislação que seria enviada ao Congresso pelo presidente Eurico Gaspar Dutra. A concretização do monopólio estatal do petróleo, contudo, só viria no segundo governo do presidente Getúlio Vargas.

Ao longo dos debates, ficou evidenciada a importância da “batalha pelas reservas”. O deputado comunista Pedro Pomar disse na tribuna da Câmara que o problema fundamental do Brasil era produzir petróleo para o consumo doméstico e assegurar reservas para qualquer emergência. Segundo Pomar, os brasileiros não podiam ficar à mercê da política agressiva e provocadora de guerra dos norte-americanos.

Pai dos neoliberais

Desde cedo, os defensores da posse do petróleo pelo Estado compreenderam a importância dessa bandeira para o desenvolvimento nacional e a defesa da soberania do país. O petróleo é a base principal da economia e do poder do Estado nacional. Por ter essa importância, os entreguistas brasileiros nunca aceitaram a Petrobrás.

Nos anos 1940-1950, as ações para impedir a posse estatal do petróleo tinham muito a ver com o desdobramento do dramático episódio conhecido como “Guerra do Chaco”, tramada pela Standard Oil. No seu final, o Brasil assinou os Tratados de 1938 pelos quais ganhou uma região para pesquisar petróleo. O governo brasileiro havia construído a estrada de ferro Corumbá-Santa Cruz de la Sierra e recebeu a “área de estudo” como pagamento. O acordo seria desfeito em 1955, quando o governo do presidente Café Filho devolveu a área ao governo boliviano, que seria repassada à Standard Oil.

No caminho estava o pai dos neoliberais brasileiros, Eugênio Gudin, ministro da Fazenda. Ele se recusou a liberar os recursos necessários já aprovados no Congresso e destinados ao reinício das atividades do Conselho Nacional do Petróleo na região subandina boliviana. A mídia, que no Brasil combatia ferozmente o monopólio estatal do petróleo, saudou a atitude de Gudin como um gesto de “coragem e bom senso”. Em La Paz, o procedimento foi o mesmo. Festejaram, assim, o entreguismo brasileiro-boliviano, na pessoa de Gudin.

O alvo era a Petrobrás, que surgia como desmentido aos que só acreditavam nas maravilhas da iniciativa privada. Os monopólios privados sabiam que a estatal era a solução certa para o problema do petróleo brasileiro e que seria a base econômica-financeira do desenvolvimento nacional. Foi assim que começou a primeira campanha contra a Petrobras.

No início da década de 1960, no entanto, o monopólio estatal foi reforçado com a incorporação da importação de petróleo e da distribuição de derivados. A integração de todas as fases da indústria petrolífera — exploração, produção, transporte, refino e distribuição — no regime de monopólio permitiu ao país controlar a totalidade do seu petróleo. O setor evoluía em um ambiente iluminado pelo debate democrático e parecia intocável, apesar do assédio incessante das multinacionais.

Contratos de risco

Com a chegada do regime golpista de 1964, foram criadas as condições para a volta dos ataques privatistas. Já em 1965, a ditadura militar promulgou três decretos-lei: um que restituiu as refinarias estatizadas aos seus antigos proprietários e outros dois que retiraram a petroquímica e o xisto do monopólio estatal.

Em 1970, contrariando a essência da lei que instituiu o monopólio, a direção da Petrobras, cumprindo decisão do governo, reduziu o esforço exploratório, o que comprometeria o objetivo de atingir a auto-suficiência nacional. “A auto-suficiência no campo do petróleo, por mais desejável que seja, não é a missão de base da empresa”, declarou o então presidente da Petrobras, general Ernesto Geisel.

Ao mesmo tempo, a ditadura flertava com as multinacionais do setor. O primeiro resultado foi a associação da Petrobras à Mobil Oil e à National Iranian Oil Company para formar a Hormoz Petroleum Company, com atuação no Irã. Em outubro de 1975, Geisel, agora presidente da República, disse que as empresas multinacionais estavam autorizadas a explorar petróleo no Brasil, anunciando a adoção, pelo governo brasileiro, dos “contratos de ricos”.

Quatro anos depois, em dezembro de 1979, um telex da Presidência da Republica determinou à Petrobras a criação das condições necessárias à participação das multinacionais também na fase de produção. O objetivo era tornar os “contratos de risco” mais atrativos. No entanto, o país entrara na fase de lutas pela redemocratização e a decisão da ditadura provocou protestos.

Em manifesto de 28 de fevereiro de 1980, os sindipetros (sindicatos de petroleiros) disseram: “Estamos levantando a bandeira do ‘Petróleo é nosso!’, não pelo simples prazer de uma nova luta, mas pela vontade de preservar tudo o que foi conquistado com suor e sangue de nosso povo.”

Uma resolução das associações de geólogos de alguns estados e da Sociedade Brasileira de Geologia, dizia: “Conclamamos todos os colegas, principalmente aqueles que trabalham na Petrobras e outras empresas públicas, os sindicatos e associações profissionais, os parlamentares e todos os setores sociais do país para que retomemos juntos a luta: pela abolição dos contratos de risco; pela restauração integral do monopólio estatal do petróleo através da Petrobras; pelo controle da população sobre os recursos minerais e energéticos.”

De 1977 a 1988, foram assinados 243 “contratos de riscos”, que resultaram em 79 poços perfurados, em uma área de 1,5 milhão de quilômetros quadrados (superior à dos territórios da Inglaterra, Itália, Japão, Suiça, Grécia e Portugal juntos), e investimentos de US$ 1,25 bilhão, dos quais ingressaram no país US$ 350 milhões. Um resultado pífio. A Petrobras, no mesmo período, aplicou US$ 26 bilhões, perfurou 8.203 poços e descobriu os campos gigantescos de Marlin, Albacora e Barracuda — além de outros localizados onde vigoraram “contratos de risco”, nas áreas Sul-Tubarão, Estrela do Mar, Coral e Caravela.

Petrobras dividida

No governo do presidente Fernando Collor de Mello, surgiu a proposta do “Emendão”, uma tentativa de alterar a Constituição pela qual ele jurou fidelidade, que incluía a possibilidade de quebra do monopólio estatal do petróleo. O coordenador do Programa Nacional de Desestatização e presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Eduardo Modiano, disse que era possível reverter a tendência majoritária no Congresso Nacional contra a privatização da Petrobras. “Isso depende de emenda constitucional, mas acho que parlamentares e sociedade se sensibilizarão com o sucesso do programa de privatização e, aí, será viável a privatização da Petrobras”, declarou. A proposta recebeu, de pronto, o apoio do ministro do Planejamento, Paulo Haddad.

A ideia seria enterrada pelo presidente Itamar Franco, que declarou, em reunião com representantes da UNE, que a Petrobras e a Companhia Vale do Rio Doce não seriam privatizadas. “Enquanto eu for presidente essas estatais não serão privatizadas”, declarou. Contudo, quando Fernando Henrique Cardoso (FHC) assumiu o Ministério da Fazenda o assunto voltou à baila. “Esse assunto (a privatização da Petrobras) depende do Congresso, porque trata da questão do monopólio”, afirmou.

No governo FHC, a ideia de privatizar a Petrobrás surgiu oficialmente em 1996 quando Luis Carlos Mendonça de Barros, então presidente do BNDES — um tucano de alta plumagem —, desceu do muro para colocar o guizo no pescoço do gato. Era uma voz que deveria ser levada a sério; ele foi um daqueles baluartes da tribo que ajudava a manter no exílio gente como FHC e José Serra. A privatização não se concretizou, mas a aprovação da Emenda Constitucional nº 9, em 9 de novembro de 1995, quebrou o monopólio estatal e iniciou o processo de abertura da indústria petrolífera e gasífera no Brasil.

O primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva interrompeu o processo de esfacelamento que estava sendo preparado pelos tucanos para vender a Petrobras, de acordo com José Sérgio Gabrielli, que assumiu a presidência da estatal. “A Petrobras estava sendo dividida em partes, estava em processo de esfacelamento. Eu acho que a empresa teria sido vendida se nós não tivéssemos interrompido esse processo”, disse ele. A Petrobras só alcançou tantos resultados (auto-suficiência em petróleo, anunciada em 21 de abril de 2006)) porque não foi parar no “balcão das privatizações”, destacou.

Era dos dividendos

Lula falou sobre a sensação de presenciar essa conquista da estatal. “Eu acredito que ser brasileiro, conhecer a história da Petrobras e viver o 21 abril de 2006 como eu vivi, eu acho que é uma dádiva de Deus”, afirmou. O presidente lembrou as críticas que a estatal enfrentou no decorrer de sua história. “Eu sei que a Petrobras desde 1953, com o decreto de Getúlio Vargas, foi vítima de críticas daqueles pessimistas que gostam de criticar tudo, daquele mesmo que disse que a Petrobras não ia dar certo”, comentou. Com a descoberta do pré-sal, a condição estratégica da Petrobras como esteio da soberania nacional foi elevada a um patamar nunca imaginado e ainda não totalmente dimensionado.

Após o gole de 2016, com a fraude do impeachment da presidenta Dilma Rousseff, a investida da direita impôs toque de silencio sobre o desmonte da Petrobras. Surgia a era dos dividendos como nova forma de saque, uma ofensiva que se utilizou das conhecidas fraudes da Operação Lava Jato. Com a volta de Lula à Presidência da República em 2023, iniciou-se a recuperação da empresa e a restauração da política de preços “abrasileirada”, sob ataque da mídia cartelizada que se reveza na artilharia, usando munições bem conhecidas desde o início da batalha pelo petróleo no Brasil.

São velharias requentadas que compõem o arcabouço das ideias que negam iniciativas do governo para a retomada dos investimentos, como o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a reindustrialização do país, a volta da indústria naval e a retomada das refinarias. Tudo revestido de adjetivações agressivas para desqualificar sobretudo o presidente Lula, um festival de impropérios que atinge todos os que de alguma forma se identificam com o desenvolvimento nacional.

– Pablo Marçal e Jair Bolsonaro ungidos pela Faria Lima e Wall Street

Por Osvaldo Bertolino

Um mundo abstrato, movido pelo giro concreto do dinheiro, define o que é o capitalismo, potencializado pela hipertofria do mercado financeiro, controlado e manipulado por agentes sem escrúpulos. Gente já definida como “lobo de Wall Street”, ou “yuppie”, bem representada em filmes e documentários como malandros, ladrões engravatados, geralmente aventureiros com ar de bem-sucedidos. No Brasil esses malandros ganharam projeção sobretudo com a criação do arcabouço político e “institucional” – cujo esteio é a imoral Lei de Responsabilidade Fiscal -, à margem do Estado Democrático de Direito regido pela Constituição de 1988.

É um fenômeno que ganhou grande relevância com a pretensão do projeto neoliberal de revogar o keynesianismo e a social-democracia, mitigadores das mazelas do capitalismo, para centrar fogo na resistência ao imperialismo, o projeto socialista. Para se impor, vale todo tipo de golpe para destruir as soberanias nacionais e populares, um mundo de corrupção e mantras autoritários difundidos pela guerra ideológica monopolizada por um gigantesco aparato midiático organimente ligado ao mundo financeiro. Com esses recursos, o imperialismo, que regovou os princípios do liberalismo formulados por Adan Smith, se torna radicalizado, valendo-se não raro de projetos políticos de extrema-direita.

É o que pode ser visto nestes dois artigos abaixo, sobre Pablo Marçal e Jair Boolsonaro, mera repetição da fala, em 1968, do então ministro do Trabalho e da Previdência Social da ditadura militar, Jarbas Passarinho, durante a reunião do AI-5 que instarou oficialmente o terrorismo de Estado: “Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência.” O terrorismo do projeto neoliberal está bem explícito nesses textos do Portal UOL e da Folha de S. Paulo relatando a falta de escrúpulos da Faria Lima e de Wall Street em relação ao nazifascimo contemporâneo no Brasil.

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Faria Lima já flerta com Marçal para derrotar Boulos

Andreza Matais, colunista do UOL – 27/08/2024

A Faria Lima vai esconder a predileção, mas em rodas fechadas empresários estão “encantados” com Pablo Marçal, segundo lideranças políticas e empresários com quem conversei nos últimos dois dias.

A avaliação nesse grupo é que Marçal pode tirar Guilherme Boulos da disputa e esse grupo faz de tudo para não ver o candidato do PSOL eleito.

Sobre Ricardo Nunes (MDB), atual prefeito de São Paulo, avaliam que seus bairros estão sujos, com calçadas esburacadas e que a cidade não tem zeladoria necessária.

Ninguém acredita que Marçal é uma boa pessoa, mas apostam que ele defende o empresariado e que seu jeito “deixa que eu resolvo” pode ser uma solução para a cidade.

Nesta terça-feira (27), terá um jantar na casa de Marçal para empresários. A coluna apurou que entre os convidados estão representantes de bancos. Se eles irão apoiar publicamente o candidato do PRTB a resposta é não. É o chamado voto envergonhado.

Um alto executivo de um banco disse à coluna que “a maioria é Nunes”, mas “todos acham que Marçal vai ganhar”.

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Por que tanta gente em Wall Street torce por uma vitória de Bolsonaro?

Brian Winter – Folha de S. Paulo, 05/09/2018

Pessoas íntegras admitem em conversas particulares que não há espaço para sentimentos

Por um candidato que odiava tanto a austeridade que nos anos 90 apelou pelo fuzilamento de um presidente que ordenou um corte de gastos?

Por alguém que quer mudar a composição do STF e indicar juízes ligados a ele? Que declarou seis semanas atrás que “na verdade não entendo de economia”?

Bem, há duas respostas.

Porque, graças em parte a Donald Trump, em 2018 a memória é curta. E porque os investidores estrangeiros, como muitos brasileiros, querem acreditar na possibilidade de um salvador.

Para a parte de Wall Street que investe em países como o Brasil, o ano foi horrível até agora.

Enquanto o mercado de ações dos EUA batia recordes, com o corte de impostos e as medidas de desregulamentação de Trump, o principal índice de mercados emergentes registrava queda geral de 9%, puxado pelas baixas na Turquia (-55%), África do Sul (-21%) e Brasil (-20%).

Um ano ruim quer dizer bonificação ruim e pode até significar a perda do emprego. O Brasil é grande o bastante para empurrar uma virada na categoria, mas isso só vai acontecer se um presidente “amigo do mercado” —Bolsonaro ou Alckmin— vencer.

Uma vitória do PT, em contraste, poderia causar nova queda dos ativos.

Nesse contexto, a maioria dos investidores parecia preferir Alckmin. Mas o equilíbrio está mudando, e não só porque ele continua estagnado.

A indicação por Bolsonaro de Paulo Guedes como ministro da Fazenda e depositário da ortodoxia econômica parece melhor a cada dia, aos olhos do mercado.

Sob a tutela de Guedes, Bolsonaro prometeu reforma nas aposentadorias e no mês passado chegou a mencionar a possibilidade do Cálice Sagrado de Wall Street —a privatização da Petrobras. Um investidor me disse, empolgado, que o Brasil pode ter seu primeiro presidente verdadeiramente liberal em pelo menos meio século.

Calma lá, você talvez diga: e quanto ao passado não tão distante de Bolsonaro?. É aí que entra Trump.

O presidente dos EUA era membro registrado do Partido Democrata até 2010 —mas na Casa Branca ele vem realizando os maiores sonhos republicanos em termos de corte de impostos e desregulamentação da economia. Os mercados financeiros estão sujeitos a modas, e a coerência ideológica está fora de moda.

Basta a explicação de Bolsonaro: “As pessoas evoluem”.

É claro que essa abordagem acarreta riscos. Um presidente que talvez não tenha grande compromisso com a austeridade será capaz de tomar as decisões duras necessárias para reduzir um deficit ainda maior que o da Argentina?

Ele conseguirá funcionar sem apoio claro no Congresso? (Ou, diante de oposição, cumprirá sua velha promessa de fechar o Congresso?) Alguns líderes que pisotearam instituições democráticas, de Recep Erdogan na Turquia a Daniel Ortega na Nicarágua, vêm enfrentando problemas.

Mas se você conversar com investidores sobre os riscos do autoritarismo, muitos tenderão a responder “ouvimos o mesmo sobre Trump, e as coisas estão ótimas” ou “qualquer um menos Lula”.

Há, por fim, o elemento moral. Como os investidores podem apoiar um candidato com posições como as de Bolsonaro sobre mulheres, minorias e direitos humanos?

Essa é a pergunta mais fácil. Conheço muitas pessoas íntegras em Wall Street que sentem repulsa por Bolsonaro. Mas elas admitem em conversas particulares que não há espaço para sentimentos. Como me disse uma, “meu trabalho é garantir que os títulos sejam pagos na data. Quanto ao resto — cabe aos brasileiros decidir”.

– Contubérnio de parasitas no Banco Central “independente”

Por Osvaldo Bertolino

Não existe Estado Democrático de Direito sem transparência. A população precisa ter acesso a informações a respeito do poder público, tanto para exercer algum controle sobre suas ações como para assegurar a eficácia de suas medidas. Esse é um direito humano fundamental, sonegado pelo controle autoritário da comunicação por uma mídia cartelizada e corrupta à raiz do cabelo.

Nem toda reunião de governo deve ser filmada e divulgada, está claro, sob o risco de afetar a sinceridade e a espontaneidade de servidores, piorando a qualidade do processo deliberativo. O grau exato depende, portanto, do tipo de atividade envolvida, suas especificidades e possíveis repercussões dos atos. Idealmente, cada setor do poder público deveria obedecer a um conjunto de regras claras sobre o tema.

Mas, com o controle do Estado por grupos privados, a essência da ditadura do projeto neoliberal, esse princípio básico da democracia fica inviabilizado. Consequentemente, o setor público passa a ser saqueado impiedosamente por grupos de interesses que põem o Estado a seu serviço para pagar-lhes as contas e garantir um fluxo contínuo de dinheiro a custo zero, saído do couro do povo.

Recentemente, o noticiário da mídia corrompida mostrou que o Banco Central “independente” anunciou novas regras para as reuniões entre seus diretores e agentes do mercado financeiro e outros grupos. A norma, bastante detalhista, descreve até como deve dar-se o agendamento. É uma espécie de contubérnio entre compadres, sócios do projeto de saque ao Orçamento e ao patrimônio públicos.

– Lula, a Venezuela e as atas da discórdia da mídia fascista – NOTÍCIAS COMENTADAS

Levante mundial da direita contra a democracia na Venezuela demonstra a extensão nazifascista do projeto neoliberal, com sérias consequências para o projeto de governo do presidente Lula.

– FHC: a face da corrupção do Plano Real

Por Osvaldo Bertolino

Roberto Civita, filho do fundador da Editora Abril, Victor, manteve por muito tempo em sua sala uma foto de Fernando Henrique Cardoso (FHC). “Pensam que a Abril apoia o programa de governo do Fernando Henrique. A questão está mal colocada. Não é a Abril que apoia o programa de Fernando Henrique. É o Fernando Henrique que apoia o programa de governo da Abril”, disse ele certa vez. Era a negação dos treze pontos que magnetizaram o país na campanha de 1989, embalados pelo slogan Lula lá.

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A fala de Roberto Civita pode ser associada a um pronunciamento de FHC, em 1995, sobre a ditadura militar durante a cerimônia de assinatura da lei que reconhece a morte de desaparecidos políticos. “Culpado foi o Estado, por permitir a morte na tortura em suas dependências. Culpados foram as tendências fundamentalistas que, ao invés de reconhecer diferenças e procurar convergências, insistiram no maniqueísmo”, discursou ele. FHC não explicou como poderia se fazer tudo isso à frente de tropas, fuzis e canhões.

Era um verdadeiro devaneio, uma abstração inconsequente, possivelmente influenciado pela concepção baseada na ideia de que os conceitos de esquerda e direita foram varridos pela ordem neoliberal. Como não havia mais a oposição básica que lhe daria sentido, Washington capitalista e Moscou socialista, prevalecia o triunfo definitivo do capitalismo, a “nova ordem mundial” do presidente dos Estados Unidos, George Bush pai, que seria o fim da história, na definição de Francis Fukuyama. Ou a proclamação do pensamento único, o primado de que qualquer ideia fora de sua órbita representava o atraso. Defendê-la era coisa para caipiras e neobobos, segundo FHC.

Caipiras e neobobos

Em 15 de julho de 1996, em visita a Portugal, ele declarou: “Como vivi fora do Brasil, na Europa, no Chile, na Argentina, me dei conta disso: os brasileiros são caipiras. Desconhecem o outro lado e, quando conhecem, se encantam. O problema é esse.” Mais adiante ele diria: “Só quem não tem nada na cabeça fica repetindo que o governo só se preocupa com o mercado, que é neoliberal. Isso é neobobismo.” A mídia, coalhada de “economistas” e “comentaristas” afinados com a ideia de FHC, propagava essa cantilena diuturnamente.

FHC tangia politicamente aquilo que o jornalista Aloysio Biondi chamava de destruição da “alma nacional”. Sob a alegação de que era preciso reduzir a dívida interna e o déficit público, o governo vendeu tudo: bancos, ferrovias, empresas de energia, telefônicas, siderúrgicas e até estradas e portos. Biondi chamou os responsáveis por essa destruição de “clones malditos dos intelectuais de ontem”, que “destruíram o que havia sido construído ao longo de décadas”. “Destruíram mais. Destruíram o sonho, a alma nacional. O que somos hoje? Um quintal dos países ricos? Não. Somos um curral”, escreveu ele no livro O Brasil privatizado.

Investiram contra o trabalhador, o funcionalismo público, o aposentado, o agricultor, o empresário nacional e o Estado, patrocinando desemprego, cortes na aposentadoria e nos direitos trabalhistas, falsas reformas do funcionalismo, falências, facilidades para importações e juros escorchantes – jogando, assim, um seguimento da população contra outro, afirmou. Até o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o BNDES, foi posto a serviço dessa desconstrução nacional. (Biondi chamava o banco de Banco Nacional de Desmantelamento Econômico e Social.) Sem demanda e sem infraestrutura, a produção estagnou.

Conta da “estabilidade”

Em 1994, Lula disse que a conta da “estabilidade” — o Plano Real — seria posta na mesa do povo e ela seria salgada. Isso porque FHC escondeu seu real programa de governo. A maioria da sociedade, ansiosa pelo controle da inflação que castigava o país desde que o “milagre econômico” dos generais golpistas começou a fazer água, em meados da década de 1970, não viu as cláusulas do contrato escritas com letras minúsculas.

Uma delas era a cadeira da presidência do Banco Central, que passou a ser um dos postos mais importantes entre todos os ocupados pela legião de “economistas” que foi instalada nos mais destacados postos do governo e fez da passagem por Brasília um trampolim para uma abastada carreira no mercado financeiro. Até então, os ocupantes de cargos no Banco Central só eram conhecidos por quem tinha algum interesse específico na área financeira. Na “era FHC”, eles ganharam uma independência nunca vista no Brasil.

Era o que chamavam de “despolitização da moeda”, a criação de resistências – ou mesmo impossibilidades – a políticas de prioridades aos investimentos públicos, ideia que levou os dois governos FHC a uma conduta ideologicamente reacionária e politicamente fisiológica e clientelista. Em suas eleições, prevaleceu a linguagem publicitária, que substituiu o debate político franco, direto, com o uso de mais clipes e menos papo, menos verbo e mais efeitos especiais. Foram, enfim, eleições ajustadas ao molde neoliberal.

No plano político, o país passou a ser dirigido por um insólito concerto de facções da direita, cujo esteio era a aliança do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) com o Partido da Frente Liberal (PFL), constituída sob uma boa representação no Congresso Nacional e uma vasta rede de vereadores, deputados estaduais e prefeitos. As decisões eram tomadas entre quatro paredes, longe dos olhos do povo, muitas vezes tramadas com corrupção desbragada – não foram poucos os aliados de FHC pegos com a galinha no saco e nada sofreram. A corrupção rondou o Palácio do Planalto e não existiu uma condenação veemente por parte do governo.

Cartão vermelho

Essa constatação ajuda a compreender a afirmação de José Serra, candidato da direita à sucessão de FHC em 2002, de que, “numa perspectiva republicana, o governo é para servir às pessoas, não aos partidos” (ideia que serviria de base para o lavajatismo que levou ao golpe contra a presidenta Dilma Rousseff em 2016). Há, nessa afirmação, dois sofismas. O primeiro é a deliberada generalização das “pessoas”. O segundo é a tentativa demagógica de negar que os partidos são expressões da democracia. Era o crepúsculo da “era FHC”, um autêntico fim de feira.

Serra dizia que enfrentaria o desafio de neutralizar a dicotomia entre inflação baixa, represada pelos juros altos, e crescimento econômico, sem mexer nos fundamentos do Plano Real. Ele dizia que era possível. O povo não acreditou. Como não dava para servir a dois senhores, logou mostrou que estava claramente a serviço do capital financeiro. Não existia explicação plausível para a conciliação entre juros altos, uma bola de chumbo atada ao tornozelo da produção, e a geração de empregos. FHC prometeu conciliar esses conceitos opostos e não cumpriu. Nem tentou, o que demonstrava mais uma demagogia eleitoreira.

Lula chegou às eleições de 2002 com força porque fez as três campanhas anteriores defendendo coisas básicas como o direito a todo brasileiro de ter no mínimo três refeições por dia. A esperança de avanço social com o projeto neoliberal não existia mais. O povo olhava para a “era FHC” e só enxergava inépcia e fracasso. FHC e Serra receberam cartão vermelho, uma grande conquista para o país.